Não faz qualquer sentido a iniciativa da URAP (União dos Resistentes Antifascistas Portugueses) em tentar boicotar a iniciativa da Câmara Municipal de Santa Comba Dão de construir, na casa onde nasceu o ditador, no Vimieiro, um “Museu Salazar”. A não ser que a sessão de combate político marcado para amanhã à tarde no Auditório Municipal de Santa Comba Dão tenha o patrocínio da RTP, com retorno promocional ao concurso “Grandes Portugueses”, destinando-se a promover a dupla dicotómica Salazar-Cunhal como funil enfiado na nossa memória histórica.
Não há que ter medo de Salazar. Muito menos, o ditador sinistro merece a benesse do silêncio. Porque silenciar Salazar é, sobretudo, dar-lhe a cobertura do manto do mito e dele saírem os refúgios sublimados dos saudosismos gerados por desencantos com o contraditório do viver democrático no alcance das expectativas. E se, mais importante ainda, o salazarismo como sistema e modelo político não tem viabilidade próxima como risco de reposição, as suas marcas culturais e psicológicas nos comportamentos políticos e sociais, activas ou reflexas, permanecem profundamente entranhadas no “estar português”. Daqui que se deva falar de Salazar, escrever sobre Salazar, mostrar Salazar, discutir Salazar. E não há volta a dar: se se quer, como se deve querer, denunciar e documentar as marcas profundas deixadas na carne e na alma dos portugueses por uma das mais longas e tirânicas ditaduras da história mundial, não se pode querer fazê-lo monoliticamente, em orquestra de pensamento único, com sapatadas de catequese histórica, sem permitir a pluralidade de pontos de vistas, incluindo o espaço de intervenção hagiográfica a que têm direito os defensores de Salazar e do salazarismo. E, que raio, os argumentos dos neo-salazaristas são tão fraquinhos que o debate aberto desmonta o mito e as patranhas em tempo e meio.
Silenciar foi um dos mais persistentes e terríveis tiques do mando salazarista. É patético se a URAP lhe apanhou um gosto simétrico. Um e outro a merecerem a serenidade contemplativa proporcionada pelos museus.
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