Dispenso-me de referir a importância deste livro (cujo sucesso continua e amplia o havido quando da transmissão das suas entrevistas na rádio (Antena 1). Porque é evidente esta importância no quadro da recuperação da memória do fascismo português na sua vertente repressiva, além de oportuníssima no quadro das comemorações dos 40 anos do 25A. Mas gostaria de salientar aquilo que, a meu ver, distingue o trabalho de Ana Aranha no trabalho de recuperação da memória do sofrimento dos antifascistas caídos nas malhas da repressão - a fuga ao estereótipo de uma contenção na revelação dos dramas pessoais como que obrigados a diluirem-se (e esquecerem-se) na gesta colectiva dos colectivos que organizavam a resistência. Ana Aranha não só alargou o leque das vítimas (em termos de enquadramentos partidários e ideológicos) que, finalmente, quebrou o monolito da visão das vítimas do fascismo como tendo sido "comunistas e - vá lá ... - outros democratas", como soube levar ao aprofundamento da humanização dos torturados, inclusivé trazendo para a luz do dia as vergonhas escondidas da fraqueza e da traição perante a brutalidade das bestas policiais. Finalmente, nota-se uma facilidade dos ex-torturados em falarem e revelarem até as partes mais íntimas dos seus sofrimentos e vexames, o que revela a capacidade que Ana Aranha teve em tecer cumplicidades e empatia que muito ajudaram à excelência do seu magnífico trabalho, o qual é, a meu ver, o melhor documento até hoje publicado sobre a repressão do fascismo português, em termos de dores sofridas (que inclui a dor funda da vergonha dos que fraquejaram perante a PIDE). O trabalho complementar de Carlos Ademar é, igualmente, de muita utilidade embora surpreenda que ele, sendo historiador, desconheça que o Tarrafal (Chão Bom) teve três e não duas utilizações [as duas primeiras que referiu (presos políticos portugueses e nacionalistas africanos) e uma terceira após o 25A quando o PAIGC (depois PAICV) utilizou o mesmo Campo para nele internar os caboverdianos considerados reaccionários e contrários à independência de Cabo Verde].
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