José Casanova, alto dirigente do PCP e director do “Avante” deu, no último número do jornal que dirige, uma demonstração prática de como o marxismo-leninismo lida com a memória e os factos históricos. Incluindo a aplicação da purga por retroactividade na avaliação política da trajectória dos personagens. Que é, como se sabe, prática antiga nas hostes e desde que Iejov, um dos mais cruéis carrascos de Estaline, se especializou a apagar das fotos os dirigentes comunistas que iam caindo em desgraça (quando eram eliminados pela bala, saíam dos retratos).
Na comemoração dos 80 anos do antigo dirigente António Gervásio, Casanova esclareceu a destrinça entre resistentes a tempo inteiro e os “outros”:
“Porque a vida mostra que «há os que foram e são resistentes e há os que foram mas deixaram de o ser». Os primeiros, prosseguiu, são os resistentes a tempo inteiro «e, por isso, com direito à preservação dessa memória resistente». Já os segundos, «por muito que se ponham em bicos de pés invocando momentos do seu passado, jamais conseguirão superar o fosso imenso que separa o seu passado resistente do seu presente capitulacionista».”
Noutra peça no mesmo número do mesmo jornal, Casanova menciona os nomes dos militantes e simpatizantes comunistas que inauguraram o Campo de Concentração do Tarrafal:
“Em 29 de Outubro de 1936, 152 antifascistas desembarcados do navio Luanda vão inaugurar o Campo de Concentração do Tarrafal, o Campo da Morte Lenta. São, na sua imensa maioria, militantes e simpatizantes comunistas – facto que é do conhecimento público mas que importa sublinhar dado que há por aí quem, fingindo desconhecer esta verdade, a silencie sistematicamente. Entre os 152 figuram os membros do secretariado do PCP Bento Gonçalves, Júlio Fogaça e José de Sousa e muitos dezenas de outros dirigentes, quadros e militantes, entre os quais Pedro Soares, António Guerra, Alfredo Caldeira, Gilberto de Oliveira, Sérgio Vilarigues, Manuel Rodrigues da Silva, Américo de Sousa, Henrique Ochsenberg, João Faria Borda, Hermínio Martins, Joaquim Teixeira, Joaquim Ribeiro, José Barata, Josué Martins Romão, Manuel Alpedrinha, Militão Ribeiro, Oliver Bártolo, João Dinis, Gabriel Pedro, Fernando Alcobia.”
Neste rol, significativamente, falta o nome de Edmundo Pedro, então dirigente da Juventude Comunista e que fez parte da mesma leva de presos políticos e tinha então 17 anos de idade (tendo voltado do campo com 27), mantendo-se sempre como militante comunista enquanto prisioneiro. Assim, no mesmo exemplar jornalístico, Casanova fez prova do tratamento dispensado aos que não se mantiveram “resistentes a tempo inteiro” – são corridos da história. Simplesmente, não existiram. Porque foram cortados do retrato. Ou seja, dito e feito. Mas, felizmente, com míngua do "resto" que também celebrizou Iejov (as balas na nuca).
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