Segunda-feira, 31 de Agosto de 2009
Estive lá hoje à noite mas as oito vezes que gritei foi baixinho para não incomodar muito o sossego doméstico da Joana Lopes. E, no final, nem sequer festejei, por respeito para com o José Simões. Também na blogosfera há lugar para a camaradagem.
Amanhã, quando tocarem os tambores das efemérides, lembrando os 70 anos decorridos desde o eclodir da Segunda Guerra Mundial, marcando-o na invasão nazi da Polónia e descontando os “aquecimentos” (“guerra civil” de Espanha, invasão fascista da Abissínia), vão repetir-se as glorificações e as polémicas transformadas em lugares-comuns. Nomeadamente, quanto ao papel duplo e dúplice da URSS no conflito, dividindo as paixões com um risco ao meio, de um lado os exaltadores do sacrifício e heroísmo dos milhões de mortos soviéticos doados à derrota do nazi-fascismo, do outro os que não esquecem o pacto germano-soviético, a divisão da Polónia, Katin, os motivos escandalosos da impreparação soviética para enfrentar a invasão nazi da URSS. Com o julgamento de Nuremberga a fechar o ciclo das contas por saldar no horror da guerra.
E, no entanto, com tantos milhões de mortos contabilizados, homenageados ou ostracizados, faltam sempre, na evocação da memória do conflito, os muitos outros milhões de vítimas que caíram sem direito a serem lembradas ou permanecendo como “mortos de segunda”. Mas o historiador Josep Fontana, num oportuníssimo artigo, recorda-as num apelo à abrangência no alargamento da memória. Desde logo, lembrando que a Segunda Guerra Mundial foi a primeira das guerras em que as vítimas civis foram superiores aos militares caídos em combate (tendo morrido 20 milhões de militares, 16 dos quais foram soviéticos e alemães, dois terços do total de mortos pela guerra foram homens, mulheres e crianças dizimados em campos de concentração/de morte e bombardeamentos ou pela fome provocada pela guerra). E dá o exemplo elucidativo da última grande batalha da guerra, em Okinawa, em que 100.000 habitantes daquela ilha japonesa morreram sobre o fogo cruzado dos militares americanos e japoneses, em que ambos os exércitos somaram menos mortos (82.000) que os verificados entre os civis. Fontana refere também que a inclusão do Japão derrotado no “bloco anticomunista” da “guerra fria” gerou uma amnésia concertada sobre os crimes de guerra japoneses cometidos sobretudo nos territórios ocupados da China e da Coreia, em que se contam entre vinte a trinta milhões de civis chineses chacinados na ocupação japonesa. Finalmente, Fontana lembra as vítimas da Guerra mais esquecidas, as do rescaldo dos vitoriosos da guerra e os respectivos ajustes de contas sobre os vencidos. Por exemplo, entre 1945 e 1948, os 12 milhões de alemães fugidos ou deportados que habitavam a Polónia, a Checoslováquia, a Roménia e a Hungria e de que 2 milhões terão perecido no êxodo. Enquanto se repatriavam 7 milhões de japoneses que habitavam a Manchúria, a Coreia e Taiwan. E a sorte cruel deste escorraçados perdedores, civis embora “colaboracionistas”, contrasta nitidamente com a dos muitos criminosos nazis que, tirando uns tantos julgados e executados em Nuremberga e Tóquio, foram reincorporados pelas potências vencedoras nas suas sociedades civis, nas direcções de empresas, nos corpos científicos e nos aparelhos militares.
Domingo, 30 de Agosto de 2009
Quando Ferreira Leite acusou o governo de “diluíram-se pilares da sociedade como a família e o casamento, para impor a vontade da lei onde devia prevalecer a liberdade individual”, assume que está a tornar explícito o que Cavaco resmunga através de vetos. E que a líder do PSD forma com o casal de Belém uma comunhão activa, e na ofensiva, da parte mais conservadora e retrógrada da sociedade portuguesa, escorada na hierarquia do clero católico, contra a modernização da sociedade portuguesa, exactamente nos pontos culturais em que o salazarismo resistiu ao 25 de Abril e à democratização. Mas, no caso de MFL, uma respeitável senhora divorciada, a acusação é uma incoerência que se soma ao anacronismo, pois não passará pela cabeça de ninguém supor que a senhora optou pelo seu divórcio para abalar pilar algum da sociedade portuguesa, tendo-se tratado apenas de uma opção pessoal partilhada com outro cidadão no quadro do permitido.
Mas MFL recorre ao mais velho sofisma dos reaccionários em usos e costumes e sempre que a sociedade abre novos espaços de liberdade individual. A legalização do IVG não obriga qualquer mulher a abortar ou inibe qualquer casal de ter uma prole que encha uma creche. A anulação das regras humilhantes e discriminatórias para se obter um divórcio não atrai um único casal feliz a separar-se. A dignificação das uniões de facto não representa qualquer obstáculo a quem se queira casar ou permaneça celibatário. O combate à discriminação homofóbica não torna um(a) heterossexual em gay ou lésbica. No entanto, quando se potencia, por via legislativa, o alargamento de escolhas que aumentam as liberdades individuais, ai jesus, gritam os tradicionalistas cristalizados no conformismo, que a Lei e o Estado nos estão a empurrar para a libertinagem, a devassa e os bons costumes benzidos. Como se os cidadãos fossem ovelhas tontas (ou adolescentes tardios) que, mal pastoreadas, desatarão a experimentar os limites do não interdito, ultrapassando-os se possível.
É bom que se tenha em conta este novo dado do combate político do momento e do futuro: os grandes desafios da modernização da sociedade portuguesa são de natureza cultural. E, nesta luta, o incremento das liberdades individuais, o alargamento das escolhas não perseguidas, afinal na linha do autêntico pensamento liberal, está na esquerda e no seu segmento menos preconceituoso (porque também há, culturalmente, uma “esquerda reaccionária”), a fim de permitir (a nada obrigando) uma valorização do privado e da liberdade, com menos Estado e menos Leis a condicionar as escolhas, tendências e projectos de vida. São e serão os reaccionários, os do conservadorismo tradicionalista, apoiados e espicaçados pela Igreja, que defendem o congelamento da legislação para que o interdito jurídico mantenha os bloqueios às liberdades e escolhas individuais, ou seja, um Estado normativo e valorativo segundo o totalitarismo católico enquanto herança da velha sociedade legada pelo velho regime. Estes ganharam Belém, agora querem dominar São Bento e o parlamento. Mas a escolha é nossa, de todos.
Sábado, 29 de Agosto de 2009
Por muito que Cavaco diga que é um defensor do mercado e da livre concorrência, a vetar ele demonstra que nem sempre o é. O homem tem pânico face à concorrência feita pelas uniões de facto aos casamentos. Aqui, na tradição e nos costumes, o prior interiorizado fala-lhe mais alto que o prof neo-liberal verbalizado.
Pina Moura não é exemplo como cavalheiro. Demorou um ror de anos a fazer esperar Zita Seabra até voltar a encontrar-se, politicamente, com ela.
A fazer fé nas adivinhações de Marcelo Rebelo de Sousa, temos novidade grossa na política portuguesa: um partido, o PSD, apresenta um programa de governo que é excelente porque está encolhido e foi pensado apenas para dois anos, prazo previsto para que dure o próximo governo antes de cair, vítima da instabilidade prevista e anunciada. Ou seja, os crânios laranjas pouparam no programa para que ele não ultrapassasse o comprimento da legislatura dada como curta. Já tínhamos um partido, o PCP, que apresenta programas que são só para protestar e nunca para governar, coisa que só fará, nas calendas da imaginação, através de um governo revolucionário de operários e camponeses; agora temos um partido com meio programa para meia legislatura. É Agosto a chegar ao fim.
Sexta-feira, 28 de Agosto de 2009
Assim, se chegar ao Governo, a dra. Ferreira Leite extinguirá o pagamento especial por conta que a dra. Ferreira Leite criou em 2001; a primeira-ministra dra. Ferreira Leite alterará o regime do IVA, que a ministra das Finanças dra. Ferreira Leite, em 2002, aumentou de 17 para 19% ; promoverá a motivação e valorização dos funcionários públicos cujos salários a dra. Ferreira Leite congelou em 2003; consolidará efectiva, e não apenas aparentemente, o défice que a dra. Ferreira Leite maquilhou com receitas extraordinárias em 2002, 2003 e 2004; e levará a paz às escolas, onde o desagrado dos alunos com a ministra da Educação dra. Ferreira Leite chegou, em 1994, ao ponto de lhe exibirem os traseiros. No dia anterior, o delfim Paulo Rangel já tinha preparado os portugueses para o que aí vinha: "A política é autónoma da ética e a ética é autónoma da política".
Juan José Millás não teve sorte com as dores de infância, elas foram muitas. Mero acaso pois nenhuma criança escolhe, incluindo as dores. As escolhas ficam sempre para a idade adulta, sobretudo a de banalizar a memória, tentando viver sem ela, ou preferir entender que todos os trajectos começam ali, na infância, onde estão todos os enigmas e todas as chaves para nos entendermos. Uma lucidez acerada e um invulgar talento de escrita podem, ainda, fazer o que Juan José Millás conseguiu no seu romance “O Mundo” (*): a revisitação da infância, no seu tempo e lugar, como quem vai ao cinema e está tudo ali, projectado, em movimento. E perceber-se que, na vida vivida, a infância está sempre a espetar-nos. Tudo dependendo da memória e da coragem de a ela se "descer".
Quando há alguns meses atrás foi editada a versão portuguesa de “O Mundo”, folheado e comprado o livro, desconfiei que tinha ali um fascínio literário à minha disposição. Decidi guardá-lo para o ler mais tarde, em relax favorável a não perder pitada dos sabores. Fiz bem, sobretudo porque é inevitável a tentação de se fazerem viagens paralelas quando se acompanha um escritor em viagem de vida. No caso, com a ajuda particular de eu e o escritor termos vivido semelhanças dos tempos de crescimento, na mesma pequenez e na mesma asfixia, confirmando as enormes semelhanças entre as castrações operadas pelo franquismo e pelo salazarismo. E, visto por este ângulo, está ainda por avaliar quanto as décadas das noites ibéricas marcaram as infâncias portuguesa e espanhola, directa e indirectamente através de pais tristes.
Livro lúcido e saboroso, uma autêntica viagem ao fazer-se humano, “O Mundo” tem um brinde – a figura de “Vitaminas”, um dos personagens que vai ficar, arrisco, como um clássico da literatura. Impossível pedir-se mais a um livro da melhor literatura, hispânica mas tão perto.
(*) - “O Mundo”, Juan José Millás, Editora Planeta
Quinta-feira, 27 de Agosto de 2009
Que um governo que envia agentes dos seus serviços de espionagem e infiltração para actuar num país estrangeiro considere estes como sendo “patriotas”, é normal. Que se esses agentes são apanhados, aprisionados, julgados e condenados no país onde foram actuar à revelia das leis, o governo que enviou os agentes tudo faça para conseguir as suas libertações, normal é. Que se a acção de infiltração e espionagem é efectuada no interior de um país considerado hostil e nas antípodas políticas e sociais e destinada a infiltrar e neutralizar a oposição aí exilada, o feito seja exaltado pelo governo que enviou os agentes como um acto de coragem e dedicação ao partido que dirige o governo e a sociedade, a normalidade continua a não ser beliscada. Ou seja, compreende-se perfeitamente que o governo cubano considere os agentes dos seus serviços secretos Gerardo Hernández, Fernando González, Ramón Labañino, René González e António Guerrero como “cinco patriotas cubanos” e procure que eles não prestem contas pelos actos ilícitos praticados num outro país soberano. Acções idênticas foram executadas pela PIDE durante a ditadura portuguesa, infiltrando os meios oposicionistas exilados, atraindo-os a ciladas e assassinando alguns. É da lógica dos serviços secretos e dos governos que os dirigem, sobretudo quando se trata de ditaduras, fazer tudo para "recuperar" (considerando-os "heróis") os seus agentes e capangas enviados para missões clandestinas e criminosas no estrangeiro.
O que não é normal é que um partido de um terceiro país considere um caso de espionagem e intervenção clandestina num país estrangeiro como actos de “patriotas”, transforme o cumprimento da pena em que os espiões foram condenados em martírio, exija do país espiado que devolva os agentes secretos ao país que os mandou espiar. Mas é o que faz o PCP, através do “Avante” e da organização “unitária” que criou para o efeito (o chamado “Comité Português para a Libertação dos Cinco - CPLC”). Mesmo sabendo-se que, no caso, se trata de mais uma peça da cumplicidade entre comunistas cubanos e portugueses e que, à luz do “internacionalismo proletário”, um qualquer espião imperialista seja para descobrir e prender, enquanto um espião comunista passa automaticamente à categoria de membro prestigiado do “escudo do partido”. É que o apoio do PCP aos “cinco espiões cubanos” levanta uma questão que não é de somenos e tem a ver com o seu conceito de soberania. Concretamente e por hipótese: se uma acção de espionagem de um país comunista (Cuba, Coreia do Norte, China) for praticada em território português mas descoberta e desmantelada, como é que o PCP reage? Chama-lhes patriotas e exige que não respondam perante os tribunais portugueses?
Quarta-feira, 26 de Agosto de 2009
Jorge Messias, cronista crónico do “Avante”, apelando ao voto no PCP por via dos sustos (censura, fascismo, ... Inquisição):
Terça-feira, 25 de Agosto de 2009
Juro que ouvi hoje o Paulo Bento, numa conferência de imprensa, comparar o Sporting ao Titanic e aludir comportamentos sportinguistas certos e errados com cenas do filme.
Mete impressão que um blogger brilhante se tenha deixado apaixonar assim por uma política:
Sábado, 22 de Agosto de 2009
Rui Bebiano interroga sobre a incomunicabilidade verificada entre as resistências antifascistas e anticomunistas durante os períodos simultâneos do "socialismo real" e dos "fascismos ibéricos".
A tese defendida por RB de que o corte das pontes se deveu à existência paralela de “Estados policiais” tem evidente e primordial substância. Mas, no meu entender, sendo uma explicação não é toda a explicação. Havia, além do mais, um “jogo de espelhos diferentes” com que ambas as dissidências se olhavam. Os dissidentes anticomunistas do “socialismo real” odiavam a asfixia do Estado-Partido e desejavam a “alternativa visível”, ou seja, sobretudo, o acesso ao consumo de marca e não normalizado, o direito ao individualismo, a liberdade de expressão alternativa, o direito a viajar, à escolha e à pluralidade. E o Ocidente era o modelo que lhes estava interdito, atraindo-os tanto que alguns deles decerto não se importariam de “trocar” de “Estado policial” e até emigrariam para as ditaduras portuguesa ou espanhola se tal fosse o “contrato” imposto para largarem a asfixia sovietizada, mesmo abdicando de algumas bandeiras. Enquanto isto, os dissidentes antifascistas nos “fascismos ibéricos”, os educados maioritariamente no comunismo formatado no “socialismo real”, clamando contra a falta de liberdades, tinham, como sonho maior, dispensar, se possível, a “etapa capitalista-democrática” e desembocarem(-nos) o mais rapidamente possível num dos Estados plantados à sombra do Partido, ontem à semelhança da Checoslováquia esmagada pelos tanques soviéticos, hoje instalando uma sociedade sósia da cubano-castrista ou produzindo súbditos de um Kim de opereta, mitificando e glorificando aquilo que os dissidentes de Leste odiavam por a estarem a viver. Porque, como explica Correia da Fonseca, homem do aparelho do “Avante”, no último número deste jornal, o comunismo é “a única via para que haja futuro”:
Traduzindo, o futuro, para Correia da Fonseca e seus camaradas, só existe no comunismo, enquanto o presente, mesmo a democracia, é a "espera do comunismo" (do “Estado policial que se deseja”). Se, de facto, cada dissidência activista, a anticomunista e a antifascista, negava e combatia o Estado policial que os oprimia, a “má polícia” era, apenas ou sobretudo, a caseira. Haveria, portanto, um problema de equívoco e identidade. Com destino marcado para a simetria irredutível. E se o fim da “guerra fria” transferiu a dissidência a Leste (perante a conversão capitalista-democrática) para os actuais nostálgicos da “ordem policial” desaparecida quando o Partido se desfez apodrecido, os herdeiros do antifascismo comunista continuam iguais a si mesmo, à espera da mesma polícia política, a "sua". Ou seja, finalmente miram-se no mesmo espelho.