Antes que os escoceses se decidam, deixa-me mandar os meus palpites. Eu sou do tempo em que, depois da fase em que o fascismo se apropriara do nacionalismo, este passara a ser a "besta negra" das tribos das pessoas de esquerda. O "desvio nacionalista" era, aliás, pecha que se pagava muito caro nos países do socialismo real. A União Europeia, já nos seus antecessores institucionais, desenvolveu um federalismo mitigado ou explícito que juntou as hostes sociais-democratas e da direita mais burguesa. Era a altura de juntar e sempre a somar, nada de separar ou subtrair. Chique não era ser-se português ou sueco mas sim mostrar-se e definir-se como europeu. Revolucionário era ser-se internacionalista e nunca um nacionalista, opção de pequeno burguês. Com a implosão do império comunista europeu tudo mudou (excepto na Alemanha em que ainda se somou - o oeste com o leste). A Checoslováquia separou-se através de um amuo pacífico. E ninguém se queixou ou obrigou checos e eslovacos a juntarem-se. A explosão étnica da URSS deu lugar a uma multidão de novos-velhos países e o mundo achou que isso era inevitável e não houve nem vaias nem assobios. Quando rebentou a Jugoslávia, idem idem, aspas aspas. E esta esfrangalhou-se até ao Kosovo, o que foi considerado legitimado pela vontade popular expressa em urnas. Tudo somado, depois de umas já décadas de centrifugações e divórcios, a Europa quase multiplicou o seu número de nações e de estados. Esta tremenda mutação (e, se calhar, a procissão ainda vai no adro) foi aceite com enfado e, principalmente, todo o desinteresse, quase com a conivência do tédio. Agora que a vaga chega ao Reino Unido, a Espanha e ameaça alastrar à Bélgica e mais não sei que mais, ai jesus que a Europa está quase a arder. Esta mudança súbita de peso e medida mete-nos em cima da mesa para consideração um paradoxo de muitas arrobas: o direito ao divórcio entre povos adultos, um direito democrático de tipo superior, um must do respeito pelas vontades soberanas, é considerado aceitável, senão aprazível, quando praticado por comunidades primitivas no convívio e nos hábitos civilizacionais, escandaloso, perigoso e ameaçador se optado pelos países de hábitos democráticos maduros e estruturados. Vá-se lá entender este gosto europeu e democrático pelas contradições, em que se pretende, em nome da unidade, desenvolver permanentemente crítérios de duplicidade.
Está ainda fresca a polémica desmedida sobre a preservação dos ornamentos vegetais evocativos da posse das antigas colónias portuguesas no jardim da Praça do Império e que estimativas camarárias colocavam num custo de manutenção de cem mil euros por ano. Como sempre que se fala de ultramar (como de salazar ou de outro arfar de 24A) saltam as faíscas furibundas da indignação da populaça nostálgica do Estado Velho e das suas possessões. E para colorir o furor não faltaram émulos de árbitros apitando para indicar o sacrilégio de se apagarem sinais históricos do passado a preservar. Que, sim senhor, havia que manter limpos e aparados os arbustos imperiais para que as gerações presentes e futuras não esqueçam a verdade histórica de que Portugal já teve império (e grande, do Minho até Timor). Isto dito a alardear a maior das independências, nada de esquerda ou direita, presumindo equidistância patrimonial e histórica. Como não podia faltar, fizeram os adeptos dos arbustos históricos em bom estado uma petição pública que, pelas assinaturas, foi fogacho pífio. Mas, enfim, a indignação soprou e deu assunto para umas cavaqueiras de café ou de facebook.
Naturalmente que a mim os arbustos coloniais não aquecem nem arrefecem. Como lá estiveram ou passados a máquina zero do aparador de relva. Para mais, em tempo de contenção de despesas. Aliás, em qualquer altura de finanças folgadas e outras prioridades atendidas, os ornamentos rapidamente ressurgem bem esverdeados à luz do sol de Belém. É que ao contrário do que o furor indignado fazia supor, aparar os desenhos do património colonial não é a mesma coisa que escaqueirar um bocado dos Jerónimos para fazer um acrescento de calçada. Por outro lado, e mais importante, quando vejo e oiço estes furores nostálgicos do passado histórico português, sentimentos que em princípio só ficam bem, não deixa de me vir logo à lembrança a antiga sede da PIDE transformada em condomínio de luxo, a carga de trabalhos que foi conseguir-se preservações pobretanas do Forte de Peniche e da Cadeia do Aljube. E a falta de iniciativas, e de indignações, para com inúmeros e vincados sinais e símbolos do fascismo e da resistência antifascista. Muitos destes símbolos e sinais que nunca mereceram consideração de preservação estão já irremediavelmente irrecuperáveis e não vão lá, como os arranjos vegetais de Belém, com aparadelas de jardineiros camarários. E, já que falamos de império, ultramar e colónias, que tal um memorial (podia ser perto ao dos combatentes da guerra colonial, podia) lembrando os escravos levados de África para o Brasil e exportados para outros sítios e evocando os nacionalistas africanos assassinados pelo exército colonial e pela PIDE?
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