Apimentado com excessos estalinistas, como os que fizeram com que um conhecido bloguista laranja virasse as setas do PSD ao contrário, e saudoso dos seus tempos de revolucionário de meia tigela, tivesse ameaçado afastar o líder à bomba.
Caiu Ibon Gogeaskoetxea, o pistoleiro chefe da ETA. Não foi em Moncorvo nem em Óbidos, foi no norte de França. Os nossos patrícios políticos da revolução em stand-by, cúmplices antigos na solidariedade cobarde para com a ETA, são contumazes a lançarem panfletos amigos para ajuda aos bandoleiros racistas etarras (estes criminosos políticos que não imaginam luta política sem bombas nem sangue que “limpem” os atilhos que emperram a afirmação da “superioridade rácica basca”), bastando para constatar isso, ser-se leitor habitual do "Avante". Excepto se estes, os etarras, se aproximarem demasiado. Porque, logo que metidos os etarras em refúgio e construindo bases operacionais entre nós, provavelmente contando com benefícios de cumplicidades tugas canalhas, calaram-se os protestos quando estes são extraditados de Portugal para Espanha (os caçados em Moncorvo) ou são detectados, como em Óbidos, com a bomba na botija. Agora, Ibon Gogeaskoetxea e seus capangas foram caçados, mas em França. Soltem-se, pois, os protestos dos patrícios “internacionalistas”. Temos saudades dos gritos revolucionários, cobardes mas política e ideológicamente genéticos, que incluem o crime, o tiro e a bomba como argumentos que limpam a ideia da democracia dos seus defeitos e pecados originais.
Ainda se o tema fosse “como se fazer uma campanha eleitoral desastrosa conseguindo ser desfeiteado pelo Paulo Rangel”, vá que não vá. Mas um mestre perdedor descer de Estrasburgo e Coimbra para torturar jovens em Lisboa com uma prédica “sobre o papel da UE na promoção da paz e da justiça entre as nações”, só por castigo. Partiram vidros quando brincavam no recreio? Só pode.
Está na hora, ansiosamente esperada, de discordar com a minha querida companheira e amiga Joana Lopes. É que o que se confessa aqui, reincide aqui. O imperialismo é uma peste, o bloqueio a Cuba é uma estupidez (sobretudo em termos de estratégia de recuperar Cuba para a democracia), mas os males para o povo e os crimes contra a humanidade em Cuba não são consequência do imperialismo (ou seja, não é uma necessidade resultante de um fatalismo anti-imperialista) nem resultam do bloqueio. São, antes, marca genética do tipo de regime, do comunismo, irrealizável, a menos que se seja um eurocomunista serôdio, fora do quadro de uma revolução ou golpismo, culminando sempre num despotismo que se pretende legitimado porque iluminado em nome de uma elite de vanguarda ou de profetas visionários. A enumeração das demonstrações por listagem dos regimes siameses que os povos varreram como lixo seria enfadonha mas a China, global e grande investidora na dívida pública americana, está aí, em carne viva, para o demonstrar. Claro que o bloqueio norte-americano explica uma parte da forma específica como o comunismo cubano oprime o seu povo, nomeadamente enquanto álibi da miséria como factor de uniformização igualitária (que não atinge as elites do regime), mas, com ou sem bloqueio, com ou sem imperialismo, uma tirania só sabe tiranizar.
Invocar pergaminhos anti-imperialistas e nojos por bloqueios como higiene prévia para assinar uma petição que condene o crime cometido pelo regime cubano contra a vida de Orlando Zapata Tamayo, apelando à concretização dos direitos naturais dos cubanos a acederem à democracia e à liberdade, é, a meu ver, uma espécie de opção pela ambiguidade, uma reverência para com os posters dos barbudos caídos das paredes, um abraço falhado sobre os ombros de dor da mãe de Orlando Zapata, um contigo sem ti. Só faltou uma adenda justificativa pela homenagem, comum aos prosélitos filo castristas, sobre as maravilhas de saúde e educação que maltrataram os ossos de Orlando Zapata Tamayo e estudaram o plano do estado de sítio para conterem revoltas libertárias no seu funeral. Um preto, pobre e subversivo, como foi Orlando Zapata Tamayo, merecia dos utópicos persistentes que querem socialismo e liberdade, mais que esta petição ambígua e envergonhada, um grito não condicional, sem partilhar a ambiguidade de Pilatos que retrata um estadista com o desenho de Lula.
Cuba é um problema que, como muita gente da minha geração, tenho comigo mesmo. Nos anos 60, quando o pesadelo soviético era mais que evidente, a Revolução Cubana iluminou de súbito o nosso sonho de uma sociedade livre e igualitária, e tanto desejámos esse sonho que aceitámos qualquer desculpa para as suas traições. Acordámos dele a custo para descobrir, como Sam Spade em "O falcão de Malta", de Dashiell Hammett, que é chumbo a matéria de que são feitos os sonhos.
Parece um som ecoando na noite salazarista e vindo da cólera dos tempos do colonial-fascismo, quando se ouviam gritos soltos, abafados mas valentes, contra a morte de um preto pobre que se atreveu a ser subversivo, difundido pela Rádio Voz da Liberdade a partir de um estúdio em Argel ou pela Rádio Portugal Livre através de um microfone de Ceauscescu cedido na Rádio Bucareste. Mas não, não é. Ou é?
Orlando Zapata Tamayo, 42 anos, dissidente do comunismo cubano, condenado em 2003, juntamente com mais 74 cubanos, a 25 anos de prisão política, morreu ontem em Havana por consequência de uma greve da fome de protesto contra os maus tratos e condições prisionais que tinha iniciado em Dezembro passado.
A bloggerYoani Sánchez recolheu um depoimento da mãe de Orlando Zapata Tamayo que em cima se reproduz.
Fez ontem 23 anos que, no Hospital de Setúbal, nos morreu o José Afonso. Que, “antes” da “data”, cantava assim, muitas vezes não cantando, como nos lembra o Isidoro de Machede, meu compadre honoris causa, homem justo, despachado, bom de escrita e memória:
O concerto estava marcado para as nove da noite no Cine Teatro em Viana do Alentejo. O pai do ‘Boquinhas’, dono do local, emprestou a sala de borla. Os músicos e cantores eram o Zeca Afonso, o Francisco Fanhais e o Grupo de Cante dos Vindimadores da Vidigueira dinamizado pelo João Manuel Mansos. Desde da manhã que a pacata Vila de Viana conhecia um movimento desusado de gente. De Évora viriam, mais tarde, camionetas de carreira carregadas de gente. Das redondezas da Vila apareceriam, pelos seus próprios meios, ainda mais um ror gente. Lembro-me, perfeitamente, de ter encontrado um jovem de barba rala, de mochila às costas, vindo à boleia do Porto. Fiquei estupefacto. A coisa prometia. Mais um indício do princípio do fim do regime. À hora marcada, o largo frente ao Cine Teatro estava à cunha de pessoal. Se não estou em erro, o sargento da GNR da Vila, subiu os degraus da porta principal da sala e anunciou que, por ordens superiores, o concerto estava cancelado. Foi a agitação geral. O Zeca e os outros cantores que se encontravam no meio do pessoal, começaram a cantar os ‘Vampiros’. O Chico Baião, com uma pequena flauta, acompanhava a solo a já famosa cantiga. Nada tardou que, em uníssono, o largo se tivesse transformado num imenso coro de protesto. Dos lados da praça principal, a alta velocidade, surge o célebre volkswagem azul FE-52-24. De dentro da tenebrosa carripana, sai arfante de fúria o obeso chefe Melo, esbirro maior da delegação da Pide em Évora. Empurrão daqui, empurrão dali, tenta chegar junto dos cantores. Com a tarefa dificultada pela mole humana, não é de modas e furibundo puxa da pistola ao mesmo tempo que dá ordem de dispersão. Com algum custo a malta esgueira-se do largo. Sozinho, no meio do largo, ficou apenas o Chico Baião continuando impávido a tocar a melodia na pequena flauta. Incrédulo com a ousadia, o gordo chefe Melo, tirou-lhe a flauta das mãos e pisou-a a pés juntos.