Pinto da Costa deixou de ser original para ser intelectual. Agora, nas entrevistas, cita o que antes escreveram Miguel Sousa Tavares e Francisco José Viegas, os mais activos e prolixos pensadores portistas.
César das Neves, o economista beato, mudou muito nas suas crónicas (no DN). Entre as pregações neo-liberais, ele pontuava, como paradigma da máxima degradação social e política, as mudanças nos costumes. Com a crise a fazer ruir as receitas das suas crenças economicistas e financeiras, as grandes causas do desastre financeiro que assolou o mundo, César das Neves desviou-se para centrar as responsabilidades do sismo no sistema capitalista nos seus efeitos sociais para uma hipotética orgia de celerados sexuais que faziam amor sem ser para procriar, admitiam a interrupção voluntária da gravidez e, meu deus, o casamento entre gays. O escândalo da pedofilia dos curas católicos emudeceu a pregação do beato César das Neves. Leiam-no agora e vejam se encontram lá sinais das suas recentes grandes causas. É o encontras. Voltou sim a secura e tecnocrática encomenda das velhas receitas neo-liberais, o mesmo optimismo do capitalismo triunfante no caminho contínuo e perpétuo da perfeição. Mas, quanto a sexo e costumes, ao César das Neves secaram-se-lhe como fontes de inspiração. Não partilha publicamente a vergonha de pertencer a uma Igreja cheia de misérias e crimes, não mostra remorso pelos efeitos perversos do integralismo da moral sexual que recentemente defendia e a todos nos queria impor, não exige a responsabilização para os criminosos e os encobridores vestindo sotainas, não chora pelas vítimas dos abusos, não pede ao Papa que adie a sua visita a Portugal quanto mais reivindicar a sua resignação como acto coerente com o tanto que encobriu. Toda a hipocrisia beata que o carrega disso o inibe, mas deixou de pregar o irredentismo da virtude de sacristia. Como vitória pelas amostras de verdade que se vão revelando, os beatos já estão na defensiva. É pouco, mas é.
O artigo, que considero muito honesto, do padre e professor Anselmo Borges no DN, sobre a pedofilia na Igreja, teve um impacto que a Joana Lopes estranhou por o achar desproporcionado. Entre espantos e apelos à moderação no entusiasmo, Miguel Serras Pereira (MSP) editou um excelente texto que reencaminha a discussão para as veredas da relação do papado com as práticas de poder. É uma reflexão rica de conteúdo e a merecer discussão à altura dos seus méritos. Outros, com os devidos talentos, o farão, estou certo. Pela parte que me toca, se me convence o articulado da denúncia de MSP sobre os objectivos da hegemonia papal (que é anterior ao actual Papa) sobre as sociedades, os seus costumes e as suas leis, não evito a prevenção sobre a aplicação, pelo autor, da regra da recomendação da concentração na “questão central”, velho arquétipo que é típico da esquerda mais politizada. O escândalo da pedofilia e outros abusos na Igreja Católica, mais a prática contumaz da hierarquia clerical em os encobrir, cuja porta apenas se entreabriu, se não são o cerne da questão do poder do Vaticano e a ambição desmedida deste em o ampliar, a tal “questão central”, muito explicam quanto à amplitude e à impunidade das práticas criminosas (sexuais, agressões físicas e psicológicas sob a forma de castigos corporais "educativos") cometidas por muitos membros do clero católico. Mas as práticas pedófilas dos clérigos (que, convém não esquecer, não são “questões internas” da “família católica”, mas sim crimes, e hediondos, cometidos contra “a sociedade”) se são abusos proporcionados e encobertos pelo poder católico, resultam de uma sexualidade perversa e multiplicadora de taras. Para o que ajudam, e muito, o culto mariano, a obrigação do celibato para os sacerdotes, a interdição do acesso das mulheres ao sacerdócio. Já aqui o referi e ainda não me convenceram do contrário.
Se o li bem, MSP como que lamenta que a intensidade da denúncia dos crimes de pedofilia na Igreja Católica esteja a desviar as denúncias do cerne (da “questão central”) da interferência do poder papal sobre o desenvolvimento das sociedades democráticas. Não vejo como seja assim. A pedofilia recorrente e encoberta na Igreja, estando para saber se ela é regra ou excepção (quando se expuser a vida interna nos seminários, saberemos mais sobre o assunto), a face mais negra da miséria sexual catolicista, talvez seja mais causa que efeito de exercício e ambição de expansão do poder clerical, nomeadamente na sua tendência a pautar a moral e a sexualidade de todas as sociedades onde têm influência pública, ideológica e política. Um bando de castrados, tarados e pedófilos, com inclusão das excepções de alguns santos e santas que lhes sobrem, tende, naturalmente, a impedir a realização e a libertação da sexualidade onde e em quem influenciem. Para que as suas anormalidades (e os seus crimes de abuso) sejam mais “normais”. Onde está, afinal, a “questão central”? Ou serão, como eu entendo, várias e entrosadas e todas a considerar no mesmo nível de importância?
Ao tomar conhecimento das demarcações, tímidas e contraditórias para serem possíveis, de Pablo Milanés e de Sílvio Rodriguez - dois ícones da música cubana -, da brutal repressão da ditadura castrista dos tempos actuais, despertos com as últimas greves da fome e repressão aos desfiles das “senhoras de branco”, fica-me uma sensação de espanto pela demora em algumas voltas aos estômagos. Como se José Afonso e Adriano Correia de Oliveira tivessem, cá, esperado pela enésima vaga de prisões, torturas e assassinatos pela PIDE para cantarem a liberdade e os direitos do povo.
Vi, com a ternura contagiada de um avô de três netos sujeito a ameaças de novos aumentos da tribo, este post da Joana Lopes. E digo que vi porque o post é mais para ver que para ler. O valor simbólico deste post, como salientou uma comentadora, cresce com o actual contexto em que os abusos revelados sobre crianças, uma mera amostra da dimensão gigantesca da monstruosidade nos bastidores da fé católica, nos ferem a alma social, cordial e afectiva. Ao sabermos quantos monstros cobardes e camuflados se espalham por aí, até na impunidade obtida pela capa da oração, da santidade e da pregação moral e sexual, lançando línguas de diabolização sobre o sexo não institucional e fora do circuito da procriação, a interrupção voluntária da gravidez e a variante homossexual, ao espanto gerado não pode deixar de se seguir uma vontade enérgica e higiénica de varrer para prisões e manicómios esses monstros camuflados com sotaina e cabeção. Hoje, quando sento, ao meu colo, o meu neto mais novo, que ainda não anda e ainda lhe falta fôlego e autonomia para soprar a primeira vela de aniversário a que aspira ter direito mas por isso ainda tem de esperar, não consigo evitar um frémito de revolta de imaginar como é possível um tarado sexual ser tão cobarde e imune à ternura que se realize miseravelmente no abuso hediondo de uma criança. Sei que não se pode generalizar e alguns santos e santas, homens bons e limpos, sobrarão entre a miséria sexual criminosa abundante e redundante na lama da Igreja Católica. Mas as sacristias, seminários, conventos, escolas, orfanatos e outras instituições de caridade religiosa e onde quer que circulem as legiões de machos padres, bispos e cardeais, deviam ser objecto de especial vigilância policial e do Ministério Público, prevenindo e reprimindo o crime. Tal como os bairros problemáticos e de má fama, os de outros crimes, maioritariamente menos cobardes.
Imagem: Quadro de Jean-Baptiste Oudry – “Nature morte avec oiseux morts et cerises”.
Já tínhamos a disputa política entre Vital Moreira e Jerónimo de Sousa, ambos saídos da mesma bancada parlamentar, a do PCP. Agora teremos uma outra, entre Sócrates e Passos Coelho, os dois fabricados politicamente pela mesma jota, a JSD.
No dia a seguir a ontem, resta-nos muito ou quase tudo: a vida, a esperança, o contraditório e a luta.
Igualmente, uma lembrança perene da Catedral a ferver em cânticos de alegria, mesmo servida pelo espectáculo de um jogo medíocre, o havido dentro das quatro linhas. Mas a que não faltou, segundo Mister Paciência, um “golo fortuito”, o suficiente para fazer cantar um povo vestido de vermelho vivo sem mangas lixiviadas e próprias dos que claudicam perante os desafios aos campeões. E que eu irmanei, como se fosse um puto na minha primeira manif, na enxurrada de alegria que desceu do estádio para a urbe e se prolongou ruas fora de Lisboa e todos os sítios onde batem os corações com sangue disponível a enviar para as veias, só podendo ser vermelho, inundando os corredores do Metro, esses canais de toupeiras e, por isso, os mais próprios para nos amainaram a emoção.
O PEC e Passos Coelho seguem hoje com a mudança da hora. Contra essa dupla desgraçada e desgraçante, Sócrates e Passos Coelho, dois filhos da jota, estaremos lá, mais tantos. Pelo que alguns podem meter no congelador as teorias dos que, usando caixa automática na sequência de mudanças de sentenças, ligam a paixão popular pelo futebol à manivela da alienação, apenas porque estão amarrados a um dogma snob e bem bebido de antifascismo serôdio, o dos 3 F.
O cardeal português José Saraiva Martins, ex-presidente da Congregação para a Causa dos Santos, sobre o encobrimento na Igreja dos seus pedófilos: "Não devemos ficar demasiado escandalizados se alguns bispos sabiam e mantiveram o segredo. É isso que acontece em todas as famílias. Não se lava a roupa suja em público."
Como? “Família”? “Roupa suja”? Encobrir criminosos abusadores sexuais de crianças, algumas órfãs e outras deficientes, à guarda da sua instituição, classificando crimes nefandos como “roupa suja” e juntando o conceito de "família"? Só na Máfia, senhor Cardeal, só na Máfia.
O PEC “aprovado” é, além do mais, um mero artificialismo para Bruxelas ver. Porque, rejeitado à esquerda do PS, com direito a vómitos semi-engolidos dentro do PS, representa uma paródia enquanto compromisso obtido entre o PS e o PSD. MFL, cumprindo Cavaco, conseguiu no último dia da sua liderança empurrar o PEC ainda mais para a direita relativamente à má versão original mas sabendo que os seus sucessores putativos, Rangel ou Coelho, garantem que vão rasgar o suporte do PEC já no dia seguinte à sua aprovação. E o facto de Sócrates ter, no dia da discussão e votação do PEC, preferido estar em Bruxelas que na Assembleia, tem um valor simbólico e caricatural sobre a virtualidade da paródia.
Mas se, face á situação do país, é da maior irresponsabilidade política tratar das matérias incluídas no PEC como um instrumento de paródia, como fizeram o PS e o PSD, atrás não se fica a chicana política praticada pelas esquerdas à esquerda do PS. Nomeadamente Louçã, ao fazer declarações públicas e prévias à votação em que, face às posições de pressão das empresas internacionais de rating, defendeu, impensável e irresponsavelmente, que … não se ligue ao que dizem. Ou seja, Louçã, um economista de gabarito, apontou um caminho de combate político fora da realidade, subjectivando as questões de governo, como se o impacto do rating sobre a dívida internacional do Estado possa ser desconhecida. E, naturalmente, que este tremendismo político-partidário, demonstrando a incapacidade de maturação do Bloco, fornece ao PS o seu único álibi, fraco mas real, para, sujeito a minoria relativa, se ter encostado ao PSD.
Pior que um mau PEC, para mais artificial, com o país a precisar urgentemente de medidas inadiáveis para responder ao défice e à dívida, reanimar a economia e evitar o abismo das rupturas sociais, que só um PEC pensado à esquerda podia ajudar a resolver, é a irresponsabilidade com que direita e irredentismo de esquerda, pisando os problemas de Portugal e dos portugueses, se entregam a paródias e chicanas. Mais tarde ou mais cedo, vão responder por isso, prestando contas sobre as formas como os partidos estão a degradar as formas de fazer política. Se, entretanto, o populismo extremista não tomar conta da loja. Significativamente, e isso devia dar para pensar, Paulo Portas foi o único dirigente partidário que se pode gabar de ter assumido uma posição "séria e coerente" nesta peça de teatro de mau gosto.
Como desconfiava, estive a dar sermão aos peixinhos. O Papa insiste, vai a Fátima.
Assim orienta Messias, o leninista da frente táctica na abordagem das questões religiosas (normalmente implacável relativamente à Igreja Católica mas especialmente condescendente em vésperas de visita papal):
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