Não há ponta de volta retórica a dar. Se dúvidas houvessem, a máscara caiu definitivamente. Com o centralismo democrático de Jerónimo de Sousa, esse palrador bailarino neo-realista, presbítero em arengas às massas, a negação mais viva das sumas dignidades operárias de Bento Gonçalves e Pavel, pedindo lutas mais lutas para botar discursos e levantar punhos de marionetas como quem faz saúdes quando bebe um bagacinho numa colectividade recreativa de Pericoxe, os restos de independência controlada do sindicalismo português, as sobras do sindicalismo envelhecido da CGTP, foi suicidado às mãos do PCP. Jerónimo de Sousa vingou-se em Carvalho da Silva por nunca ter conseguido construir uma carreira sindical. Se a CGTP, antes, negou a Jerónimo uma lustrosa carreira sindical, num vectorial exactamente oposto ao de Carvalho da Silva (*), mais tarde ou mais cedo, o frustrado sindical Jerónimo (**) pagaria a desfeita com a navalha dos complexados egocêntricos.
O editorial do último “Avante” sobre a jornada “de luta” contra o PS e o governo no próximo dia 2 de Março, é sintomático da agora assumida fusão PCP-CGTP. Um autêntico dobre de finados nas aparências da “independência sindical”. Adeus Carvalho da Silva. Todo o palco para Jerónimo. Good-bye CGTP. E leia-se:
A acção nacional de luta convergente, marcada para 2 de Março pela CGTP-IN, constitui um importante passo em frente na acção organizada dos trabalhadores em defesa dos seus direitos e interesses e por uma mudança de política. Trata-se de, nesse dia, juntar numa só torrente, dando-lhes uma continuidade convergente, as muitas lutas sectoriais e de empresa que têm vindo a ser levadas a cabo; trata-se, ainda e ao mesmo tempo, de trazer à luta mais e mais trabalhadores, todos vítimas da política de direita ao serviço dos interesses do grande capital. Em causa estão questões tão concretas e prementes como direitos essenciais dos trabalhadores: o direito ao emprego e à estabilidade no emprego, o direito à contratação colectiva, o direito à liberdade de organização sindical, o direito ao trabalho com direitos, o direito a salários dignos; questões como as que decorrem da intenção do Governo de José Sócrates de aprovar com carácter de urgência a chamada Reforma na Administração Pública que visa o despedimento de milhares de trabalhadores; questões resultantes das consequências do ataque por parte do Governo aos serviços públicos, com o fecho de escolas, de centros de saúde, de maternidades, de urgências e serviços de atendimento permanente; questões que têm a ver com as incidências cada vez mais gravosa da política de direita nas condições de vida dos reformados e pensionistas – enfim, questões que convocam à luta contra a política de direita e por uma política que inicie a resolução dos muitos e graves problemas que afectam a imensa maioria dos portugueses e portuguesas.
(…)
Assim, o trabalho preparatório da jornada de luta do próximo 2 de Março – designadamente a mobilização e a organização das deslocações – coloca-se-nos como a grande tarefa do momento. Nela deverão estar empenhados não apenas os militantes do Partido e da JCP dirigentes e activistas sindicais, mas todo o nosso grande colectivo partidário, desde os organismos de direcção de sector às células de empresa e de local de trabalho; desde as organizações de freguesia às de concelho, distrito e região. E o mesmo há que dizer em relação à manifestação nacional dos jovens trabalhadores, convocada para 28 de Março.
Como afirmou o camarada Jerónimo de Sousa na intervenção proferida na sexta-feira passada, no Porto, as lutas que aí vêm «assumem particular importância para a criação de uma ampla frente social pela exigência da interrupção da política de direita e na afirmação de um novo rumo para o país, assente numa política alternativa e de esquerda que retome os valores de Abril.»
(*) - Carvalho da Silva singrou desde a condição de “aristocrata operário” numa empresa transnacional instalada no Minho e como empenhado sindicalista católico. Bolchevizado com o 25A, progrediu desde o pelouro da “organização” até ao topo da CGTP pelo aproveitamento da oportunidade proporcionada pelo vazio de liderança quando, sucessivamente, Canais Rocha e Armando Teixeira da Silva “caíram em desgraça” por vários pecados de “mau comportamento moral e partidário”. Impôs-se duradoiramente, por persistência maquiavélica, no cume do poder sindical pois que, para o PCP, Carvalho da Silva enquanto chefe da CGTP, foi uma mera solução transitória, até que Domingos Abrantes, o patrão do sindicalismo comunista, conseguisse vender o seu líder desejado – o metalúrgico Ernesto Cartaxo, um conformista tão empenhado quanto obediente. A contragosto da direcção do PCP, mas apoiado pela pressão favorável de comunistas não ortodoxos (como José Luís Judas) e dirigentes não comunistas (como Kalidás Barreto e Manuel Lopes), Carvalho da Silva perdurou o domínio supremo da CGTP enquanto fazia um notável percurso paralelo de afirmação académica no ISCTE que o levou ao “dr” e o está a aproximar do título de “doutor”, feito apreciável mas nunca visto no sindicalismo revolucionário-operário mas que, paradoxalmente, o vulnera, no quadro de uma apreciação obreirista, enquanto género de espécie hermafrodita social de “proletário mor, corrompido na nata da elite intelectual”.
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(**) – Jerónimo de Sousa singrou na “aristocracia operária” (como aconteceu no cumprimento do seu serviço militar, que fez como “polícia militar” em Bissau e a quem competia a repressão de “comportamentos desviantes” dos soldados do exército colonial) e sem actividade referenciada, política e sindicalmente, antes do 25A. Após a revolução, Jerónimo, dominando a pose de Stakhanov em artes de “baile de bombeiros” e a retórica discursiva e apelativa, em que prepondera um bom domínio artístico da metáfora neo-realista aplicada à luta de classes numa espécie de mix tribunalício-charmoso em que funde Soeiro Pereira Gomes, Máximo Gorki e John Reed, tenta singrar na carreira sindical na “vanguarda das vanguardas” (os metalúrgicos). Por razões publicamente desconhecidas, tamponaram-lhe a carreira. Demonstrando domínio das tácticas do “by-pass” carreirista, Jerónimo vira-se para as “comissões de trabalhadores” onde, burocraticamente, assume a liderança da sua “coordenação”. Se, em termos práticos, a “coordenação” das “comissões de trabalhadores” pouco mais foi, do ponto de vista organizativo, que de nível simbólico, os rituais das manifestações operárias durante o PREC reservaram-lhe lugar cativo para arengar às massas em espectáculo de paridade aparente com os dirigentes da CGTP. E como discursava bem, Jerónimo foi uma peça constante nos ritos de demonstração do poder operário revolucionário. Com o ocaso da revolução e da liderança de Cunhal, o período Carvalhas (que todo o mundo sabia ser um líder transitório) foi aproveitado por Jerónimo para saltar do “movimento operário” para a cúpula do PCP, jogando como peão da corrente mais estalinista e até conseguir que Domingos Abrantes o nomeasse como seu sucessor na função de controleiro do sindicalismo comunista (ou seja, o Secretário-Geral de facto da CGTP), consumando, pela superioridade na hierarquia sindicalista-partidária, a “vingança” (pessoal e do PCP) sobre Carvalho da Silva. Afastado Carvalhas, servindo de “homem de palha” da clique estalinista-cunhalista que mantêm o poder real dentro do PCP, Jerónimo ascendeu formalmente ao lugar de dirigente máximo do PCP. Do cumprimento deste seu consulado, temos, objectivamente, dois resultados de nota: a habilidade artística de Jerónimo para os espectáculos eleitoralistas que revitalizou a fixação dos votos das zonas comunistas pela primarização do discurso político assente na dialéctica dicotómica da luta de classes e em que o PS é satanizado como “inimigo principal”; a promiscuidade absoluta entre política e sindicalismo, em que o PCP se transformou
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Adenda: Eu que, com a ferrovia, só tenho a ver a perenidade do fascínio pelas viagens de combóio e pela magia das estações ferroviárias, levei com a honra de transcrição deste post aqui. E sem ter comprado bilhete. Obrigado, pois, pela simpática boleia.
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