Domingo, 31 de Janeiro de 2010

O Orçamento vai passar com os olhos fechados dos partidos da direita e cumprindo sinalética de Belém. A contrapartida será a direcção do PS indicar, contra Alegre, um candidato “mais institucional”, despido de “compromissos de esquerda” mas simplesmente “faz de conta”, um corredor fictício só de “primeira volta”, que ajude à reeleição do actual inquilino da Presidência?

Muito bem, desancar em pilotos utilizadores do Facebook estará certo nos combates dos tempos que correm e até é cool. Uma cambada de nababos elitistas não merece melhor. E poupe-se de palavras afiadas o executivo brasileiro, um pobre assalariado vindo da fome nordestina e à procura de sete palmas de terra onde lhe caiba o caixão, que veio ganhar aqui uns míseros cobres para poder ter cemitério mas adiar o enterro, tomar conta da TAP, empresa pública, e cujo sonho, após acumular prejuízos gordos, é só se ir embora com a empresa pública, a que lhe deu pão para a boca e cal para a descida à terra, privatizada.

Espanha está em crise, uma crise profunda que se vai arrastando e que faz com que os holofotes internacionais coloquem em dúvida a sua capacidade de recuperação na próxima década. O desemprego aumenta todos os dias, pode alcançar este ano os 20%, o défice orçamental chegou aos 11,4%, os cerca de cinco milhões de imigrantes de que o país precisa estão em grandes dificuldades e muitos já a regressar, a segurança social tem um superavit que se vai esgotando devido ao peso dos subsídios de desemprego e outras prestações sociais, o endividamento cresce, os bancos não emprestam dinheiro, há milhares de casas para vender, as multinacionais encerram, o pequeno e médio comércio fecha as portas, o turismo quebrou...

Só um nobre académico muito, mas mesmo muito, especialista nos assuntos de Outubro, conseguia pesquisar e difundir, com evidente gozo de partilha, esta imagem de valor especial porque a roçar o único. E que deixará Albano Nunes, o sumo sacerdote vigilante, mais a sua comandita, a roer as unhas ortodoxas de inveja descontrolada (o pior que pode acontecer a um funcionário controleiro). De facto, este flash fixa um momento de transgressão revisionista mas esteticamente conseguida em que a selecção de classe dá lugar à vida e traduz-se, magnificamente, na fixação do olhar erótico de viés do grande amigo de Álvaro, testa de ferro de Mikail e corrector do desvio de Nikita, o fiel Leónidas que até fez doutrina que lhe agarrou o nome, assim passando para a eternidade histórica. Mas aqui, como qualquer macho bolchevique ou burguês, Leónidas foi menos (ou mais?) que secretário-geral, sendo apenas um camarada sensor ilustre nos eros não colectivizados.

A equipa do Porto está agora a seis pontos do líder Sporting de Braga e a três do Benfica, que tem agora 42 pontos, os mesmos dos arsenalistas.
Adenda: Pela sorrelfa, como quem não quer a coisa, o JN já substituíu, na sua edição on-line, o artigo linkado. Fica o registo para memória futura do nosso jornalismo anedótico.

Um pano-cartaz pendurado na frente de um camião dos carrocelistas e donos de pistas de carrinhos de choques e outras folias de feira que já facturaram acidentes com várias vítimas, metidos em protesto sobre rodas pelas ruas de Lisboa, esclarece-me sobre a bondade da acção de luta. Dizia o cartaz-programa: “Salazar volta, estás perdoado”. E, lendo-o, só me ocorre que foi uma pena que o ditador, saudoso para os feirantes protestantes, fosse tão asceta e fóbico relativamente aos ajuntamentos. Pois gostasse ele de dar voltas em carrocéis fugidos ao licenciamento e talvez tivesse antecipado o efeito do trambolhão tardio na cadeira de lona no Forte de São Julião.
Sábado, 30 de Janeiro de 2010

“Aquilo que o país precisa neste momento não é de políticos, é de estadistas”, disparou Manuela Ferreira Leite no rosto de Sócrates durante o debate parlamentar de sexta-feira.
Sexta-feira, 29 de Janeiro de 2010

Por cada ser humano felizmente extraído com vida dos escombros no Haiti, clama-se por deus e invoca-se a graça de um milagre. Porque, dizem, não há outras razões que expliquem sobrevivências apontadas como impossíveis sem a mão de deus. Mas, então, o que vale meia dúzia de milagres face a tantas dezenas de milhar de blasfémias divinas cometidas ali, também no Haiti?
Quinta-feira, 28 de Janeiro de 2010

As lutas prolongadas produzem a unidade e o que se passa no Haiti e no conjunto da América Latina é uma luta de classes de gigantescas dimensões.

Há uns tempos atrás li (aqui) um texto ímpar e deveras interessante de João Freitas Branco (JFB) sobre a RDA. A assinatura do post, oriunda, desde logo, de quem viveu, estudando, licenciando-se e trabalhando, durante vários anos na RDA, comportava a autoridade do “viver por dentro”. A que acrescia um posicionamento inevitavelmente afectivo dedutível por o autor ser filho de um homem notabilíssimo que, tendo sido das personalidades mais ilustres no contributo que deu à cultura musical portuguesa, à defesa da música e da sua execução e divulgação e como pedagogo no apuramento do gosto musical, além da sua intervenção cívica recheada de actos de coragem, foi um indefectível amigo do regime da RDA e aqui propagandista maior do regime dirigido por Honecker (Luís de Freitas Branco foi presidente da “Associação de Amizade Portugal-RDA” entre 1977 e 1981 e tão porfiado e exitoso foi nesta tarefa que mereceu da ditadura comunista da RDA a honra de ser condecorado com a “Medalha de Mérito pela Amizade dos Povos” com que Honecker engalanava o peito dos melhores propagandistas da RDA no Ocidente). Finalmente, mas talvez o mais importante, JFB, um filósofo com obra feita e publicada, é insuspeito de estar afectado pela pandemia do estalinismo (ou, se preferirem, do dogmatismo marxista-leninista), não só porque é um dissidente do PCP como, na luta orgânica e ideológica da dissidência da “terceira via” em que participou (final dos anos 80), foi então autor de textos dos mais acutilantes e escalpelizantes sobre o fechar cunhalista contra a renovação e a democracia que permitissem ao PCP ser um partido com futuro, sendo, assim, insuspeito de praticar fretes à actual direcção neo-estalinista do comunismo português sobrevivente.
A tese de JFB, num texto de leitura incontornável, exótica na forma hábil e criativa como “cortou a cebola” da RDA (separando a “parte podre” da “parte boa”), foi uma espécie de dissonância nos coros alinhados que, festejando ou chorando os vinte anos passados sobre a queda do Muro de Berlim, ou realçavam a queda de uma ditadura putrefacta, abjecta e grotesca ou, no outro lado da trincheira, se remoíam nostalgias e ressentimentos pela falta do “socialismo real”. Com um discurso de oratória fluida e sedutora, JFB constrói um “viaduto” entre as duas “metades da cebola”, claríssimo na denúncia enojada da ausência de liberdade no regime da RDA e nas suas degradações ditatoriais, mas clamando pelas virtudes sociais, proteccionistas e igualitárias proporcionadas pelo mesmo regime e que JFB arriscou, com coragem de assinalar, apresentar como farol inspirador face às iniquidades das desigualdades capitalistas. Teríamos tido então, na RDA mas provavelmente extensível ao restante campo do “socialismo real”, uma espécie de regime híbrido (e dúplice), reprimindo as liberdades, os direitos cívicos e humanos e as aspirações à democracia, mas garantindo para todos “segurança, trabalho, pão e habitação”, numa alquimia política de mistura do melhor e do pior expectáveis dos sistemas políticos (e com uma espécie de equivalência simétrica na história da propaganda neo-liberal que aponta o Chile de Pinochet como censurável quanto à sua natureza ditatorial mas um exemplo de aplicação de boas soluções capitalistas que levaram a altos índices de crescimento económico).
A tese de JFB, numa primeira leitura, é naturalmente simpática e entusiasmante para quem vive em democracia capitalista, como é o caso do nosso burgo pátrio. Porque, permitindo o consolo dado pelo prazer de se viver em liberdade e democracia, privilegiados portanto relativamente à experiência dos alemães que foram cidadãos prisioneiros da RDA (“metade podre” da “cebola RDA”), nos dá a noção palpável de que é possível, e sendo-o é também desejável, alcançarmos, se por isso lutarmos, os padrões de justiça social que os reprimidos alemães do leste dispunham e que, hoje, sustenta, inclusive, uma assinalável “este-nostalgia” (“metade sã” da “cebola RDA”). E quem de esquerda não entende como inseparáveis a democracia política e a democracia social? Alvo garantido, separadas as setas rombas das setas aferidas, faltou a JFB demonstrar a sustentabilidade, a realidade de suporte, da “metade” da RDA salva. Ou seja, o que sustentava a “justiça social” mantida num regime tirânico? Naturalmente não se distribuindo o que não se tem, o regime da RDA para funcionar bem socialmente de forma consistente tinha de ter um suporte económico e financeiro equilibrado e sustentado. Ficando-me esta dúvida elementar, não encontrando resposta no excelente texto de JFB, fui encontrar outra fonte de esclarecimento. Encontrei-a num livro que recentemente aqui referi. Escreve Victor Sebestyen:
“(…) Krenz [o sucessor de Honecker após o golpe palaciano que destituiu Honecker já em pleno estertor do regime] ficou a par da verdadeira dimensão da catastrófica situação financeira em que Honecker tinha deixado o país. Todos os dirigentes desconheciam os factos, à excepção de Günter Mittag (o czar das finanças do regime), do financista Alexander Schalck-Golodkwski, do director da Stasi Erich Mielke e de Gerhard Schürer, o director do planeamento estatal da RDA. Mas agora a restante direcção do Partido foi informada e o choque foi mais do que óbvio: a bancarrota do país era mais que certa. A Alemanha de Leste não tinha dinheiro suficiente para pagar os juros dos empréstimos estrangeiros e o mais provável era incorrer em incumprimento. Schürer apresentou então aos dirigentes do Partido um “Relatório sobre a Situação Económica da RDA e Respectivas Consequências”, em que revelava os números verdadeiros das contas nacionais. Em Maio desse ano, Schürer tinha tentado convencer Honecker a pensar seriamente na crise de endividamento, «senão vamos ficar insolventes» em breve. Mas Honecker recusara-se a confrontar essa situação, dizendo que o momento não era oportuno. E tanto ele como Mielke disseram a Schürer para «manter aquela situação em segredo». Schürer guardou segredo, como lhe tinham ordenado, mas agora tinha-se insurgido e declarou que o país já estava na verdade insolvente.”
“Toda a propaganda sobre o êxito da RDA baseava-se em mentiras, dizia o relatório. A realidade nua e crua era que, sob o «socialismo existente», quase 60% da base industrial da RDA não passava de sucata e que a produtividade nas fábricas e minas estava quase 50% abaixo da produtividade ocidental. Mas o facto mais grave era que nos últimos quinze anos o endividamento tinha dodecuplicado, num total de cento e vinte e três mil milhões de marcos e continuava a subir cerca de dez mil milhões ao ano - «um montante extraordinariamente alto para um país como a RDA», disse Schürer. Referiu ainda os logros legais usados para ocultar tais factos dos governos e dos bancos ocidentais, bem como os empréstimos a curto prazo em que o país incorrera para pagar os juros dos créditos a longo prazo. Se os mercados financeiros se apercebessem de como a RDA estava a mentir descaradamente sobre os seus activos, os empréstimos ocidentais cessariam imediatamente. Era talvez demasiado tarde para o país parar de contrair empréstimos. Schürer disse ainda que a situação financeira não teria sido tão desastrosa se tivessem sido tomadas medidas radicais para reduzir o endividamento há cinco anos. Mas agora a situação estava totalmente descontrolada. «Só a simples medida de evitar mais endividamento implicaria uma descida dos padrões de vida em cerca de 25% a 30% no próximo ano, o que tornaria a RDA ingovernável.»”
“Krenz e os outros dirigentes ficaram horrorizados com estas informações. As suas hipóteses de sobrevivência política eram mais do que escassas. Ou até mesmo nulas, se uma das primeiras acções fosse o anúncio de penosas medidas de austeridade.”
Em que ficamos? Segundo Sebestyen, a “metade boa” da “cebola RDA” era adubada numa aldeia Potenkine à moda germânica. Seria? Mas talvez o problema esteja nos arquivos, nos acessíveis. E na RDA, por azar, nem para todos os documentos houve tempo suficiente para triturar ou queimar. E para o que restou, os investigadores pecam sempre pelo zelo da curiosidade.
Quarta-feira, 27 de Janeiro de 2010

O Abel Xavier Faisal já se tornou, pouco tempo após a sua conversão, no muçulmano português mais famoso, ultrapassando largamente o judaico português mais notável, o homem de letras e de futebol Francisco José Viegas, o que ameaça desequilibrar a correlação de forças na opinião pública nacional acerca dos conflitos no Médio Oriente. Tudo, em Faisal, lhe ajuda à fama, incluindo o look. O certo é que o Faisal lusitano já nem consegue rezar em paz na Mesquita de Lisboa sem ter jornalistas e fotógrafos à perna. Hoje, para um canal de televisão, ele, depois de orar a Alá, explicava como a islamização foi importante para resolver os seus problemas: os castigos desportivos, a implicação num caso de dopping, uma separação conjugal. Mas não disse, talvez porque não lhe perguntaram, se é xiita ou sunita. É que, sem esta clarificação, justificável numa predilecção religiosa tão badalada, dizer-se muçulmano é curto. Sobretudo para os muçulmanos.

A ONU celebra hoje o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto (foi em 27 de Janeiro de 1945 que o Exército Vermelho libertou Auschwitz).
Os campos de concentração nazi foram locais de extermínio de ciganos, deficientes físicos e mentais, eslavos, comunistas, socialistas, testemunhas de Jeová e homossexuais, vítimas do nazismo que não podem ser esquecidas ou desvalorizadas, tudo gangas sociais, políticas, étnicas ou humanas, segundo o nazismo que exterminava em massa, a caminho de um futuro homogéneo e purificado governado por arianos nazificados, saudáveis e de braço bem estendido. Mas o foco principal de ódio dos nazis esteve concentrado contra os judeus, montando a operação da “solução final”, tentando varrê-los da presença na terra. Não o conseguiram porque Hitler foi derrotado antes do sucesso absoluto. Mas, dos nove milhões de judeus que habitavam a Alemanha e os países ocupados pelo exército nazi, Hitler e a máquina de extermínio nazi ainda tiveram tempo para eliminar dois em cada três do alvo rácico principal. Este horror é um registo que não pode ser apagado da memória da Europa porque foi aqui, na Europa, que o monstro assassino cresceu, dominou, exterminou. Por acção de um bando de criminosos políticos, mas também por mercê da conivência e omissão de muitos outros, incluindo aparentes opositores e democratas snobs.

Em 1970 havia assim. Para Diana Andringa e outros, muitos outros. Mas na memória contam os que contam. Se nem todos cumpriram e cumprem essa obrigação cívica de evitar a desmemória, felizmente há teimosos alérgicos à amnésia. Como a Diana e alguns mais. Não para glória dos que resistiram nem alforria que salve asneiras nos projectos de futuro, mas para que não se esqueça a natureza dos alicerces em que assentou esta nossa democracia, tão bem de aspecto na aparência e nas formalidades mas tão frágil no seu enraizamento.
Terça-feira, 26 de Janeiro de 2010

No domingo passado, rumei ao Barreiro para assistir ao jogo de basquetebol entre o penúltimo classificado e o terceiro, um Barreirense-Porto prometedor porque disputado entre a equipa mais jovem e das mais frágeis a competirem na Liga (média de idades dos jogadores: 20 anos) e uma das grandes potências nacionais do desporto, incluindo o basquetebol. Casa cheia no pavilhão municipal. No recinto, as torres e os veteranos vestidos de riscas azuis e brancas frente à miudagem magricela com outras riscas, a vermelho e branco, tutelada por um calmeirão americano, lento mas persistente, a funcionar como chefe de turma. A assistência era homogénea a torcer pelos putos da casa, mesmo sabendo que o objectivo da vitória era quimérico. E eu em casa me sentia, até porque daquela casa afectiva nunca saí. No meio da onda caseira barulhenta, uma mãe jovem mais o filho de uns cinco anos faziam a dissonância, apoiando o FêCêPê em cada cesto fruto da grande potência dos forasteiros. Na primeira parte, onde os azuis chegaram a estar a ganhar por mais dezassete pontos, a festa entre mãe e filho foi desinibida e permanente. Após o intervalo, o portista infantil foi colocado ao meu lado (para não ter obstáculos à visão do jogo) e, despachado o lanche imposto pela hora e pelo cuidado materno, ali o tive até ao fim como meu vizinho de bancada, olhos sempre fixos nos cestos e no marcador. No que, para mim, foi a experiência primeira de assistir a uma disputa desportiva sentado ao lado de um portista. Lá alternámos os festejos, eu e o catraio vizinho, consoante a sorte e o talento de cada uma das partes em conflito. Por cada ponto marcado pela sua equipa, o meu vizinho virava-se para a fila de trás, onde estava a mãe, e apontava com o dedo bem espetado cada engorda portista confirmada no marcador. Só que os ventos, nesse dia, estavam virados para soprar a supremacia da juventude da equipa barreirense. Para desgosto do meu vizinho que, a partir de certa altura, deixou de espetar o dedo para o marcador e foi-se resumindo a olhares tristes e de revés para a mãe que substituiu partilhas de festejos pelas festas de consolo na cabeça do rebento portista desconsolado. Uma criança triste mexe sempre comigo, assim se me tendo desconsolado a primeira oportunidade que tive na vida de festejar uma derrota portista com um “dragão” sentado ao meu lado. Fico a aguardar pela próxima, a de festejar desfeita junto de adepto rival sem direito a piedade.