Quarta-feira, 25 de Novembro de 2009

A violência doméstica, normalmente dirigida contra a mulher, a “fada do lar” um dia transformada em “vítima do lar”, apanha também, supostamente por tabela mas realmente em cheio, com agravo e sem apelo, toda a envolvente humana que habita o mesmo espaço habitacional e afectivo: as crianças e os idosos, os que dependem do agressor e da vítima. Ferindo-os, quando não fisicamente, nas suas personalidades, emoções e identificações afectivas. Assim, trata-se efectivamente de um crime múltiplo, como se assinala neste artigo.

Parece haver, de facto, um conflito insanável entre Vítor Constâncio e a realidade. As previsões do défice que foi fazendo ao longo do ano foram sucessivamente desmentidas pelos factos; e quando, há dias, o Governo anunciou, afinal, um défice de 8%, o mais que, surpreendido, encontrou para dizer foi que "esperava menos". Agora foi o aumento dos impostos. Anteontem, para Constâncio, isso era "necessário"; ontem, Sócrates desmentiu-o; horas depois, Constâncio desmentia que tivesse sugerido tal coisa. Melhor será Constâncio continuar a fazer como no caso BPN, fazer previsões só depois de os factos terem acontecido.
Terça-feira, 24 de Novembro de 2009


Há uma nítida tendência de revisão histórica sobre o colonialismo, a descolonização e a guerra colonial a espraiar-se em literatura de ensaio publicada e na blogosfera, ambas animadas ou por militares profissionais na reserva ou por antigos combatentes milicianos. É uma espécie de reflexo de curto prazo para com a memória de um envolvimento militar que sofreu um recalcamento sem direito a catarse. Sem hipóteses regressivas, no social, no político e no cultural, sem projecto mobilizador que a empenhe em lutas pela mudança do presente e construção do futuro, há muita gente a querer viver o seu resto de vida sem remorso nem autocrítica, muito menos justiça histórica e política para com os povos africanos (os pretos “terroristas”, "turras" como síntese de ódio pronto a disparar, que se combateram com as armas mas também com a tortura, a prisão, o assassinato, a violação, a assimilação e a corrupção, quando muito dando-lhes o "benefício" das "delícias" - para os "tugas" - de uma cafrealização nos momentos compensatórios do "repouso do guerreiro"), para com acontecimentos marcantes verificados na transição da sua juventude para a primeira idade adulta. Assim, a revisitação da experiência na guerra colonial tende a tornar-se um branqueamento forçado e necessário para reconciliações individuais e grupais que tendem a reintegrar no imaginário colectivo o mito da passagem, dramática mas limpa, de centenas de milhares de portugueses pelos cenários africanos incendiados pela guerra. Lendo-os, aos auto-reciclados da guerra colonial, a impressão que se colhe, quanto à guerra colonial, é a de um patriotismo difuso e serôdio, empenhado numa guerra “limpa”, generosa e que até podia ter sido ganha se a democracia demorasse mais uma década a regressar à política portuguesa, e que, no mínimo, foi geradora de uma vivência de fraternidade de bons amigos e camaradas de armas. É, claro, uma memória filtrada dos “sobreviventes da guerra”. Sem actos assassinos e indignos, sem a génese da ocupação de "terra alheia", sem os muitos milhares de mortos e estropiados nos dois lados da guerra, sem os efeitos devastadores para o reencontro de Portugal com a democracia que teve de fazê-lo após gerações terem passado por treze anos de guerra em África e onde se tinham consumido enormes recursos (na fase final do fascismo-colonialismo, cerca de metade do Orçamento era consumido em gastos militares com a guerra colonial) e cedendo-se a independência aos países africanos num cenário político de transição de guerra pela independência para guerra civil, onde se forjaram, simetricamente, elites políticas militarizadas e formadas no marxismo de guerra.
A polícia política do salazarismo-marcelismo, a PIDE depois rebaptizada de DGS, foi o braço direito do exército colonial em África, no período 1961-1974. Militares e polícias políticos foram “unha com carne” na guerra colonial. Cada qual desempenhando o seu papel, mas casando-os sempre na maior intimidade e impunidade. Por muito que custe aos memorialistas da revisão em marcha, foi assim.
Imagem: Desenho de Malangatana (“Sala de castigo da Pide”)
Segunda-feira, 23 de Novembro de 2009

O antitabagismo não tem limites para a imaginação dos predadores.

As leis etárias impuseram que revalidasse a minha carta de condução. Nas formalidades, o que me saiu mais caro foi uma visita ao médico contratado pela agência da renovação (uma escola de condução), que me atendeu durante três minutos sem me ver e, entremeando com a pergunta única “tem alguma doença?” de que desinteressou imediatamente da resposta, preencheu um papel, estampou-lhe a sua vinheta de médico oficializado e cobrou-me vinte euros. Na altura, achei cara aquela tarifa de quase sete euros por minuto para preencher um formulário e meter-lhe um autocolante. Mas não foi. Quando recebi a carta revalidada para mais cinco anos, verifiquei com espanto que agora também estou apto a conduzir motos quando eu nunca aprendi a andar de bicicleta e, por falta de veículo-brinquedo, não pratiquei sequer, em criança, a condução de um triciclo. Deduzo que houve qualquer lampejo prospectivo do médico burocrata que me augura capacidades para ainda vir a ser um motard. E, sendo assim, o caro pode vir a ser-me útil. O problema, portanto, passa a ser vosso. Desviem-se.
Sábado, 21 de Novembro de 2009

Depois do sequestro e maus tratos aplicados à blogger Yoani Sanchéz, a ditadura cubana amofinou-se com o facto de Obama ter respondido a uma sua blogo- entrevista (já referida aqui). A resposta seguiu o velho estilo bolchevique no poder assente num Estado policial: um ajuntamento de polícias políticos, fanáticos e marginais, fez uma “demonstração de repúdio” e incluiu na arruaça a prisão temporária e o espancamento de Reinaldo, marido de Yoani Sanchéz (foto, copiada daqui). Duros os tempos para os que não desistem do projecto de que também a liberdade se junte ao sol que ilumina e aquece Cuba. Mas, mesmo na mais dura repressão, há sempre um punhado de valentes que resiste, dizendo não.

Num blogue marcadamente político, nada dado a devaneios e intimidades, quando se lê um post assim (com poucas horas de idade):
Não está escrito em lado nenhum que o biorritmo só cresce. Também desce. Hoje é o caso. Pronto. É questão de esperar. E recomeçar. Com a fotografia nova que recebi no telemóvel e que apaguei com o meu providencial jeito para as tecnologias. Vem outra a caminho, para a montanha russa recomeçar a subida até aos céus infinitos da eternidade.
os olhos e as orelhas metem-se na atenção da surpresa. Quando, hoje, a chave do enigma me veio pela rádio do automóvel, sintomaticamente quando eu me dirigia para o Estádio da Luz (para assistir a um jogo de basquetebol), fiquei siderado e emocionado. Com a estranha sensação de ter perdido um amigo que não cheguei a conhecer.
Eu nunca contactei pessoalmente o Jorge Ferreira. A memória do seu rosto vinha-me da lembrança de televisão quando ele liderava o grupo parlamentar do CDS. Muito menos o sabia doente. Pela forma assídua, regular e combativa como alimentava o seu blogue, supunha-o um político activo, embora situado na irrelevância marginal do PND, empenhado e com horizontes interventivos. Estava nas minhas antípodas políticas e ideológicas, embora partilhasse com ele a preferência pela democracia face a qualquer projecto de iluminação tirânica, a transparência versus opacidade corrupta de interesses instalados, o benfiquismo em que nunca nos entendemos. O “Tomar Partido” era minha visita diária e o Jorge Ferreira era um dos meus leitores mais assíduos. Trocámos picardias, remoques e divergências, sem que sequer o Glorioso, o nosso Glorioso, escapasse às nossas refregas. Mas sempre nos respeitámos, e, relevância maior, fomos, pelas divergências mais expostas, adquirindo não rancores mas uma web-estima tecida pela unidade dos contrários. Volta e meia, quando concordávamos num ponto, o que era raro, trocávamos a gentileza celebrante de o anotar, com a devida transcrição que era uma forma de bebermos um copo virtual.
Sei agora, no momento de desfecho e luto, sobretudo pelo magnífico depoimento do Pedro Correia, que o blogue de Jorge Ferreira fazia parte, desde a nascença, da sua estratégia de combate à doença e suas sequelas. Essa novidade só me faz sentir consolado por o ter animado com os duelos esquerda-direita que com ele teci. Tanto assim quanto me sinto inconsolado e inconsolável, agora, ao saber que não vou ler outro seu novo post. A esta angústia de perda não sei o que lhe fazer. Desajeitadamente, como é próprio de um desajeitado que estima mais um adversário político frontal e leal que um comparsa com interesses no cartão ou na algibeira, vou deixar o link do "Tomar Partido" onde está desde que dele tomei conhecimento. E mandar um abraço solidário de perda a quem é meu amigo e era amigo do Jorge Ferreira, ao João Carvalho Fernandes, supondo que não há maior elo de humanidade socializável que termos um amigo comum. Especialmente relevante quando se quebra um suporte de um tripé de estima partilhada.
Sexta-feira, 20 de Novembro de 2009

Deve ser um dos segredos políticos internacionais mais bem guardados pois ninguém sabe se a Internacional Socialista ainda existe. Se sobrevive, ter-se-á transformado num clube de excêntricos snobs. Esta de indicarem para as relações externas da UE, a troco do usufruto pelos conservadores da sua presidência, uma trabalhista baronesa (graduada em título e brasão por um governo de um partido que já foi emanação dos sindicatos) que desempenhava o cargo de leader da Câmara dos Lordes - uma abencerragem da monarquia britânica -, é prova que o ridículo nem sempre mata, também promove.

Notável a concepção sobre a árvore do aparelho do Estado que transforma os governos civis em prémios de cargos compensatórios para autarcas derrotados. Perdeste eleições? O povo não te quer? – Vais para governador civil! O PS está a apodrecer e a apodrecer-nos e nós a ver. Sócrates meteu e mete o bicho da madeira na árvore estatal. Um dia, a caspa do caruncho ainda lhe descompõe a imagem do fatinho de estadista.

Os dois políticos que se devem sentir mais porreiros com as nomeações de Van Rompuy e Catherine Ashton para os novos lugares cimeiros da UE do Tratado de Lisboa, devem ser Durão Barroso e Ângela Merkel. Além de outras pequenas alegrias como as de Cavaco & Sócrates, ramais subsidiários das grandes alegrias de Merkel & Barroso. O director geral dos comissários europeus exulta porque, assim, não é apagado na sua irrelevância em estatura política, pela ascensão de outros políticos igualmente apagados mesmo que originários de países com maior peso no xadrez de Bruxelas. E com Blair, pese embora o nojo que tal pessoa política merece mais os respectivos juros, não seria assim porque Tony ia querer holofote e palco, assim como usaria a sua caneta pessoal para assinar os protocolos. Merkel comporá a sua face de bolacha imperial sorridente porque, continuando a somarem-se as mediocridades do topo burocrático-europeu, o seu papel de Sissi da Europa do Século XXI expande dimensão.
O Tratado de Lisboa vai nascer torto e fraco. Desde logo pelas artes no enxerto de nascença. Um tratado que germinou com monda dos cidadãos europeus como se estes fossem ervas daninhas que chateiam políticos e burocratas, assume-se não como uma identificação dos povos da Europa mas como um fruto anão colhido por feitores de circunstância e arrogância que se consideram legitimados pela distância representativa face aos cidadãos-eleitores. Depois, porque os eixos cruzados entre os grandes países, para sobreviverem, definiram perfis (cumpridos) de mediocridade política para as figuras de topo com a missão de falarem pela Europa, falando sempre baixinho, diminuídos que se sentem pelas respectivas estaturas políticas que não ultrapassam a vulgaridade chã de chefes de juntas regionais.
O problema é que a Europa até podia, se estivesse bem, servir de centro de estágio para políticos a pedirem treino, reciclagem e nome, mas não está. Pelo contrário. É uma Europa, desde logo, flagelada pelo desemprego. Com mais de 22 milhões de desempregados (5 milhões mais que o ano passado!) e que se prevê possa atingir o número assustador e obsceno de 33 milhões no final do próximo ano e tendo como arma romba de suporte para o combate a este flagelo laboral e social uma debilidade económica e financeira, em que o cenário optimista do crescimento modesto do PIB é inferior a 1,5% … em 2011. Com uma liderança fraca face ao carisma de Obama que é o maior trunfo da sobrevivência do grão poderio norte-americano, mas que está a resultar. E com a China em momento alto na sua talentosa busca de sucesso pelo protagonismo mundial. O que faz que, face aos grandes blocos, a Europa é quem fica mais fragilizada pela passagem do furacão da crise. Tendo de lidar, ainda, com desafios ciclópicos como são o suporte energético, o acosso migratório, a reconversão agrícola, a regulação financeira e o alargamento do espaço europeu a novos povos integrantes. A esta dimensão medonha dos problemas europeus, a qual impunha a procura de um novo paradigma político, parametrizado na solidariedade (dissemelhante do assistencialismo), no encurtamento das disparidades sociais, num novo perfil económico liberto das amarras do jogo financeiro, só protagonizável por grandes políticos, criativos e ousados, a gigantesca e surda avestruz europeia preferiu o tripé de latão Barroso-Van Rompuy-Ashton. Resta-nos a clarividência e o sucesso da Kaiser Merkel. Boa sorte, querida senhora. Por si, por nós.
Quinta-feira, 19 de Novembro de 2009