Merece o repúdio mais veemente o ataque, em águas internacionais, dos seis barcos que procuravam romper o bloqueio a Gaza. A desproporção dos meios (um ataque de unidades de elite de Israel contra cidadãos indefesos) e as vítimas causadas é, além do mais, um acto que envergonha os defensores do direito à soberania do Estado de Israel. Mesmo que o "combóio náutico" comportasse, além do humanitarismo, doses de provocação e desafio, utilizando "escudos humanos" que se consideravam eficazes. A indignação internacional causada por este acto injustificável e miserável, mostra para onde aponta a escalada dos “falcões israelitas”: o isolamento de Israel e o crescimento em apoios propagandísticos dos amigos dos fanáticos islâmicos do Hamas, mais prosaicamente do fascismo terrorista islâmico, espalhados por todos os sítios onde o antisemitismo medrou, bebendo nas paranóias da Inquisição, dos "progroms", de Hitler ou de Estaline. Portanto, o que aconteceu foi um crime de Israel contra Israel, a Palestina e contra a comunidade internacional. Ou seja, uma estupidez manchada de sangue. Assim? Não!
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Aquilo que um transmontano-duriense como eu mais pode desconfiar é, sob a bandeira do Norte, assistir a sinais do centralismo portuense a tentar erguer-se. Como diz o cantor: “para melhor, está bem, está bem / para pior, já basta assim”. Não lhes bastou terem conseguido impor que o vinho do Douro se chamasse vinho do Porto?
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Isto até parece um blogue de bola. O “Publico” transcreve hoje este post na íntegra. No meu primeiro elogio ao plantel do FêCêPê e pimba, tudo escarrapachado num jornal de referência. E logo num post em que um comentador entendido me credenciou como ignorante total sobre a arte do futebol. Assim vejo a minha reputação maltratada e nas ruas da amargura.
No seu último livro, uma prosa intimista a que também ele tem direito (e nós, leitores, sobretudo), que é, diga-se, prosa de primeira fila (e não vale a pena andar sempre a repetir-me, dizendo que o prefiro mil vezes como poeta na prosa que enquanto poeta de poesia), Manuel Alegre fixa e repete a sua grande memória de infância, a de quando miúdo se entretinha a pregar pregos numa tábua. Eu não fiz isso, naturalmente por falta de tábua e de pregos e não me permitirem brincadeiras de tamanho risco. Mas lembro-me que, para vencer o tédio infantil, brincava com as molas de estender a roupa. Fazia com elas infindáveis e renovadas construções, erguendo figuras que se desmoronavam a partir de uma certa complexidade mas que logo se recompunham em novas e imprevistas formas e recriava batalhas e jogos de futebol, que me davam o gozo de ganhar sempre, antecipando os legos que ainda era cedo no tempo para me calharem à mão, tanto mais que a fábrica dinamarquesa de sucesso ainda não abrira as portas. Mas obviamente que entendo, apesar da globalização dos modelos, que cada criança reproduz à sua maneira as suas vitórias contra o medo e pela aventura de vencer por via da representação e da teimosia, a arma de coragem dos fracos que querem libertar-se. Este livro de Alegre, entrando no cruzamento de afectos, ele a virar-se para si e os leitores a virarem-se para eles no mais fundo de si mesmos, numa espécie de mimetismo paralelo e unipessoal, deixou-me essa marca simbólica inapagável do miúdo Manuel a pregar pregos numa tábua, numa aparente inutilidade mas com a força dos símbolos que, se impregnados, fazem a força de uma pessoa que quer crescer e ser.
Depois de lhe ler este livro, o seu livro mais intimista, vejo e oiço Alegre sempre como o cidadão a pregar pregos numa tábua. Até na exposição mais pública e no projecto mais vasto e mais colectivo. Como ontem o vi e ouvi ao vivo num acto de homem solidário a apresentar o livro de Carlos Brito acerca de Cunhal, não para bajular o autor e seu amigo mas para, inclusive, apresentar as suas discordâncias relativamente a partes da obra, sujeitando-se depois a ouvir galhardamente o competente contraditório. Mas sobretudo nessa ambição, que se quer dele e colectiva, de libertar Belém dessa figura triste, caricata, professoralmente provinciana e estruturalmente reaccionária que hoje habita o palácio e apequena o país e o seu povo. E se o acompanho, porque vou acompanhá-lo, na caminhada de Alegre à presidência, sei que não prego os pregos de Alegre na tábua de Alegre. Ele não me pede isso nem eu lhe pediria outro tanto. Com as minhas “molas de estender roupa”, outros muitos mais com as suas fábulas e símbolos que habitam os sonhos da solidariedade, capazes de fazermos uma távola redonda de ambição de mudança perante o torniquete do sufoco, havemos de chegar ao fim da canção, a que não tem praça com ursos amestrados a dançarem o baile mandado, por chefes ou por exigências de prévias identificações ideológicas micro, mínimas, médias ou máximas. Simplesmente porque um alfinete não serve como prego.
A clonagem na sucessão dos medíocres ambiciosos não pára. Antes, de Santana Lopes para Sócrates, agora, de Sócrates para Passos Coelho. Politicamente falando, de anão em anão, corremos o risco de, numa manhã de nevoeiro, e a efeméride de hoje não ajuda nada a bons presságios, acordarmos com um Gauleiter - entre os gritos de aclamação do povo cansado e desesperado - vestido de Branca de Neve. Tirando os vitalinos, esses metidos no baú da decadência próprio para guardar os que apodrecem de pé, o PS é mesmo um partido de surdos?
O livro de Carlos Brito sobre Álvaro Cunhal, pelas razões habituais nestes casos, estava destinado a muitos interditos, externos ou íntimos. O anúncio pelo editor (um editor individual, não uma grande empresa editora) de que, ao fim da primeira semana de venda, já avançou a impressão da segunda edição, demonstra que nem todos os índex funcionam. Podem haver muitos a lê-lo no recato e à socapa (só pode), numa clandestinidade mansa e doméstica de desafio íntimo ao centralismo do santo ofício e ao longo braço do império do silêncio, mas lê-se. Portanto, uma boa notícia. Que pode não a ser para o sacrossanto, actual e monolítico Comité Central mas que é, sem dúvida, importante para a memória histórica e política sobre Álvaro Cunhal: Com menos mito nem deificação feita por vivos petrificados no poder do contra-poder, viva Cunhal!
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O último livro de José Pedro Castanheira (JPC) de investigação jornalística (*), sobre a trajectória atribulada, misteriosa e pouco conhecida do médico Ayres de Azevedo (1911-1978), desbrava o caminho pouco percorrido pela investigação histórica acerca dos nexos com o nazismo em Portugal. As próprias dificuldades que JPC encontrou na sua pesquisa (dificuldade de encontrar fontes e documentação, muita dela misteriosamente desaparecida ou feita desaparecer, inibições de testemunhos) são reveladoras de como a ditadura, perante a derrota do nazi-fascismo e a viragem para a aliança com a Inglaterra e os Estados Unidos, com Salazar a encostar-se aos vencedores (os "ocidentais"), se encarregou de apagar os vestígios dos sinais da fracção germanófila pró-hitleriana. O que tem o efeito secundário de facilitar a vida aos que tentam impor a tese de que a ditadura de Salazar e Caetano não foi um fascismo, tese esta tão cara a muitos historiadores portugueses (incluindo decididos antifascistas).
Pouco se tem investigado e publicado sobre a participação dos “legionários viriatos” na guerra civil de Espanha e dos que, embora muito poucos, sobretudo integrados na “divisão azul” dos franquistas, participaram na ofensiva hitleriana na frente leste. Menos ainda tem sido levantado sobre a real e profunda influência que a germanofilia pró-hitleriana teve nas cúpulas do poder e da academia, enfim das elites, entre a ascensão de Hitler ao poder e a reviravolta de Estalinegrado que ocasiona a reviravolta de Salazar para o lado anglo-americano. E que não foram mais que a expressão política e ideológica das afinidades entre as ditaduras de extrema-direita (com fascismos locais mitigados pelas suas particularidades) europeias nos anos 30 e 40 do século XX e que contavam com o beneplácito, mais ou menos orgânico e ideológico, da Igreja Católica. Assim, o tratamento por JPC sobre o “caso Ayres de Azevedo” tem a relevância da novidade e do pisar caminho evitado ou subestimado. Feito com preocupações de rigor e encanto jornalístico.
Essencialmente, o “drama de Ayres de Azevedo” é, em si, a destruição de uma carreira de um cientista talentoso apanhado numa reviravolta política e diplomática (a mudança de campo do salazarismo após Estalinegrado). Bom aluno, bom médico e professor e cientista promissor, fascista convicto (foi mais nacional-sindicalista que salazarista, como notou a PIDE na sua ficha), apaixonado pelas teses raciais do nazismo e ansioso por as transpor para a realidade portuguesa, Ayres de Azevedo obtém do Instituto de Alta Cultura (dominado por germanófilos) e com apoio da Faculdade de Medicina do Porto (onde, igualmente, a germanofilia era forte) uma bolsa de estudo para desenvolver investigações junto dos próceres da ciência racista nazista (não é claro, mas surge como provável que terá tido o apoio e a colaboração de Mengele, o “anjo da morte” de Auschwitz) e nos institutos científicos de ponta da Alemanha hitleriana. Ali faz os seus estudos e investigações, sempre com boas referências dos cientistas nazis que conduziam as experiências médicas sobre os prisioneiros a serem exterminados nos campos de concentração e de extermínio, integrados no Holocausto, até que o avizinhar da derrota nazi impõe o seu regresso forçado a Portugal. Munido dos seus estudos e resultados de investigações, Ayres de Azevedo tenta a apresentação da sua tese de doutoramento na Faculdade de Medicina do Porto. Só que os ventos tinham mudado e o realinhamento do salazarismo com os anglo-americanos impulsiona a que os germanófilos tentem fazer esquecer as suas velhas e profundas simpatias e, de protegido, o cientista português treinado no racismo nazi passa a ser uma figura incómoda. É perseguido pela Ordem dos Médicos (sob um pretexto de não pagamento de quotas no período em que tinha interrompido a sua actividade clínica, com aviso de uma sanção publicitada num jornal diário), a sua tese de doutoramento é sabotada, interrompendo-lhe assim a sua carreira docente, enquanto desaparecem de vários arquivos os documentos em que a sua figura é referida. Ostracizado, Ayres de Azevedo abandona a vida científica e clínica e dedica-se à actividade de empresário industrial. Mantém-se um extremista de direita até ao fim (combate o marcelismo por entender que este é demasiado complacente com as “reivindicações operárias”, tenta enfrentar os trabalhadores da sua fábrica de malhas após o 25 de Abril até esta ser ocupada pelos operários e depois encerrar). A decisão do salazarismo em tornar Ayres de Azevedo uma “não pessoa” foi efeito directo da necessidade de Salazar, para que a ditadura pudesse sobreviver ao após-guerra, apagar os traços da anterior ligação umbilical do salazarismo ao nazi-fascismo. Neste sentido, foi uma vítima (nada simpática, odiosa até, mas vítima) das viragens tácticas e propagandísticas do fascismo português reconvertido à integração no “ocidente” no terreno da “guerra fria”. Portanto, um caso exemplar e indigno do silêncio dado às “não pessoas” e a que foi condenado. Graças ao excelente trabalho de JPC, finalmente foi liberto da lei da amnésia.
(*) - “Um cientista português no coração da Alemanha nazi”, José Pedro Castanheira, Edições Tenacitas.
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Sócrates, cada vez mais confinado a um reduto de fiéis, precisa hoje mais de Alegre do que este precisa de Sócrates. Confrontado com as declarações hostis de alguns elementos de terceira linha do PS, que não ganhariam sequer uma eleição para a junta da freguesia onde residem, o autor de Praça da Canção deveria revelar-se agora como se mostrou em 2006: acima dos partidos, com a frontalidade de sempre, falando directamente aos eleitores sem necessidade de qualquer intermediário oriundo das sedes dos partidos.
(...) penso que o PS está "condenado" a apoiar a candidatura de Manuel Alegre, apesar das fortes razões de queixa e das muitas divergências que tem em relação a ele.
Eis as razões para esse inevitável apoio, mesmo reticente. Primeiro, não podendo o PS deixar de "ter" um candidato presidencial e tendo Alegre tomado a dianteira desta vez, agora seria o PS a causar a divisão do partido se apresentasse outro. Segundo, na verdade não se vislumbra no PS nenhum outro candidato disponível capaz de ser melhor alternativa a Alegre. Terceiro, sendo praticamente certa a reeleição de Cavaco Silva, por mais apoios que Alegre possa congregar, este será o candidato que melhor defende o PS desse insucesso eleitoral, justamente por não ser seu candidato a 100%, até por ser "compartilhado" com o BE.
O Tomás Vasques, com a galhardia que lhe é habitual, acusou o toque e replicou. Em boa hora o fez. Distorce um bom bocado as minhas posições (bem gostaria de integrar um colectivo revolucionariamente combativo, ferreamente disciplinado e muito unido no pensamento e na acção que integrasse a Joana Lopes mas até isso acontecer, eu falo por mim e ela dirá, se disser, de sua justiça na parte que lhe toca) mas não se lhe pode pedir tudo. Engana-se também (eu não sou “eleitor do BE”, mudo frequentemente de voto entre os vários partidos de esquerda, em que incluo o PS) mas isso faz parte do risco na aplicação da ciência dos palpites. Desacerta totalmente na análise política quando afirma que “Manuel Alegre é o candidato que, objectivamente, serve a estratégia dos que sonham avançar sobre os escombros do PS”, um afirmação simplesmente absurda (então o Conselho Nacional do PS é um conclave de ursos?) e só assenta na transformação de uma aversão em realidade. Manipula sem jeito ao “historiar” os “candidatos de esquerda” à PR. No resto, Tomás Vasques escreve bem, claro e útil. É, pois de ler, como se ouvíssemos Mário Soares a abrir publicamente a sua alma política neste momento e nestas circunstâncias. Mas importante mesmo neste post de contraditório é que o companheiro Vasques faz o Urso mudar de natureza, passa do papel áspero para o peluche fofo. Antes assim.
Álvaro Cunhal, em 1969, discursando em Moscovo, perante a Conferência Internacional dos Partidos Comunistas, para justificar a invasão e ocupação da Checoslováquia pelas forças militares do Pacto de Varsóvia ocorridas em 1968:
“Nenhum partido poderá jamais dizer que fez a revolução apenas com as suas próprias forças internas de um país em que triunfe a revolução proletária pois não poderão por si sós assegurar, frente ao imperialismo, a consolidação da vitória alcançada e o desenvolvimento e a defesa da sociedade socialista.”(…)”Se pela agressão do imperialismo, ou pela acção das forças contra-revolucionárias, o poder dos trabalhadores se vê ameaçado num país socialista, o dever sagrado dos restantes países socialistas e de todo o movimento operário internacional é acudir em sua defesa.”
Jerónimo de Sousa, em 2010, num comício (Voz do Operário, 20/5):
“Hoje, a questão da soberania e da independência nacional está de novo colocada. Não temos ilusões, PS e PSD desistiram de Portugal. Nós, tal como ao longo da nossa história, desde a revolução de 1383, com as invasões de Castela, perante o ultimato inglês, quando do Rei fugiu para o Brasil e deixou o povo no cais, foi o povo que, mais tarde ou mais cedo, recuperou essa soberania, essa independência nacional.”
Confirma-se a contratação de Mourinho pelo Real Madrid. Portanto, temos uma boa notícia para os portugueses: o melhor treinador do mundo (um setubalense de gema) faz companhia ao melhor jogador do mundo (um madeirense castiço) no mais poderoso clube do mundo. Como não há bela sem senão, uma boa traz sempre uma má notícia. Que, no caso, será a razia no plantel do último vencedor da Taça de Portugal numa disputa renhida com o Chaves. É que Mourinho terá exigido, como condição para assinar o seu contrato, que Florentino Perez faça um esforço financeiro galáctico e contrate por atacado Guarín, Tomás Costa, Belluschi, Valeri, Mariano González, Farias e Addy.
Em véspera do dia de apresentação pública do livro de Carlos Brito sobre ele e Cunhal (ver aqui), além de dizer que tentarei lá estar para cumprimentar o autor pelo seu corajoso e limpo testemunho, gostaria de assinalar que também me acompanhará a emoção da surpresa perante este livro necessário assinado por quem, durante muitos anos, foi alto dirigente de um partido em que militei e por quem, pela distância entre um militante de base e um dos do “politburo”, no quadro do centralismo democrático, mais a diversidade das frentes de tarefas muito diferentes que não proporcionavam encontros, não guardo marcas especiais de saudade por admiração ou simpatia. Para o que terá contribuído o facto de nunca ter considerado Carlos Brito um bom comunicador oral, antes pelo contrário.
Só estive com Carlos Brito uma vez e num episódio que, curiosamente, me levou a também estar com Cunhal. Estava em marcha a campanha para as primeiras eleições depois do 25 de Abril de 1974 e a novidade do direito à escolha não só nos apaixonava como levava ao delírio idílico que projectava linearmente as temperaturas do PREC para a certeza antecipada de que os votos nas urnas seriam expressão em linha recta das massificações dos plenários e das manifestações. E o rescaldo prafrentex do 11 de Março ajudava mais à exaltação que à análise fria das realidades. A minha empresa que tinha sido nacionalizada e fundida com mais três, constituía não só um dos maiores conglomerados industriais como se inseria num sector estratégico e era um dos corações da economia portuguesa. Escolhido pelos trabalhadores (por voto secreto), integrei a comissão que o governo provisório de então criou para construir a nova empresa pública (que, depois de parcialmente privatizada, ainda hoje é uma das maiores empresas portuguesas). Foi uma “tarefa revolucionária” que desempenhei entre outras mais. Quando veio a primeira campanha eleitoral, a vontade revolucionária dominante era traduzir o nosso envolvimento voluntarista no PREC em votos comunistas, os melhores, os mais úteis, os mais convenientes, os mais revolucionários. Na refinaria enfiada na zona oriental de Lisboa, de que hoje só resta a relíquia de uma torre refinadora a servir de enfeite ao bairro da Expo, fervia a disputa política naquela concentração de muitas centenas de operários e outros assalariados. O meio não era politicamente fácil, apesar das marcas sociais. A empresa tinha marcas salazaristas fortes, durante o fascismo fora guardada por legionários (com guaritas destes em vigilância permanente), o recrutamento era feito muito selectivamente e orientado para transformar em operários camponeses de baixa escolaridade e recomendados pelas “autoridades locais”. O nível de qualificação profissional era baixo, o nível cultural ainda menor, a consciência política pouco ia além do salamaleque ao chefe e ao engenheiro. Naturalmente que a revolução abalou a concentração operária de forma muito desigual, havendo ali sementes para muitas e diferentes colheitas. Era a pressão revolucionário, sobretudo depois do 11 de Março, que permitia integrar a empresa na “onda” do PREC. Quando vem a campanha eleitoral de 1975, todos os partidos ali apostaram forte na influência do voto. Por decisão da comissão de trabalhadores local, na grande cantina da refinaria, permitiram-se “sessões de esclarecimento” a todos os partidos. E a maioria não se fez de modas: o PS mandou Mário Soares, o PSD destacou Sá Carneiro. Quando calhou a vez ao PCP, numa sessão em que me coube integrar a “mesa”, calhou-nos Carlos Brito como orador enviado pelo “politburo”. Perante mais de um milhar de trabalhadores, atentos mas distantes, por desfasamento com aquele público e por características do seu fraco poder oratório adequado à ocasião, Carlos Brito não conseguiu subir a temperatura e provavelmente deu ali um contributo para o que depois seria a decepção perante os resultados eleitorais. Racional, introvertido, distante, fraco orador, sem encontrar as imagens ilustrativas da mensagem adequada ao auditório, Carlos Brito decepcionou. Nessa mesma noite, após a sessão, carpimos colectivamente aquela desfeita na concorrência com os “partidos burgueses” que tinham mandado, com sucesso, as suas figuras de proa maior para “cavarem no nosso terreno” (e em muito poucas outras concentrações operárias, Soares e Carneiro tinham tido sucesso idêntico). O secretariado da célula entrou em “rebelião”, impôs a presença imediata da funcionária controleira da zona, exigindo uma também imediata audiência com Cunhal (era a época do já). Depois de amainar o pânico, a funcionária fez os seus contactos, foi-nos transmitindo as dificuldades de acesso ao deus dos deuses, no que teria de percorrer um extenso caminho hierárquico, até que perante a nossa determinação de “não arredarmos pé” até que o secretário geral nos recebesse, arranjou-se uma audiência com Cunhal para o dia seguinte. Perante ele, lavrámos o nosso desconsolo e exigimos a desforra reparadora: nova sessão do PCP com Cunhal em pessoa a dirigi-la. Ele, sedutor e seduzido, concordou e forneceu as suas datas disponíveis. Quando fomos marcar a nova sessão, a que nos ia redimir do fracasso oratório de Carlos Brito, cruzou-se a informação de que a direcção da refinaria, por instruções da administração, invocando medidas de segurança industrial, tinha decidido que não mais sessões de esclarecimento partidário ocorressem dentro das instalações industriais. E, dessa vez, talvez das muito poucas em que tal ocorreu, Cunhal não "derrotou" Carlos Brito.
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