Não deixa de ter a sua graça corajosa que o deputado que rouba gravadores aos jornalistas seja o mesmo que agora dá a cara na tentativa parlamentar de se roubarem feriados. Já sabemos: quando na Assembleia se quiser roubar alguma coisa, Ricardo Rodrigues está lá, à frente da iniciativa.
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Alargar permanentemente, em traço uniforme, o perímetro do desenho da “direita” e da “política de direita” é caminho seguro para embotar o bico do lápis de forma gratuita ou hedonista em termos de representação conflitual. Sócrates e o governo PS cumpriram e pré-esgotaram a sua missão política. São, neste momento, apenas uma ficção útil para os privilegiados na luta de classes e um adiamento para dar tempo à maturação da “alternativa” de direita pura e consistente, brutal tout court. Actualmente, a imediata e gravíssima responsabilidade política do PS, partido que se arrasta no poder, prolongando cargos para os seus funcionários (os altos, os médios, os baixos e os micros), já não é a das políticas demissionistas e classistas que promove(u) e pratica(ou), pois já o faz agora apenas por inércia e decadência, mas sim o de servir, servilmente, de compasso de espera com ingenuidade estúpida e inútil ao patronato e à direita para aproveitarem a crise para a terraplanagem dos direitos sociais fundamentais. Cavaco, o PSD, o PP e o patronato (este recentemente acordado com a excitação enérgica própria do acordar após uma noite bem dormida), neste momento, andam apenas dedicados à tarefa fácil de churrascarem o PS nas brasas que o rating e a Comissão Barroso sopraram e sopram. E contam, naturalmente, com as preciosas ajudas do fogo à esquerda. De facto, o problema principal, neste momento, não está na direita (esta faz, inteligentemente, o que mais lhe convém) mas sim na esquerda, nesta nossa esquerda com um proverbial gosto pelo canibalismo político, sobretudo manifestado em tempo de vacas magras e quando a direita e o patronato se mostram mais arrogantes. E que demonstra que dificilmente aprenderá a lição de Weimar, os tempos do social-fascismo que levou o paranóico de bigodinho ao poder e que, quanto a Thaelman, o melhor que lhe arranjou foi um lugar de martírio e morte em Buchenwald.
Obviamente que não é fácil, vencendo hábitos, nostalgias, fixações e preconceitos fraticidas, recentrar combates e denúncias, objectivos centrais de luta ainda menos. E a preguiça dos que se habituaram a escorregar pelo plano inclinado da inércia dos lugares comuns doutrinários não ajuda. Sim, mas. Porque está na hora de um novo fôlego estratégico que acelere a inteligência política de esquerda. Temos, pela frente, uma direita brutal em espera mas pronta a destruir o que resta do Estado Social e o mais que ainda sobra de Abril. E, se existe, é essa a questão central, agora. O que exige uma contenção sectária de todos e de cada um. Que, numa primeira fase, implica passar-se da estatística (que inclui o eleitorado do PS na contabilidade da esquerda) ao acto político. E, simultaneamente, apalpar-se com realismo e consistência o físico do monstro de direita que, como um Frankenstein construído no laboratório da crise, há que combater antes que se mexa o suficiente para poder descer sobre a noite da cidade. Porque, a alternativa é, qualquer dia, descermos à rua para defendermos o Código Laboral, que há pouco denunciámos, contra as suas degradações, ou defendermos o PEC 1 contra o PEC 2 e depois o PEC 2 contra o PEC 3.
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Admito que os episódios seguintes tenham um valor meramente simbólico. Mas em política e na ideologia, o valor dos símbolos tem um tamanho do messiânico ao adamastor, dependendo. Estes, os que trato a seguir, eu vi-os, pela televisão, e não consegui logo acreditar. Primeiro, o governo, primeiro-ministro à cabeça, recebeu os sindicatos. Pois quem ladeava Sócrates e declarou depois para a comunicação social como porta-voz governamental? A ministra que foi sindicalista e é agora do trabalho? Não, foi o ministro dos negócios estrangeiros, o mesmo Luís Amado do apoio ao censor egípcio para manda-chuva da Unesco e da defesa do preceito constitucional do limite do défice! Depois, um espanto nunca vem só, um secretário de estado das finanças ou de um qualquer outro dano colateral, num debate também visto na televisão, um sujeito com nome de cantor (Emanuel ou parecido), não conseguiu segurar os óculos de cada vez que tentou ler a cábula de apoio. O ministro dos negócios estrangeiros a negociar com os sindicatos e um secretário das finanças com óculos que fogem do apoio do nariz, representam o quê? Um tradutor de símbolos que me ajude. Por favor.
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1. Este post da Joana Lopes, muito interessante enquanto contributo para o enquadramento das questões nacional e eleitoral na Bélgica, com a vantagem considerável de vir de alguém que conheceu vivendo o “terreno”, como comentário (qualidade adicional, mas qualidade, que foi assumida) a um meu post, é uma lamentável batotice. Eu não generalizei. É que nem uma única vez referi os “flamengos” (pois se até muitos foram os flamengos que votaram no PS Belga!), mas sempre, sempre, ao “chauvinismo flamengo”. E como a batotas não dou corda, a querela, esta querela, para mim, morre aqui. Nem com a melhor música do Brel volto a ela.
2. Evidentemente, como assinalaram outros, e bem, particularmente o Miguel Madeira, Bart De Wever e o N-Va, não são a ala mais extrema do nacionalismo radical flamengo, havendo muito pior. E acresce que o partido mais extremista até perdeu votos e expressão, provavelmente sofrendo de transferência eleitoral para o N-Va. Mas como o partido “flamengo” mais penalizado foi o Partido Democrata Cristão em perda de votos para o N-Va, o que se verificou foi uma concentração “útil” (e repleta de heterodoxias) das alas mais chauvinistas e mais conservadoras, entre o eleitorado flamengo, no N-Va (agora a assumir um papel “frentista”). O que demonstra um nível preocupante de concertação e duplicidade de ímpetos. E, no meu ponto de vista, um extremismo camaleónico é mil vezes mais perigoso que um extremismo fardado e com braçadeira.
3. Ao contrário do Miguel Serras Pereira, julgando que entendi o que este meu amigo costuma defender, não tenho nojo ideológico ou doutrinário perante as manifestações nacionalistas e compreendo-as com toda a tolerância enquanto reacções a agregações impostas e mal resolvidas. O que o tratado de Versailles fez ao impor a Checoslováquia e a Jugoslávia, o que a URSS fez ao impor o fim imperial das nacionalidades, o que Franco fez com as identidades basca e catalã, o que Salazar tentou fazer com o Portugal “do Minho a Timor”, foi adiarem e interiorizarem ressentimentos, acumulando-os e agudizando-os, gerando várias situações de “não retorno”. A fragmentação da URSS e da Jugoslávia, a separação “de veludo” entre checos e eslovacos, os “problemas” corso, basco, catalão e flamengo, enquanto reacções a problemas não resolvidos, integro-os na categoria dos impulsos populares positivos e saudáveis. O que não dispensa a responsabilidade nos actos e nas bandeiras erguidas. O pior, nestes casos, é a contemporização com os independentismos de fachada (e aqui entra o bailinho da Madeira), cedendo-se à chantagem da ameaça da fragmentação nacional com o anexo de, á pala, se extorquirem fundos ao todo nacional. É nesta base que, agora, digo: Olá Flandres!
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Claro que a vitória eleitoral do racismo e chauvinismo flamengo na Bélgica é uma má notícia mas apenas na medida em que representa o fortalecimento político da “Europa negra”. Mas não deve haver famílias nacionais e culturais com partes contrariadas e a quererem sair de casa. Em democracia, não pode haver misturas étnicas e culturais forçadas. Só as ditaduras de recorte imperial, fascista ou comunista, contiveram os ímpetos nacionalistas por via repressiva, com preços de crimes horríveis e sem resolverem os problemas, apenas adiando-os. E os esforços de contenção das tensões centrífugas, normalmente com enormes custos para responder às chantagens de ameaça de rompimento, desviam e corrompem as energias saudáveis dos povos, sempre insuficientes para os bons fins. O chauvinismo flamengo sempre chantageou a ficção da nação belga. Como fazem, noutras partes, os chauvinismos basco, catalão e madeirense. Ameaçam para sacar fundos, convictos que nunca arcarão com os custos independentistas. E o chauvinismo flamengo tem uma história de tradição repugnante. Germanófilo, colaboracionista com o nazismo durante a ocupação, refugia-se na beatice católica quando decide adormecer, depois irrompe belicoso, com maus modos e fanatismo, sempre que acorda. Agora despertou com os pesadelos que lhe proporcionaram a vaga migratória e a islamofobia. Querem zarpar para dentro de um castelo flamengo isolacionista? Boa sorte. Olá Valónia!
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Pedir perdão é um passo justo. Mas tens de ajoelhar perante as vítimas, Bento XVI.
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Tudo isto é uma trapalhada semântica em que sai mal Sócrates (o único que já estava mal antes de o estar pelo relatório, porque até os socialistas mais papalvos e yes-man sabiam que o que Sócrates disse que não sabia só podia sabê-lo), a Comissão de Inquérito da AR mas, particularmente, o deputado-relator João Semedo. Porque este campino parlamentar mostrou o touro mas não identifica o granadero, apontando para o sinal do ferro.
A grande questão, triste questão, da ordem política actual, a saber, é que, pela primeira vez em democracia, temos um governo que não cai porque não pode cair. Tirando os maluquinhos excitados que gostavam de ir viver para Gaza - com as namoradas vestindo burka ou coletes-bombas -, para atirarem mísseis hamas contra Israel para completarem a obra de Himmler (re)vestindo-o de braçadeira com foice e martelo, ou os que gostavam de serem sobrinhos-netos de Kim Il-sung ou médicos de cataratas da irmandade Castro, ou os que sonham utopias com réplicas da Acrópole a arder, anda tudo assustado com a crise e não arrisca um fósforo para pegar fogo à pradaria. Por isso, rabos apertados onde não cabe um feijão-frade, à direita e à esquerda, incluindo o patético Cavaco, a maioria sabe, todos sabem, que Sócrates está a mais, já sendo um problema da democracia e da crise, mas um indispensável e insubstituível (de momento). O PCP apresentou moção de censura depois de certificar-se que não seria aprovada, a CGTP teve a sensatez reformista de adiar sine-die a hipótese aventureira de greve geral, o PSD diz que há que dar tempo ao tempo, o Bloco faz ginástica semântica, Paulo Portas convive com as sondagens, Cavaco arrasta a sua degradação, Alegre ficou afónico e disfarça-se pelo gongorismo retórico e contorcionista do nim e do tim. Está bonita a festa, pá.
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António Barreto não pregou em vão. O sociólogo que se emociona com jacarandás em flor e difunde calúnias toscas (fê-lo, pelo menos, numa crónica miserável sobre Rosa Coutinho) como quem planta manjericos tem, afinal, bons discípulos onde menos se esperaria que saltassem. Inclusive, enterneceu o duro esquerdista Daniel Oliveira. Que, normalmente bélico e belicoso (com as “boas causas”), faz um apelo à uniformização pela amnésia:
“Passados 36 anos, está chegada a hora do País fazer as pazes com a sua memória. E fazer justiça à geração da guerra. Sabendo que a guerra colonial não foi decidida por eles e que eles foram, com os povos das ex-colónias, as suas principais vítimas.”
Não há peça sem actores. E os actores não são todos iguais. Sobretudo quando se trata de uma má peça. Tão má que nem quanto ao título há (haverá) maneira de nos entendermos (uns chamam-lhe “guerra colonial”, outros “guerra do ultramar”, os africanos preferem designá-la como “guerra de libertação”). Digamos que sabemos quem decidiu a guerra e a prolongou até que um golpe de estado lhe pusesse termo, embora estas responsabilidades estejam bem mitigadas e demasiadamente restringidas nos registos históricos e quase apagados da memória colectiva (onde estão os nomes dos generais da “brigada do reumático” que, após o “golpe das Caldas” e após a publicação de “Portugal e o Futuro”, foram apoiar Marcello para que este prolongasse a guerra colonial? onde se registam os promotores e animadores do “Congresso dos Combatentes”, iniciativa de extrema-direita que ajudou a despoletar e politizar o MFA?). Sabemos que, além dos militares profissionais, a grande maioria dos ex-combatentes cumpriu e sofreu a guerra por disciplina, por falta de consciência política e por ausência de alternativa, ou seja, fez o que lhe mandaram fazer, com “carne de obedecer”. Como sabemos que um elevado número de mancebos desertaram e emigraram, recusando-se a participar na guerra. Como houve os que, na guerra, lutaram contra a guerra. Como existiram organizações que enfrentaram com armas o regime e fizeram do aparelho militar colonial os seus principais alvos (casos da ARA e das BR). Mas um número não negligenciável fez a guerra com gosto por matar, matando com gosto (Wiriamu, “nó górdio” e “mar verde” não foram ficções e são meros exemplos da face mais negra da guerra). E houve a PIDE, fundamental na guerra, não se podendo falar dela sem referiu o papel crucial da PIDE, que praticou em África os seus crimes maiores. E se o 25 de Abril foi feito por oficiais de baixa e média patente, isso significa que a esmagadora maioria de oficias com patente de tenente-coronel para cima estava com a “ideologia da guerra”. Mas além das responsabilidades individuais e de grupo, a guerra colonial, em si mesma, foi, primeiro, um crime contra África e os africanos, depois, um sacrifício inútil, doloroso e prolongado que se pediu à juventude portuguesa. Um crime contra África e os africanos que se prolonga nos dias de hoje porque Portugal largou as suas colónias pela força e até que a força lhe faltasse e disso são vítimas os povos que acederam à independência e construíram e constroem os seus países a partir das cinzas da guerra. E essa mancha medonha, essa sombra do nosso passado, não só não é motivo de orgulho como não pertence ao nosso património patriótico. Porque um crime colectivo não é integrável no nosso orgulho enquanto povo.
Não se trata, hoje, de julgar quem quer que seja, além do julgamento da História, a que não se apaga nem se emenda. E é plenamente justo que o Estado português, sem complexos e na continuidade dos seus deveres para quem o serviu, seja justo nas reparações, prestações e auxílios devidos aos antigos combatentes. Outra coisa, bem diferente, contraditória até, é a recuperação revisionista e negacionista do que representou a guerra colonial, com as suas facetas contraditórias e sem um todo unicista. E é esse negacionismo recuperador que está em marcha há um bom par de anos. Aproveitando sobretudo os ressentimentos e lides mal feitas com fantasmas e consciências, uma boas e outra más, até péssimas. Comandada por militares anti-abrilistas, seguida pelas direitas saudosas do império, os exaltadores das glórias castrenses, procura-se integrar a guerra colonial (agora, outra vez, “guerra do ultramar”) no património histórico dos grandes serviços prestados à pátria. Que o adorador de jacarandás queira a integração uniformizante da complexidade multifacetada da guerra não surpreende, embora indigne. Nivelando comportamentos, atitudes, sofrimentos, num pacto de amnésia destinada a "apaziguar" a memória, sob o chapéu diáfano da "pátria comum". Quando a memória o que pede menos é "paz", antes vive e alimenta-se das vivências, dos actos, dos testemunhos, dos juízos cruzados e do contraditório. Sobretudo quando a gesta foi sofrida e sacrificada mas nada abonatória do nosso comportamento de povo em contacto (por domínio) com outros povos. Que a procissão já arraste o Daniel Oliveira, é sinal preocupante sobre a extensão e penetração da operação de nivelamento do processo histórico português. Com frontalidade, e como ex-combatente, lho digo.
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