António Barreto é um académico decadente. Provou-o quando veiculou publicamente uma calúnia mal forjada sobre o almirante Rosa Coutinho. E esse acto infame é daqueles que desqualificam irremediavelmente um intelectual. Quanto a ser promovido a orador de sapiência na cerimónia oficial do 10 de Junho deste ano, a culpa já não é sua, é do seu patrocinador.
Mas tudo se torna mais complicado quando um académico decadente ora assim:
Um antigo combatente não pode ser tratado de "colonialista", "fascista" ou "revolucionário", mas simplesmente "soldado português", pediu o presidente da Comissão das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades.
António Barreto, porque se exilou politicamente quando da ditadura, sendo então militante do PCP, não fez a guerra colonial. Se ficou “livre nas sortes”, foi refractário ou desertor, não vem ao caso. De qualquer das formas, nenhuma das suas opções ou consequência das circunstâncias, não tendo ele sido um “combatente”, o qualifica como doutrinador sobre os “antigos combatentes”. Muito menos com capacidade de uniformizar diferenças que não foram poucas e a memória não permite esquecê-las. Entre as centenas de milhar de “soldados portugueses” que fizeram as guerras coloniais, houve quem as fizesse com gosto ou convicção, quem cometesse crimes de guerra, quem as fez como fatalidade do destino traçado, quem as fizesse lutando contra elas, quem por causa delas fizesse uma revolução que nos libertou do fascismo e do colonialismo. E houve, não poucos, os que optaram pela deserção para não se envolverem em guerras que repudiavam. Assim, a fórmula unificadora do “soldado português” que Barreto pretendeu distribuir para todos os antigos combatentes, embora sob o intuito patriótico politicamente correcto, não satisfaz, não pode satisfazer, as diferenças abissais entre gregos e troianos. É que eu não me revejo nos comandos de Wiriamu ou nos fuzileiros do “Mar Verde”. Como estes, mais que certo, não lamentam a minha prisão no Pelundo (Guiné) por me rebelar contra uma ordem militarista e muito menos se dispõem a cumprimentar os que desertaram. Uniformizar diferenças é estultícia, mais grave se vier de um sociólogo de renome e com galões de pompa e circunstância. Nem desculpável é o atrevimento doutrinal por provir de alguém que se desqualificara, antes, como académico decadente. Fica a petulância, essa sim condigna com aquela espécie de comemoração.
(publicado também aqui)
Um presidente de um país dizer que "chegámos a uma situação insustentável" não é só uma frase forte. E, pelo cargo, muito menos se pode considerar impensada ou impulsiva ou juvenil ou irresponsável. Ou é um apelo a um golpe de estado, numa escala que vai do palaciano-constitucional ao do tilintar das espadas, sejam estas pretorianas ou de sovietes ansiosos, ou então expressão da vontade cansada de entregar as chaves desta freguesia ibérica a um questor de Madrid ou Bruxelas. Mas, para sermos menos dramáticos, sem severidade demasiada perante a letra da oratória presidencial, digamos que Cavaco Silva aproveitou este 10 de Junho para confirmar que desistiu, por reconhecimento de incompetência própria, de ser parte da solução do país para passar a ser um dos nervos dos seus problemas. Usando a terminologia que é cara a Cavaco, este passou a integrar os défices da “nossa raça”.
(publicado também aqui)
4-1 e já está:
Um Presidente da República deve ser unificador e abrangente. No todo nacional e em cada parte regional. Só um algarvio da costa mas muito sectário diria o que Cavaco disse:
“O Algarve e o mar têm cumprido um destino comum. O caminho para uma identidade algarvia será sempre definido como a busca de um encontro e de um abrigo num abraço permanente com o mar"
Ora esta é a realidade de meio Algarve, o mais meridional, o que foi da pesca e das conservas e hoje é, sobretudo, o Algarve do comércio, dos serviços, da habitação de estrangeiros reformados, do caos urbanístico e paisagístico e do turismo. Mas há a outra metade algarvia, a interior, a dos “montanheiros”, virada para a serra e para a terra, para o medronho, a alfarroba, o sobro e a caça, aquela que é um prolongamento mitigado do Alentejo, uma sua espécie brava que só as montanhas tentam separar. Perto geograficamente mas longe, económica, social e culturalmente, do Mar. E que é a parte mais pobre e mais esquecida do Algarve. Sem deixar de ser Algarve. O complexo atávico de homem de Boliqueime que habita em Cavaco, levou-o através de um discurso pomposo de Estado a varrer meio Algarve para debaixo do tapete. Assim, Cavaco já só é provinciano por metade. Tirem-no dali.
(publicado também aqui)
Parece que bloquistas e outros proibicionistas indignados e apressados tocaram as vuvuzelas fora de tempo:
O projecto em causa "tem que ver com um percurso histórico onde se vão rever 100 anos de história e vão ter lugar vários quadros representativos de várias épocas", esclareceu.
"O primeiro quadro vai ser sobre a monarquia, onde as crianças irão dançar danças palacianas; o segundo quadro versará sobre o regicídio; o terceiro quadro será sobre a proclamação da República, onde as crianças irão subir aos Paços do Concelho para fazer a proclamação da República tal como foi feita há 100 anos em Aveiro", especificou.
"Depois iremos ter a época do Estado Novo, com várias apresentações e características do Estado Novo, entre as quais a emigração, a guerra colonial, a escola tal como era naquela época e a Mocidade Portuguesa", referiu a professora.
Nesse quadro "há meninos que estarão a fazer lembrar a Mocidade Portuguesa, tal como estarão crianças a fazer lembrar os emigrantes", assinalou.
O quadro seguinte será dedicado "à revolução do 25 de Abril, onde irão ser evocados Zeca Afonso, que é natural de Aveiro, e vão aparecer os ideais de Abril, os meninos estarão fardados a fazer lembrar as fardas dos militares de Abril com os cravos na mão", acrescentou.
"O último quadro será o da multiculturalidade, a representar a actualidade, em que temos escolas com múltiplas nacionalidades e onde se cruzam múltiplas etnias", explicou.
(publicado também aqui)
Não compreendo o banzé para com a história dos meninos que em Aveiro vão simular um acto memorialista acerca do velho Estado Novo, vestindo fardas da Mocidade Portuguesa e reproduzindo os rituais da vetusta agremiação que faliu por falta de adesões, até na sua época, numa iniciativa com cobertura pedagógica dirigida pelo respectivo Agrupamento Escolar. Se os professores de Aveiro não forem skin-heads nem maluquinhos da tola, o efeito inevitavelmente grotesco da representação pode fazer mais e melhor pela interiorização do antifascismo que umas largas centenas de anciãos a desfilarem pelas ruas a gritarem “fascismo nunca mais!” com punhos levantados a terminarem em cravos rubros. E se juntassem um desfile paralelo com outros meninos fardados da Organização dos Pioneiros do PCP, imitando aqui as criancinhas da então RDA, que existiu durante vários anos depois do 25 de Abril, não só ninguém morria por isso como então a cartada pedagógica tinha foros de propaganda cívica, útil e completa.
É um cálculo estupidamente contraditório atribuir-se ao que se odeia um sentido sacro de intocável. E se os meninos de Aveiro sentirem o mesmo que eu senti quando me vestiram aquela mesma farda de “piolho verde” no meu tempo de menino, então obrigatória, com um efeito insanável de vergonha e má figura que ainda hoje me marca a memória, decerto sairá dali um grupo catita de democratas e antifascistas de não quebrar nem torcer.
Vá lá, não sejam dogmáticos no nojo. E o teatro também é vida, mas outra. Como esta:
(publicado também aqui)
Para quem usa e até para quem abusa da liberdade e até da impunidade da blogosfera, muitas vezes para subestimar ou ridicularizar as “liberdadezinhas” que a democracia sem os punhos do poder musculado dos operários e dos camponeses no poder nos concedem, difícil é imaginar o que representa o acesso à internet controlado por ditaduras, obscuras ou iluminadas. Mas decerto não gostariam de ser internautas, bloggers intervenientes muito menos, no Irão, na Bielorússia, na China, em Cuba ou na Coreia do Norte. Ou se fartavam depressa pelos acessos interditos ou acordariam com uma palmada a servir de aperitivo para o castigo pelo abuso navegador. A menos que integrassem os serviços de segurança e vigilância locais, missão que requer bons estômagos e fracos escrúpulos, características só próprias de alguns, os paranóicos adeptos da razão violenta.
Yoani Sánchez, a blogger mais conhecida da diferença cubana, é um caso especial e julgo que único, uma espécie de Anne Frank dos tempos cibernéticos. Não é uma programática nem uma ideóloga, apenas regista o quotidiano cubano e narra os conflitos entre a sua lucidez e a sua sede de liberdade com a ordem totalitária que encarcera o seu povo. Num conflito tanto mais exasperante porque tem pela frente a opressão poderosa e absoluta dos que reprimem em nome de uma das mais belas utopias criadas pelos homens, a da fraternidade-igualdade. Como Yoani diz, com amargura mas sem cinismo:
“Vivo numa utopia que não é a minha. Por ela se sacrificaram os meus avós e os meus pais renunciaram aos melhores anos da sua vida. Carrego-a às costas sem poder aliviar-me do seu peso.”
“Alguns que não a conhecem tentam convencer-me de que devo preservá-la, mas não sabem quão alienante é carregar o peso de sonhos alheios e viver uma ilusão que me é estranha.”
“A quantos me impuseram – sem me consultar – esta falsa quimera, quero dizer, desde já, que não tenciono deixá-la em herança aos meus filhos.”
Impedida de sair de Cuba, sem acesso sequer a visualizar o seu blogue, isolada, vigiada de perto e controlados todos os seus passos, constantemente ameaçada, várias vezes maltratada fisicamente, caluniada por uns e outros (uns acusam-na de ser paga pela CIA e por Miami, outros espalham o boato de que é uma agente dos serviços policiais cubanos usada para “penetrar” a dissidência cubana), o espantoso é a resistência desta jovem e teimosa cubana. Que bloga e não pára de blogar. Fazendo uma ponte entre a realidade claustrofóbica do interior quotidiano de uma ditadura e o mundo. Permitindo a quem está por fora, espreitar para dentro do íntimo da ditadura, sentir-lhe o sufoco, a opressão e o cinismo colectivo necessário para um povo (sobre)viver entre a celebração dos donos do poder, a penúria e a repressão, sempre em nome da utopia mais bonita.
Merece leitura atenta e despreconceituada a recente edição portuguesa do livro com os seus textos publicados no “Generación Y” (*). Confirmando que “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”. Mesmo na ditadura “mais triste” (que cobre, paradoxalmente, um dos povos mais alegres).
(*) – “Cuba Livre”, Yoani Sánchez, Edições Casa das Letras.
(publicado também aqui)
Um jogador útil porque eficaz e polivalente mas que raramente é brilhante, está destinado a servir assim. No Benfica deste ano, foi pau para quase toda a obra, reserva de cimento para tapar buracos, sem nunca ter direito ao epíteto de craque ou sequer de candidato a artista. Mas foi, seguramente e em balanço final, um dos que mais mereceu colocar a faixa de campeão a tiracolo. A não convocação de Ruben Amorim (a par de João Moutinho e Carlos Martins) para os seleccionados para o Mundial foi uma das provas maiores dos preconceitos que compõem a miopia “british” de Mr. Queiroz. Pelos imponderáveis, como é sina sua, Ruben Amorim vai tapar mais um “buraco”, agora na Selecção. Por razões infortunadas, vestindo o seu fato-macaco para substituir o brilho das lantejoulas do indiscutível artista Nani, cuja lamentável ausência forçada pode inclusive comprometer as aspirações maiores de Portugal neste Mundial, isto se forem os artistas a decidi-lo (Mourinho já demonstrou que nem sempre é assim).
Alcunharam de "navegadores" esta equipa nacional da bola, num toque cultural "cavaquista" que casa bem com Mr. Queiroz, sobretudo quando este provinciano cosmoplita não tem parado de promover músicas anglófilas para que o povo, todo ele perito em "inglês técnico" aprendido nos domingos de osmose com o primeiro-ministro, as cante de cor e salteado enquanto apoia a Selecção. Se é assim que assim seja. E que o valente e porfiado grumete Ruben Amorim, marinheiro do convés, demonstre que nem todos os imediatos vestidos de gala fazem uma tripulação. É o que nos resta. Porque a esperança traduz-se sempre por "terra à vista".
(também publicado aqui)
A propósito do Beato Popieluszko, neste post, passei pelas brasas a relação das experiências de comunismo estatal com as igrejas condutoras das religiões, centrando-me no caso polaco, cujo interesse maior tem a ver com o facto de a Polónia ter sido, entre os países governados por partidos comunistas, aquele em que a religião se conservou com mais força e poder, tanto que conseguiu dar um Papa. Mas o tema, dos pontos de vista histórico e político, comporta um interesse a pedir estudo e investigação para que se possam extrair conclusões com base numa interpretação sistémica. Até lá, só se poderão adiantar perplexidades. Que são tantas que o difícil é escolher.
A formulação marxista acerca do problema religioso foi claríssima e sintetizou-se no anátema genial e imortal de se considerar a religião como “o ópio dos povos”. As práticas leninistas, depois estalinistas, de exercício do poder foram correspondentes e consequentes com o diagnóstico de Marx. A religião e os religiosos foram tratados como inimigos de classe, sujeitos assim ao terrorismo do proletariado. Os padres e as religiosas ou levaram chumbo para dentro do corpo ou foram pregar para o Gulag. Catedrais e igrejas foram dinamitadas ou reconvertidas para casas de interesse colectivo. Nas escolas e nos cursos de formação política de bons e porfiados comunistas, o “ateísmo científico” era disciplina nuclear. Mas o certo é que, como se viu na após implosão comunista, apesar de tanto e de tudo, a fé comunista, mesmo patrocinadora de um poder absoluto, não venceu a fé religiosa.
O grande ponto de viragem táctica do poder comunista face ao poder religioso deu-se na Segunda Guerra Mundial na fase crucial do enfrentamento soviético-nazi. Para mobilização do povo soviético para o contra-ataque (1941-42), em Leninegrado, Estalinegrado e Smolensk, que exigia um nível de sacrifícios extremo e a mobilização de todas as energias, Estaline transigiu com as exigências de formulações ideológicas inscritas na sua formulação oficial do marxismo-leninismo, recuperando, para a mobilização, todo o rosário dos símbolos e das metáforas que incorporassem os apelos à resistência e à vingança, incluindo os ancestrais. Ou seja, o patriotismo (mesmo na versão chauvinista e grã-russa), a herança da cultura imperial czarista (Alexandre Nevsky foi re-deificado), o sentido nacionalista (da Mãe Pátria) integrado na comunicação comunista que baptizou a contra-ofensiva contra a ocupação nazi como “grande guerra patriótica”, a religiosidade foi vista como modo potente e acelerador da fé russo-patriótica.
Mesmo o terror mais brutal tem a capacidade de se sofisticar. Porque nem sempre a prática da repressão e de crimes é apanágio exclusivo dos estúpidos. Quando o império soviético se estendeu pela Europa central e do leste, já a prática comunista tinha incorporado experiências longas e trabalhadas de lidar com a religião através da repressão pela força bruta mas também de, com enormes vantagens, a incorporar em desígnios de Estado. As polícias políticas locais (nacionais) - espinhas dorsais de Estados vitalmente policiais -, coordenadas pela Mãe KGB, afastados e eliminados os elementos mais recalcitrantes das estruturas religiosas, valorizaram depois a técnica da chantagem e da infiltração. Os próceres comunistas perceberam que melhor que igrejas reprimidas e resistentes, seria terem igrejas controladas pela infiltração que, no imediato, proporcionava a docilidade irmã da corrupção, da dependência e do medo. Assim foi feito por toda a parte, com a igreja ortodoxa na Rússia e na Bulgária, as igrejas protestantes na RDA, a igreja católica na Polónia e na Hungria, etc e etc.
Também em Cuba, uma subsistência da aberração do poder comunista absoluto, a relação do castrismo com a religião tem conhecido fases diferentes. Na fase primeira do período revolucionário, os activistas limpavam os altares das igrejas católicas da tralha litúrgica para colocar no seu lugar o retrato de Fidel. Com o desmoronar do império soviético, Fidel percebeu que havia que dar a mão, usando isso para o compromisso e a legitimação do regime, ao Vaticano e à sua sucursal cubana. A visita solene do Papa a Cuba foi o acto celebrante de uma nova “detente” entre o regime e a igreja católica. A partir daí, os cultos restabeleceram-se na plenitude, a igreja integrou-se dentro do regime e assimilou alguma da sua retórica nacionalista e anti-imperialista. E é sintomático que a ditadura cubana, aparentando uma imunidade de aço face aos apelos democratizantes e humanizantes vindos de quase todo o mundo e das mais variadas instituições, particularmente quanto aos direitos humanos e à situação dos presos políticos, se disponha a abrir mão das condições mais brutais de aprisionamento dos encarcerados por delitos de opinião e de consciência, exclusivamente atendendo à intercepção da igreja católica cubana. Está anunciado o fim de uma das práticas mais cruéis para com os presos políticos cubanos – serem colocados em prisões distantes das suas províncias para dificultar ao máximo o contacto e o apoio das suas famílias. E fala-se, com insistência, que os presos sofrendo de doenças graves possam vir a ser transferidos para hospitais sob prisão. São duas medidas mínimas numa escala de exigência humanitária. Mas sempre antes negadas porque para “mercenários” e “gusanos”, portanto “não pessoas”, o tratamento prisional humano era um luxo que desarmava o regime face aos perigos que o ameaçam. A pedido de um séquito de cardeal e bispos, o apelo ganha outro sentido, atendível porque proporciona uma troca de favores entre instituições que se querem cúmplices, talvez irmãs na gestão do negócio dos “ópios dos povos”.
(publicado também aqui)
Os responsáveis da multinacional Union Carbide no acidente que provocou milhares de mortos (3.000 indianos morreram imediatamente e, mais tarde, devido aos efeitos mais lentos e secundários, sucumbiram outras 25.000, após uma fuga, por negligência, no fabrico de pesticidas) em Bhopal (Índia), só julgados ao fim de vinte e seis anos, foram agora condenados a penas simbólicas (dois anos de prisão e 2.100 dólares de multa). Uma vergonha. A impunidade tóxica continua, agora através da justiça temerosa perante os criminosos poderosos.
Na altura do enorme escândalo pelo acidente de Bhopal, lembro-me, não só a imagem da Union Carbide foi fortemente afectada como se gerou, em consequência, um novo paradigma no manuseamento e produção de produtos tóxicos. As empresas químicas passaram a ter novas preocupações ambientais e os seus produtos foram sujeitos a um rastreamento muito mais exigente, multiplicando-se a regulamentação restritiva e preventiva. Algo de parecido com o que depois se passou com a energia nuclear após Chernobyl. Neste sentido, as vítimas de Bhopal funcionaram como mártires da irresponsabilidade químico-industrial e aos seus sacrifícios involuntários e criminosos se devem muitos dos posteriores procedimentos mais exigentes quanto à poluição industrial, sobretudo a que comporta o manuseamento e produção de substâncias perigosas. Mas tal como quanto a Chernobyl e ao actual derrame da BP no golfo do México, e outros, um acidente que provoca vítimas nas populações e no meio ambiente, sendo um crime, implica a responsabilização dos criminosos (que têm nomes e a maior parte das vezes fortunas). As condenações ridículas dos criminosos de Bhopal vão ao arrepio de um acto decente de justiça. E funcionam muito mal em termos de responsabilização dos gestores e outros responsáveis. Estes não servem, não podem servir, apenas para recolher gordos salários e chorudos prémios por lucros muitas vezes obtidos selvaticamente e a qualquer custo do ambiente e da saúde pública. Quando cometem crimes ou são seus cúmplices por negligências ou omissões, devem pagar segundo a dimensão dos crimes cometidos e das vítimas. A indignação dos familiares das vítimas de Bhopal perante estas sentenças miseráveis é justificável e merece todo o apoio. Pelas memória das vítimas, pelo ambiente, pela saúde pública, pelo planeta. Sendo nosso dever exigir sucesso aos recursos que vão ser apresentados perante a toxicidade infame destas sentenças.
(publicado também aqui)
A partir de hoje, as famílias, as boas famílias portuguesas, ameaçam ruína. Muitos casais se vão separar, muitas crianças vão ficar órfãs de liderança mista. Porque os exemplos pegam-se, são como a sarna. Muitas esposas vão querer trocar os esposos pelas suas amigas do peito. E muitos varões vão saltar do leito conjugal para receberem, na Conservatória, as carícias do melhor amigo que tiveram no primeiro ciclo. Santana Lopes, zangado, vai desistir de celebrar, numa discoteca, o seu décimo matrimónio. César das Neves, enojado com os orgasmos homo, decerto vai deixar de escrever, dar aulas e pregar. Cavaco nunca mais vai levar Maria a Capadócia. Dom José Policarpo vai deixar de fumar para poder ser Papa e tudo meter na ordem. Como se a crise não bastasse, Helena Paixão e Teresa Pires acrescentaram a cerimónia da desordem final. Porque há milhões de portugueses que, imitativos que somos, vão querer experimentar o sentido lúdico da sua exibição simbólica e mediática. Com uma dívida pública descomunal, um défice difícil de domar, cinto além do último furo e já transformado em cordel de segurar as calças abaixo do estômago vazio, com férias confinadas a uma tenda num parque de campismo cá dentro, Cavaco ainda em Belém, Sócrates ainda em São Bento, uma esquerda entregue à pastorícia de José, Francisco e Jerónimo, acabando-nos com o deus-pátria-família, o que nos resta?
(publicado também aqui)
O clero polaco foi um dos mais influentes e conservadores no catolicismo europeu. E profundamente contraditório no exercício do seu enorme poder eclesiástico. A poderosa Igreja polaca, enquanto cometia a proeza de meter um Papa em Roma (João Paulo II), eminentemente apostólico e carismático, com a alta missão de ajudar a destruir o comunismo e recuperar o conservadorismo ideológico na expressão da fé católica, praticava, portas dentro, uma cumplicidade gritante com a ditadura comunista para garantir a sua sobrevivência e privilégios. Entretanto, o poder comunista polaco cobrava à Igreja esse seu desejo de sobrevivência e sustentação, infiltrando o clero através da sua polícia política (15% dos bispos e padres católicos polacos eram agentes ou informadores da polícia política ao serviço do governo comunista). Entre estes colaboradores, o mais famoso (desmascarado em 2007, após a reconversão democrática da Polónia) foi o arcebispo de Varsóvia, Stanislaw Wielgus, que renunciou ao seu cargo após se descobrir o seu passado como bufo da polícia comunista.
Desde que a Polónia perdeu o seu Papa, com a morte de João Paulo II, e com a denúncia da colaboração profunda do clero católico polaco com o aparelho repressivo comunista, o catolicismo entrou naquele país numa crise profunda. Assim, precisava urgentemente, para recuperar balanço pastoral, de um mártir anticomunista beatificável e santificável com um sinal contrário ao do colaboracionismo com a ditadura marxista-leninista que manchava a reputação da Igreja polaca. Para isso, nada melhor que o Padre Jerzy Popieluszko (Capelão do “Solidaridade”, assassinado em 1984, quando tinha 37 anos, por três agentes da polícia política, a mesma que, entretanto, “controlava” o seu colega e “bófia” Stanislaw Wielgus). E Bento XVI, muito atento a tácticas e estratégias, foi célere nas decisões. O Padre Jerzy Popieluszko já é oficialmente Beato e em breve será Santo. Para que a Igreja Católica, na Polónia, possa, finalmente, lamber a ferida “Stanislaw Wielgus” e dos seus camaradas agentes e bufos ao serviço do “terror vermelho”. Com sucesso garantido, pois 150.000 católicos polacos reuniram-se imediatamente em Varsóvia num acto religioso celebrando a beatificação de Jerzy Popieluszko (foto).
(também publicado aqui)
1. O jornal Ávante!, órgão central do PCP, consegue a proeza na edição de hoje de publicar uma extensa notícia sobre a poderosa manifestação nacional da CGTP do sábado passado, sem incluir a referência a uma linha do texto da intervenção central da iniciativa, realizada pelo secretário-geral dessa central, Carvalho da Silva. Mas critica no seu relato o tratamento noticioso dado por alguns órgãos de comunicação à manifestação, considerando-o redutor. Ou seja, lesto a ver a trave no olho do vizinho, mas incapaz de enxergar o argueiro no próprio olho. Como contributo para o conhecimento dessa excelente intervenção, ver aqui o texto que o Ávante! ignorou.
2. O CPPC (Conselho Português para a Paz e Cooperação), convocou para hoje uma concentração de solidariedade com a causa palestiniana e contra o criminoso ataque israelita aos activistas e barcos que transportavam apoio hunanitária para o flagelado povo de Gaza. Mas, contrariamente a iniciativas anteriores por esta causa em que havia pelo menos a preocupação de diversificar o leque de organizações convocantes para alargar a base de apoio, desta vez são claramente excluídas organizações sociais e forças políticas. O único partido que consta da convocatória (ver aqui a convocatória), é o PCP, enquanto a ATTAC, o CIDAC, o Fórum pela Paz, a Comissão Nacional de Apoio ao Tribunal Russell para a Palestina (que entre os seus membros integra dirigentes da CGTP, como Carvalho da Silva e Ulisses Garrido e uma grande pluralidade na sua composição), etc., foram ignorados.
(De um texto de Henrique de Sousa, que foi membro do Comité Central do PCP e do seu Secretariado, depois auto-afastando-se do PCP, datado de 2/6/2010)
(O acesso ao blogue de Henrique de Sousa foi-me proporcionado através da diligente e eficiente Joana Lopes)
(publicado também aqui)
OS MEUS BLOGS ANTERIORES:
Bota Acima (no blogger.br) (Setembro 2003 / Fevereiro 2004) - já web-apagado pelo servidor.
Bota Acima (Fevereiro 2004 a Novembro 2004)
Água Lisa 1 (Setembro 2004 a Fevereiro 2005)
Água Lisa 2 (Fevereiro 2005 a Junho 2005)
Água Lisa 3 (Junho 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 4 (Outubro 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 5 (Dezembro 2005 a Março 2006)