“Estaline não sentia apenas desconfiança relativamente aos estrangeiros – tinha também ciúmes dos seus camaradas. Queria, em particular, impedir que os seus generais ficassem com os louros do êxito do Exército Vermelho durante a guerra. Desde a Conferência de Teerão, onde se apresentara em uniforme militar, que se esforçara para recuperar a sua imagem de génio militar que triunfara na guerra pela União Soviética. Foi uma representação que culminou dezoito meses depois, em Potsdam, quando Estaline surgiu resplandecente no trajo branco de Generalíssimo da União Soviética. Todavia, ele e os que lhe eram mais próximos conheciam a verdade. Não só a sua clarividência militar não vencera a guerra, como também só depois de ele passar a interferir menos nas decisões tácticas de pormenor dos seus generais é que o Exército Vermelho começara a sua caminhada para a vitória.”
“No desfile da Vitória soviético, realizado na Praça Vermelha a 24 de Junho de 1945, correu a notícia de que Estaline pretendia consolidar essa falsa impressão de brilhantismo militar recebendo pessoalmente, montado a cavalo, a continência das massas de soldados em formatura. Contudo, depois de cair do cavalo enquanto ensaiava para o desfile, fora obrigado a desistir da ideia. Daí que o marechal Zhukov tenha assumido a posição central em lugar dele e tenha cavalgado com confiança diante das tropas reunidas. «O Desfile da Vitória foi um acontecimento brilhante na vida da União Soviética», diz Svetlana Kazakova, que era então oficial de comunicações no quartel-general de Zhukov e conheceu pessoalmente o marechal. «Ainda vejo aquilo na minha imaginação. Estava um dia de Verão e chovia, mas a Praça Vermelha estava decorada com estandartes vermelhos. As pessoas exibiam medalhas e condecorações, e estas brilhavam tanto que a sua luz se reflectia por toda a praça. Quando os ponteiros do relógio se aproximaram das dez horas, toda a gente ficou em sentido e depois ouviram-se os carrilhões, os carrilhões do Kremlin, e nesse momento, Georgy Zhukov, três vezes herói da União Soviética, entrou na praça montado num cavalo branco. Apresentou-se com tanta elegância como quando era um jovem tenente.» Forçado a ficar apenas a olhar para a figura fascinante de Zhukov no seu cavalo a trote para cá e para lá, Estaline, como seria de esperar, sentiu a inveja a correr-lhe nas veias. Mais do que isso, observou Zhukov com um sentimento crescente de inquietação. Estaline, um ávido estudioso de história, estava bem ciente do enorme poder popular que podia gerar um general triunfante – não usara Napoleão as suas vitórias no campo de batalha para usurpar a Revolução Francesa e arrebatar o poder aos políticos?”
“Zhukov teria de pagar o preço da sua popularidade. E o pagamento iniciou-se na sequência da detenção, no começo de 1946, de Alexander Novikov, o comandante da Força Aérea soviética.”
(De “Segunda Guerra Mundial – À porta fechada, Estaline, os nazis e o Ocidente”, Laurence Rees, Edições Dom Quixote)
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Em Espanha, não mais será possível fotografar assim para completar o álbum da família:
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Ou muito me engano ou acabei mesmo agora de ser fotografado pela câmara do meu próprio computador ("Tu quoque, Brutus?"). Logo hoje, que não fiz a barba! Quem me manda a mim escrever crónicas "radicais"?
Hoje quando ia de metro para o médico cheio de análises e exames, tive o diagnóstico antes de me sentar frente ao clínico que me assiste. O metro ia cheio e uma jovem dama levantou-se e mandou-me sentar no seu lugar e ela nem sequer ia sair nas próximas paragens. Foi a minha primeira experiência do género. Depois, o que o médico acrescentou e sentenciou foram meras redundâncias.
De Leonor Barros:
Sendo a blogosfera um local de abertura total de comunicação, um lugar onde todos podem dizer tudo, aquilo que podia ser a priori uma vantagem transforma-se, dependendo do tipo de blogues e do tipo de comentadores, um exercício de reafirmação de diferenças irreconciliáveis e, citando o texto, uma troca de marretadas. Alguns porém não se enquadram de todo neste perfil arruaceiro, são cordatos, educados, inteligentes, por vezes afectuosos, comentam o que sabem e remetem-se ao silêncio quando não sabem.
Por essa blogosfera fora encontram-se, pois, vários tipos de comentadores. Os comentadores profissionais não têm habitualmente blogue mas comentam, muito e tudo sobre uma pletora de temas. Certamente constará do Curriculum Vitae destas criaturas sapientes Comentador credenciado de blogue. Há também os trauliteiros, os que têm acima de tudo uma intenção: entrar a matar, dar bordoada em tudo ou não fossem trauliteiros. Também há os trauliteiros selectivos. Esta estirpe acumula a trauliteirice com a selectividade dos temas. Aparecem em certos assuntos apenas, educação, por exemplo, sexo, aborto ou religião, como se estivessem a vigiar o blogue atentamente para saltar sempre que soa uma das palavrinhas mágicas. Em todos os outros temas mantêm-se no silêncio e nem damos pela sua existência. Os salazarentos são também uma espécie muito comum. Têm tendência para ver a vida a preto e branco e concluir com os seus botões com a mais célebre de todas as frases Quem não é por mim é contra mim. Assim, se não concordarmos com o Sócrates é porque somos a favor de Pedro Passos Coelho, logo, contra. Podem acumular com a trauliteirice com a cobardia pungente de se esconderem atrás do anonimato, de falsos sites, blogues e identidades condicentes com esta sua lamentável ausência de carácter. Estes salazarentos trauliteiros têm um acréscimo de agressividade naturalmente. Por fim, os vampíricos, não escrevem nada de seu e passam a vida a fazer posts com os posts dos outros para dar mais bordoada. São cumulativamente mestres na arte de linkar. Finalmente vêm os pavlovianos. Os pavlovianos caracterizam-se por comentários intempestivos sempre que ouvem alguma palavra da área semântica do seu interesse ou inquietação. São semelhantes aos trauliteiros selectivos mas mais comedidos na agressividade e peroram mesmo depois das discussões terem acabado.
Estas sete estirpes, os profissionais, os trauliteiros, os trauliteiros selectivos, os salazarentos, os salazarentos trauliteiros, os vampíricos e os pavlovianos são espécimes muito comuns na blogosfera. Para eles tudo serve para uma troca de marretadas.
Mesmo o que parece fixo se move. Admirou-me, aprendi e gostei ao ver aqueles militantes de antes quebrar que torcer a chamarem-lhe camarada no adeus a Saramago. O mesmo camarada que, pouco antes de 89, proclamou publicamente, numa Feira do Livro de Frankfurt, a necessidade da ditadura checoslovaca de então libertar Vaclav Havel da prisão; que foi empurrado para fora da presidência da Assembleia Municipal de Lisboa quando dissidiu; que disse a Fidel, perante a sua orgia senil de repressão, que deixava de ser seu companheiro de jornadas; que repudiou a fraternidade com as FARC; que apoiou Zapatero e António Costa nas suas apostas eleitorais; que foi solidário com Garzón. Ali, um camarada Nobel não sofre a erosão do carinho militante, enquanto fôr património. Saramago foi uma espécie de camarada Galileu. Portanto: “contudo, move-se”.
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Tendo lidado e muito com jornais, por dentro e por fora, não sou nem nunca fui jornalista (pena minha). Gosto de jornalistas mas tento topá-los porque sei que têm um poder muito poderoso que, vezes demais, é mal utilizado segundo a bitola altíssima que associa a classe à dos padres e à dos juízes. Percebo, pois, que têm objectivos a atingir e, aí, o impacto vale muito, tanto que é recorrente ser obsessão. E o pior que lhes pode acontecer é um período arrastado em que as notícias, por mais que se esprema, simplesmente não existem.
Para o jornalismo e os jornalistas, Saramago foi perfeito no timing do seu passamento ao “escolher” a sua (má) data em intervalo prolongado da prestação dos “navegadores” no Mundial, numa altura de tédio e impaciência na espera do próximo jogo contra a alegria de Kim Jong-Il, o decisivo. E a depressão gerada por esta triste selecção, com a ideia adquirida de que “com estes gajos não vamos longe”, até criou um ambiente propício ao de luto vaidoso e grandiloquente com as cerimónias fúnebres que raiou a obscenidade papalva. Depois, o nosso escritor que foi o mais polémico enquanto escritor e cidadão, já deitado e sem vida, ainda deu pano para mangas à polémica e às paixões. Incluindo, pasme-se, com apostas, conjunturas e mudanças de propósitos quanto à eventual repartição e destino das suas cinzas. Saramago, que foi um experimentado jornalista, sabia tanto da poda que não quis, mesmo deixando de respirar, de dar matéria farta para os seus colegas mais jovens e a procurarem sobreviver na selva do trabalho precário. Oxalá o Sindicato dos Jornalistas, esquecendo a cansada e velha questão do DN, lho reconheçam de forma apropriada.
Entretanto, Sócrates, esse tão mal amado pelos jornalistas, vá-se lá saber porquê, não quis estragar o banquete jornalístico deixado como herança funerária por Saramago. Pois se amanhã temos os apaniguados de Kim Jong-Il pela frente, volta a vez de Cristiano Ronaldo e o sortilégio da tômbola que nos ditará esperança ou desespero. E Saramago volta aos seus livros, de onde, se calhar, nunca devia ter saído. Sócrates foi sábio e amigo dos jornalistas, permitindo-lhes engrenar as agendas e as notícias. O luto nacional foi, assim, bem estudado, nem menos nem mais que os dois dias deste fim-de-semana. Porque amanhã há futebol, tempo de arrumar os livros e esquecer os escritores e a literatura. Tinha algum jeito Portugal enfrentar os coreanos do norte, esses budistas marxistas-leninistas, carregados com o luto deprimido pela perda de Saramago? Sabendo-se, como se sabe que os livros não marcam penalties e fintas só as sabem fazer com os sonhos, os nossos sonhos. E esses não foram à África do Sul. Ou se foram, voltaram cedo com e como a clavícula do Nani.
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Como eu entendo o Pedro Correia. Não foram poucas as “viagens cá dentro” que programei e concretizei inspirado nesse “manual”. A última das que a memória me regista foi uma longa mas gratificante corrida por terras do Nordeste porque Saramago sentenciava, entre o mais, que ninguém tinha direito a morrer sem antes comer uma posta em Sendim no restaurante da “Tia Gabriela”. Fui, comi e chorei por mais, ficando com uma vontade imensa de ser imortal para não me cansar de repetir. Obviamente que a posta foi um episódio de pretexto. O “Viagem a Portugal” é o melhor que conheço em termos de (re)descoberta das nossas terras e gentes, ainda hoje e apesar das mudanças. Então, a descoberta de Sendim e de todo o Nordeste (só Miranda do Douro vale uma viagem-canseira) foi a forma de apagar, então, a minha vergonha acumulada de, sendo eu um transmontano-duriense “cá de baixo”, a única parte do país que não conhecia era essa zona distante e esquecida. E Saramago foi o alerta-guia que me pôs a caminho. Com todo o proveito.
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Este apelo/exigência de Louçã é uma insanidade e uma tentativa de afronta misericordiosa. Julgo que ninguém que respeite Saramago deseja Cavaco, ou um seu "representante", presente no seu funeral, no mínimo por respeito às identidades na dialéctica, viva na vida e ainda mais imperativa perante a morte. E quem respeita Cavaco deve admitir-lhe o direito à coerência do mundo cultural e político que quis ser inquisidor de obras literárias, apesar da democracia. Acompanhar um morto só deve merecê-la quem o respeitou quando vivo. Cavaco nunca foi capaz, ou simplesmente não o quis, retratar-se perante Saramago, o povo português e a cultura portuguesa da afronta vil e mesquinha que cometeu, cobrindo os actos de “santo ofício” de Santana Lopes e Sousa Lara, perante um escritor que, na altura, ainda não tinha ganho o Nobel (tivesse-o já ganho e seria, provavelmente, “chapa em caixa”). E as distâncias cavaram-se, sobretudo depois: Saramago tornou-se património da cultura do mundo; Cavaco nunca saiu intelectualmente de Boliqueime e só acrescentou as dicas domésticas da sua Maria. Ora, o diferente deve valer na vida e na morte.
O evangelismo de Louçã é a sua grande pecha demagógica. Confirma-se. Sobretudo ao querer ofender a dignidade de um morto com a afrontosa exigência da incoerência de um vivo.
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O impossível é possível: Portugal está ainda mais desigual. Agora por causa da lei da vida que emergiu em salto de convergência exibicionista mas redundante entre os labores porfiados e aliados da exploração e da mediocridade. Saramago deixou-nos, o terceto Cavaco-Santana-Sousa Lara continua por aí.
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Os horizontes cobrem-se de nuvens negras. Aproxima-se rapidamente uma gigantesca batalha da guerra de classes. Os problemas de fundo foram-se agravando com a mítica «União Europeia», com a instalação da moeda única e com o império das bolsas, das sociedades secretas e semi-secretas e com as sucessivas violações das liberdades, direitos e garantias democráticas. Chamam-lhes desemprego, infame distribuição da riqueza, quebra da moeda, anárquica especulação financeira, deriva dos poderes centrais no sentido de uma direita cada vez mais autocrática… Chamem-lhes o que quiserem. Eles impõem-se e já ninguém se atreve a negá-lo.
O embate está prestes e as baionetas contadas.
(“Avante”, 17/06/2010)
Algumas centenas de pessoas juntaram-se, esta quinta-feira, ao desfile de protesto promovido pelo PCP, em Lisboa, para contestar as medidas de austeridade anunciadas pelo Governo.
(TSF, 17/06/2010)
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