António Barreto, cuja ambição presidencialista é antiga, está imparável em iniciativas de auto-promoção que incrementem a sua imagem de profeta lusitano rumo a Belém. Conta, para o efeito, com a protecção de Cavaco Silva que fez dele orador residente das comemorações do “dia da raça” (usando a terminologia cavaquista). Também beneficia do alto patrocínio do Pingo Doce que lhe ofereceu a presidência de uma “fundação”. Fora isso, nesta fase, há que multiplicar as entrevistas. Hoje, foi na TSF (pode ouvir-se aqui). Um dos horrores políticos para Barreto (sabia-se desde, pelo menos, o último 10 de Junho) é a Constituição, fonte de muitos e graves males portugueses. Nesta entrevista, reiterou o seu ódio anti-constitucional. Propôs, até, que a revisão profunda do texto constitucional seja adoptada como desígnio nacional, criando-se uma “task force” trabalhando durante dois anos e envolvendo governo, parlamento e Presidente da República. Questionado sobre a constitucionalidade de tal medida, Barreto desvalorizou os “pruridos” dizendo que “há mais vida do que a Constituição”. Ou seja, a “nova” Constituição (a de Barreto) é tudo e o mais importante e urgente. Esta, a Constituição em vigor, é, para Barreto, coisa a ladear. Estamos entendidos: Barreto não só tem sede de se sentar na cadeira de Belém como o quer fazer com uma Constituição à sua medida, uma Constituição que jure cumprir Barreto.
Vou passar a estar mais atento às intervenções da deputada Heloísa Apolónia. A ver se me apercebo da eventual mudança de influência e inspiração nos seus discursos de Bernardino Soares para Rui Tavares.
A solução Assunção Esteves foi um golpe magistral do PSD ao transformar, quase instantaneamente, um despautério humilhante num arroubo triunfal e unanimista. Agora, só falta o Nobre evaporar-se para que a memória não lembre que ele existiu (politicamente). Até aqui, tudo parece bem, quando asneira grossa termina em apoteose. A grande questão política que sobra de tudo isto é como é possível que a vida parlamentar comporte esta possibilidade, a de enquanto silenciada a hipótese Assunção Esteves se ter tentado, por duas vezes, termos Nobre no seu lugar.
Rectifico o que antes disse. Nobre, afinal, não teve mais olhos que barriga ao querer estrear-se como deputado sem nada menos que sentando-se no cadeirão de Presidente da Assembleia da República. A jurista Assunção Cristas estreia-se como ministra a tomar conta da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território.
A única forma de Fernando Nobre demonstrar que tem as condições mínimas para ser Presidente da Assembleia da República é renunciar imediatamente ao lugar de deputado, poupando a primeira grande humilhação política ao seu último protector e ao governo em nomeação. Veremos se o umbigo histérico e inchado do doutor o deixa ver esta evidência.
Sócrates vai emigrar para fugir de nós. Alguém que lhe apreenda o passaporte, por favor. Era o que faltava. Obriguem-no a aguentar as medidas da troika até ao fim. Só pode sair do País quando o memorando estiver cumprido.
(Ricardo Araújo Pereira, hoje, na “Visão”)
Assim falava Assis em Abril:
Semprún baixou à terra numa cerimónia discreta mas mil vezes mais digna que se tivesse o verniz da socialite pela presença protocolar de um dos da cáfila dos Bourbons. Um dos maiores escritores de Espanha merecia isso: flores e bandeira republicana (a maneira mais decente de gritar: Viva Espanha!).
Parece ser norma considerada como adquirida por cá que líder de partido derrotado eleitoralmente deve demitir-se (ou então, como já fez Paulo Portas, demitir-se e depois reencarnar-se). Naturalmente que esta moda é fruto da fulanização da política e dos partidos e foi um dos efeitos da rarefacção ideológica da disputa política em Portugal.
Se houve um partido que, em eleições, levou uma tareia descomunal (correspondente a uma vaia do eleitorado), o Bloco de Esquerda foi um deles e nestas eleições. E o impacto só não foi maior por o desaire monumental ter sido prévia e bastamente “anunciado” pelas sondagens (o que, por exemplo, foi um factor que induziu o meu impulso compensatório - ou "útil" - de votar no Bloco). E não faltaram, tentando cumprir a tradição, os que, em consonância com a moda, exigissem a Louçã a "coerência corajosa" de se demitir.
Só que o Bloco - contrariando, por exemplo, o apelo vindo do cinismo dialéctico e científico do Zé Neves -, reduzido a metade da sua expressão (em votos e em mandatos parlamentares), não pode, sobretudo agora, deitar fora muito mais de metade do património político que lhe resta e lhe sustenta os restos (Louçã, ele mesmo). Obviamente que este (a força exagerada da individualidade da sua liderança) é um dos “problemas bloquistas” (sobrando outros e gordos) e que “bloqueiam o Bloco”, sem que deixe de ter a força do contexto incontornável. Provavelmente, o Bloco pratica a direcção colectiva e Louçã é apenas o mais mediático, influente e talentoso dos seus dirigentes. Mas a percepção pública fica-se pelo segundo aspecto e, para a maioria da população, sobretudo relativamente a um partido cuja visibilidade quase se reduz ás arenas parlamentar e eleitoral, Bloco é Louçã. Todas as segundas figuras de dirigentes bloquistas ou são pardas ou são sobretudo enfadonhas por repetitivas e pouco ou nada criativas (fenómeno recorrente nos partidos radicais ou revolucionários, como efeito personalista do "centralismo democrático"). E os dois casos que podiam prenunciar a quebra deste sindroma de unipessoalidade (falo de Rui Tavares e de José Pureza), um porque está remetido ao Parlamento Europeu (o que lhe rouba espaço público de visibilidade interna) e outro porque falha este mandato (ao não ser reeleito por Coimbra), saíram apostas semi-fracassadas. E assim sendo, o círculo vicioso empurra para a indispensabilidade de Louçã. Resta somar-lhe (se não existe) uma real direcção colegial, com obrigação atestada de ali se aprenderem com as asneiras, os zigue-zagues e as manias das imitações, libertando-se da atracção fatal pela miragem enganadora da CDU+. E capacidade (mais disponibilidade) para enrijar a saúde com os duches frios da realidade, demonstrando, se mais não fôr, que não se arruma o projecto bloquista como quem, puxando dos galões da antiguidade gasta dos partidos velhos e envelhecidos, mete um epifenómeno na borda do prato.
Custa perder um escritor de culto, daqueles em que ansiámos a saída dos seus livros para os devorarmos sob impulso de uma leitura urgente. Mas como os que tive para se contarem nunca exigiram mais que os dedos de uma mão, não sofri assim tanto com as partidas sem regresso de escritores, achando que a literatura que vai restando chega e sobra para as nossas encomendas e é certo e seguro, por mais que os livros nos ocupem, que levaremos um défice de leitura como companhia para a cova.
Jorge Semprún era um dos meus escritores de culto e acaba de nos deixar. Estou, por isso, inconsolável. E com uma tristeza no fundo do peito que me lembra a que senti na despedida do José Cardoso Pires (embora poucas fossem as semelhanças entre ambos). Por isso, estou também pouco disponível para dizer, hoje, quanto me amachuca a perspectiva de o futuro só me poder dar a releitura de Jorge Semprún. Deixo só duas pequenas notas: - traduzam o que falta dos livros de Semprún; - não deixem de ler aquele que é o melhor romance de Semprún: “Vinte anos e um dia” (Edições ASA).
Vindas de um partido que se afirma revolucionário e leninista, tão internacionalista quanto patriota, que coloca a frente eleitoral e parlamentar atrás do mergulho e direcção nas lutas sociais da rua, custa a entender as manifestações de júbilo que iluminaram a noite de 5 de Junho do PCP. Certo que conseguiu ver o PS despojado do poder, soma mais um deputado e assistiu ao depenar eleitoral do Bloco. Mas, entretanto, o PCP desceu em número de votantes, a direita conseguiu pela primeira vez o tal cúmulo de maiorias (presidente, governo, parlamento), o cumprimento do “acordo da troika” vai ser liderado por quem se gaba ser mais “troikista” que os ditos cujos. Feito o balanço, de onde vem essa vontade de fazer festa? Naturalmente, o paradoxo esfuma-se se tivermos em conta que atrás da representação simbólica que o PCP faz do seu papel revolucionário, representação que adoptou como sucedâneo logo que perdeu a aposta na “revolução real” de 74/75, a vida dos comunistas continua enquanto seres necessitados de sobrevivência social. Assim, por trás dos slogans, das bandeiras, dos punhos, dos cânticos, das memórias dos heróis e santos defuntos, aninha-se o comezinho partidário de um quotidiano que é necessário para alimentar milhares de funcionários-dependentes que exigem um certo "equilíbrio social" (aumentando de importãncia com o acelerar do desemprego, o que frusta alternativas à partido-dependência), os funcionários partidários propriamente ditos mas sobretudo os mais numerosos: os autárquicos e os sindicalistas, aqueles a quem, em última instância, ao partido devem o emprego e ele é a sua garantia por troca da absoluta fidelidade. Esta interligação condicionante é absolutamente compreensível em termos humanos e sociais mas ela aniquilou há muito não só a massa crítica infrapartidária (garantia da pax interna) como explica a calma conservadora, por via de um certo conformismo com o status quo pintalgado de protestos ritualizados pela rotina do protesto de calendário, com que o PCP gere e harmoniza os seus clichés revolucionários e a sua prosa referencial com um conviver na subalternidade política dentro da democracia burguesa (que justificam a necessidade dos clichés). O PCP sabe que nunca ultrapassará a irrelevância política e eleitoral, restando-lhe da revolução a saudade, e por isso o seu compromisso social recoberto de zangas e protestos para que perdurem as fontes de sobrevivência. E desde que o PCP percebeu e interiorizou que o erro político de Cunhal mais crasso foi quando este profetizou que em Portugal não seria possível existir uma democracia burguesa, que este partido se transformou num partido essencialmente comprometido com as ordens estabelecidas sob protesto permanente do direito ideológico ao nojo que não permita que se veja a vergonha fazê-lo corar da cor das bandeiras. O que levaria o PCP a retornar ao ímpeto revolucionário seria ou uma hecatombe autárquica ou os Sindicatos repentinamente acordarem para a democracia sindical e expulsarem de lá os burocratas gordos e alapados. Essas exclusões gerariam uma torrente perigosa de funcionários irados com as perdas de postos de trabalho e de lugares de algum mando. Já a governação de direita, mesmo a pura e dura, não é tanto que apoquente os revolucionários conservadores. Pelo contrário, até pode dar direito a risos e alguma festa.
Como diz Óscar Mascarenhas (no JN):
Em 21 de Maio, escrevi:
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