Terça-feira, 30 de Junho de 2009


O nacional-catolicismo que apoiou os fascismos ibéricos e lhes deu conteúdo ideológico ao emprestar-lhes Deus para integrar a trilogia do projecto totalitário (Deus-Pátria-Família), arrastava há muito um paradoxo de sangue do tamanho de uma pedra no sapato: o assassinato às ordens de Franco de catorze sacerdotes católicos bascos que, na guerra civil, se mantiveram do lado da República, da legalidade democrática e dos povos bascos. Esses sacerdotes e mártires foram sempre uma mancha de denúncia surda da hipocrisia e cumplicidade para com o crime que a união entre Franco e a Igreja representou. As legiões de sotainas negras que alinharam e abençoaram o golpe e a vingança de Franco contra os vencidos e se juntaram ao banquete de domínio da ditadura espanhola, silenciaram sempre que houve uma outra parte (embora muito minoritária) da Igreja que não escolheu o lado do nazi-fascismo e se manteve junto do seu povo e das suas escolhas. Finalmente, rompendo a ignominia do silêncio de muitas décadas para com os sacerdotes bascos fuzilados e condenados a saírem da memória, os bispos bascos acabam agora de repor a dignidade elementar ao recordá-los e pedir para eles o direito, conquistado com o seu sangue, a terem os seus martírios colocados dentro da história de Espanha, no capítulo das suas vergonhas. Pois, tarde só é melhor que nunca, mas é.
Imagens:
1) Em cima, sacerdotes católico-franquistas treinando para o tiro nos espanhóis republicanos.
2) Em baixo, sacerdotes católicos bascos entre outros prisioneiros de Franco, aguardando os tiros do fascismo espanhol.

Festa para ser festa, pede baile de craque. Hoje.
Adenda: E houve. Festa com baile. Manga de ronco, diriam os guineenses.

O golpe nas Honduras é, além do mais, uma bizarria. Como se os golpistas, militares e civis, tivessem parado no tempo e não soubessem quanto o mundo mudou. Segundo o estereótipo dos golpes sul-americanos dos tempos idos, a oligarquia local e os operacionais da CIA já teriam consolidado o novo poder vindo das pontas das espingardas. Assim, vão ficar a fazer a mesma figura parola que os anti-imperialistas pavlovianos pois Obama foi dos primeiros a condenar o golpe.

Quantos se alegraram ontem pela sua condição de portugueses? Suponho que um bom punhado. Haja justiça fraquinha para que a pátria seja bela e imortal.
Segunda-feira, 29 de Junho de 2009



El último electrodoméstico que se distribuyó a través del sistema de méritos, fue un televisor chino marca Panda. En mi edificio hubo una reunión para entregar diez flamantes equipos dentro de una comunidad que rebasa las trescientas personas. Algunos vecinos estuvieron a punto de irse a las manos durante la discusión para obtener el aparato, por el que debían pagar cuatro mil pesos cubanos. Entre quienes se llevaron a casa la pantalla de colores, estaban -casualmente- los más combativos e incondicionales ideológicamente.
Aquellos que no alcanzaron el escurridizo Panda se conformaron pensando que habría una segunda vuelta en la que tendrían mayores posibilidades. Pero del gigante asiático no llegaron nuevos televisores para alimentar la meritocracia, ni siquiera vinieron las piezas de repuesto con las que arreglar los ya existentes. Hacer la guardia del CDR o salir al paso a las críticas ha perdido atractivo, pues no parece que la recompensa vaya a ser la asignación de una lavadora, una línea telefónica o un radio portátil.
Los que alcanzaron la última vuelta de electrodomésticos asignados, tampoco están muy felices que digamos. Una buena parte no ha podido cumplir con los plazos de pago, pues la compra del Panda les hizo cargar con créditos mensuales que rebasan un tercio de su salario. Conozco a una viejita, por ejemplo, que compró el batallado televisor sólo porque tenía la convicción de que iba a morir antes de terminar de pagarlo.
Domingo, 28 de Junho de 2009

Num post anterior, a propósito de um celebrado concurso televisivo sobre as “maravilhas de Portugal no mundo” em que os sítios levantados por integração no circuito do esclavagismo eram pudicamente isentos dessa condição, referi-me à Cidade Velha na ilha de Santiago (Cabo Verde), o único local concorrente que conheço em visita repetida e a que, com todo o gosto, tentarei regressar. Pois a Cidade Velha não só foi uma das vencedoras desse concurso como acaba de ser classificada pela Unesco como “património mundial”. E, curiosamente, a declaração da Unesco invoca, com descaramento histórico notável perante o pudor português, para a atribuição do título, exactamente o papel de entreposto negreiro do sítio. Como não podia deixar de ser. Porque, de outro modo, a Cidade Velha simplesmente não existia. Nem Cabo Verde. Nem o desenvolvimento das Américas. Nem…
Pedro Pires, Presidente de Cabo Verde, durante a campanha de promoção da Cidade Velha junto da Unesco, teceu um discurso cultural que devia fazer corar de vergonha os académicos de Coimbra que asseguraram o staff científico do prémio televisivo português. Colocando a distância histórica no seu lugar, Pedro Pires declarou:
"A ideia é que foi o primeiro porto no comércio de escravos na costa ocidental africana, ou seja, a meio caminho para os países da América do Sul e Central. Foi um ponto de passagem, mas para além de ponto de passagem ficou gente. Nós entendemos que este facto é o início de qualquer coisa nova. Fala-se tanto do mundo novo. Mas eu creio que o novo mundo começa aí, começa em Cabo Verde. Há marcas, é certo, de ordem material, mas é mais do que isso. É esse valor histórico, esse momento da história do mundo. Podemos estar contra a escravatura mas não é isso que estamos a discutir. O que estamos a discutir são factos históricos que não vamos valorizar do ponto de vista moral. São factos históricos que mudaram qualquer coisa. E esses factos tiveram como ponto de partida ou como ponto de referência a Cidade Velha ou o porto da Ribeira Grande de Santiago"
"Entendemos que a partir daí nasce qualquer coisa nova que é uma nova cultura, a cultura caboverdiana, que é uma cultura mestiça. E nasce um novo homem, que é o homem mestiço quer biologicamente, quer culturalmente. Será que na verdade Cabo Verde é a origem de qualquer coisa? Eu acho que sim. Penso que é a origem do que se passa nas Américas do Sul, Central e do Norte. É o primeiro exemplo de miscigenação do ponto de vista biológico, o primeiro exemplo de uma cultura crioula, de uma cultura mestiça que vem também desse encontro de povos. Nós vamos discutir se foi um encontro forçado ou voluntário mas foi um encontro. E quando há encontros entre povos há qualquer coisa nova que nasce. E entendemos que Cabo Verde é o sinal e que a Cidade Velha é o ponto de partida. Merece ou não merece ser considerado um património da humanidade? Pensamos que sim."
Ou seja, talvez nada melhor que um mestiço não complexado para ensinar a distância entre julgamento moral e apreciação histórica a doutores de Coimbra sentados sobre tampa de vergonha do baú onde se (res)guarda o passado.
Pela sua parte, José Maria Neves, primeiro-ministro de Cabo Verde, celebrou a declaração da Unesco sobre a Cidade Velha, desta maneira:
“Trabalhamos todos para este estatuto e vamos continuar juntos esta caminhada, em cooperação com o governo de Portugal, uma vez que a Cidade Velha é também um património importante de Portugal. Aliás, há poucos dias foi declarada como uma das Sete Maravilhas de Portugal no Mundo. Mas é um dia singular e histórico para Cabo Verde. Podemos ganhar o futuro e construir uma grande Nação, um grande país. Só quem tem uma história grandiosa, um grande passado, pode ter a ambição de construir o futuro. Representa que Cabo Verde é um país possível e que podemos realizar os nossos sonhos. Deveremos continuar a lutar para obter novos ganhos no futuro.”
“[Cidade Velha] É a primeira cidade europeia nos trópicos, é a diocese primaz da África Ocidental, a primeira diocese em África. No século XVII era a cidade com mais igrejas por metro quadrado, mais do que em Roma. Tem um património religioso e imaterial extraordinário. Há um trabalho diplomático feito mas há o valor histórico e patrimonial, que é mais importante.”
“Tenho neste momento duas grandes prioridades. Uma delas é a elevação do Campo de Concentração do Tarrafal a Património Mundial da Humanidade. Tomei, há dois ou três anos atrás, a decisão de classificá-lo como património nacional. Agora é prepararmos a candidatura, com o apoio dos outros países de Língua portuguesa, para que o Tarrafal, que, no fundo, já é também Património Mundial da Humanidade, seja formalmente assim considerado pela UNESCO. A segunda grande prioridade é transformarmos também a Língua Cabo-Verdiana, que é também um património nosso, que é uma riqueza singular de Cabo Verde e que resulta desse diálogo intenso de culturas. Temos dois grandes patrimónios em termos linguísticos, que é a Língua Portuguesa, nosso património, que assumimos como nossa, como parte da nossa história, e, ao lado, temos uma língua que se baseia na Língua Portuguesa, que é a Língua Cabo-Verdiana.”
Cabo Verde continua a ser um caso surpreendente de como, sendo um país africano e paupérrimo em recursos materiais, em vez de se afundar na miséria e na cleptocracia, é um caso de democracia e governação saudável, apostando na cultura como o seu melhor recurso para sobreviver, desenvolver-se e afirmar-se, desmentindo os que entendem que barriga não cheia não é amiga do desejo pela riqueza cultural. As metas colocadas agora de afirmar o Campo do Tarrafal (*) como local histórico marcante da humanidade (como face das ignomínias fascista e colonial) e a valorização do crioulo são projectos que os portugueses sem complexos deviam apoiar.
(*) – Entre nós, tenho a expectativa do empenho da notabilidade cultural, universitária e política que é o venerado Doutor Adriano Moreira, o autor do despacho ministerial que, em 1961, ordenou a reabertura do Tarrafal para internar prisioneiros africanos suspeitos de simpatias nos movimentos de libertação. Como Adriano Moreira nunca reconheceu publicamente esse crime político e dele não pediu desculpa aos povos africanos nem sequer o lamentou, talvez o seu empenho na elevação do Campo do Tarrafal a património da humanidade, lhe facilite a limpeza dessa lama que arrasta nos sapatos desde que serviu Salazar.
Sábado, 27 de Junho de 2009

Até porque não me parece nada exagerada a previsão:
Cavaco Silva não arriscou marcar as eleições legislativas no mesmo dia das autárquicas, como era seu desejo. E não arriscou por um simples motivo: as consequências eleitorais ao assumir publicamente a liderança do PSD. Ainda é cedo. 27 de Setembro é, pois, o dia que vai marcar o início de um novo ciclo politico: o ciclo da instabilidade governativa. Ainda por cima em tempos de vacas magras.
(…)
A coisa promete… fortes ventanias no litoral e neve nas terras altas.

Notável a oportunidade da edição do livro de Álvaro Garrido com a sua biografia política de Henrique Tenreiro (*). Juntando-se, à oportunidade, o brilho do autor (um académico de Coimbra) na investigação, na organização, na distância de análise e na qualidade da escrita, estamos perante uma das mais interessantes edições sobre o período da ditadura. De facto, após um período prolixo em referências (e exaltações) aos chefes supremos da ditadura, Salazar e Caetano, faltava “descer” ao enquadramento histórico e político das “segundas linhas” do regime pois o senso comum estava a contaminar-se com uma fulanização excessiva no papel dos ditadores como se tivesse sido possível um regime de longa duração ter sobrevivido exclusivamente à sombra de um poder unipessoal, sem o papel decisivo dos seus duques e valetes, sobretudo na gestão da submissão popular. E ninguém como Tenreiro desempenhou esse papel, onde nem sequer foi ultrapassado por Cerejeira (o pastor espiritual da atitude conformista e submissa). De facto, não é possível pensar-se o sucesso do fascismo português (enquanto projecto concretizado de forma duradoira) sem se encarar o “fenómeno Tenreiro”, espinha dorsal da mais conseguida concretização corporativa-oligárquica (nas pescas), chefe operacional da repressão onde quer que o regime fosse ameaçado, encenador dos actos celebrantes e aclamatórios, o mais indefectível apoiante do salazarismo integral, a eminência parda da praxis salazarista, peça chave no tripé da Marinha fascista (com Ortins Bettencourt e Américo Tomás) que cumpria uma dupla missão – neutralizar a tradição democrática e revolucionária dos “marinheiros” e permitir, ainda, que o Mar e a Armada (incluindo a marinha não militar) funcionassem a preceito como referência simbólica do imaginário do ideário salazarista-imperial (com o brinde extra de ter transformado os pescadores, pela dependência do assistencialismo, em “tropa de choque” do apoio social à ditadura). Tenreiro, enérgico, determinado e implacável, omnipresente nos momentos chave (até na madrugada do 25 de Abril ele “esteve lá”), com uma enorme intuição a colmatar a cultura limitada, com os seus ódios concentrados e dirigidos, é também a personalização da miséria corruptora da ditadura, mestre na arte da cunha e dos arranjos, na repartição de paus e cenouras, na difusão e preservação da docilidade de rebanho, no favor e no nepotismo, nos amanhos de toda a espécie. E, finalmente, no ocaso ditatorial pós-Salazar (1968-1974), gerindo uma fidelidade ambígua com Caetano mas recusando-se a levantar-lhe a mão, Tenreiro integra a facção ultra dos irredentistas salazaristas (ao lado de Tomás que era um seu político-dependente) que bloqueia o projecto marcelista e, ao impor a Caetano uma crispação regressiva, leva o regime para um beco sem saída, sobretudo pela inviabilização de qualquer solução para o problema e a guerra colonial, o que, como sabemos, foi a sentença suicidária do pós-salazarismo (a histérica fidelidade de Tenreiro e outros a Salazar não concebia o regime como respirável sem a marca da liderança física do ditador de Santa Comba Dão). Manipulando uma importante parte do aparelho corporativo, dirigindo a parte mais operacional da Legião, controlando o “Diário da Manhã”, influenciando a União Nacional, manobrando a cumplicidade de Cerejeira para este prestar a Igreja a servir de recalcante e ritualista do regime, com íntima ligação à PIDE, dispondo de verbas consideráveis dos lucros das pescas que usava a seu belo prazer, Tenreiro foi uma das chaves mais importantes do salazarismo e do marcelismo que não são entendíveis sem o entender e o papel do seu sub-sistema de poder. Neste sentido, o trabalho de Álvaro Garrido é um contributo valiosíssimo para que não só a memória não se apague como possa ser nítida. Absolutamente, uma leitura inevitável.
(*) – “Henrique Tenreiro, uma biografia política”, Álvaro Garrido, Edições Temas & Debates.
Imagens:
- Em cima, capa do livro de Álvaro Garrido.
- Em baixo, Tenreiro e Tomás, dois amigos e dois apoios.

Sexta-feira, 26 de Junho de 2009

O negócio da venda da TVI pela Prisa à PT significa que ainda vivemos no tempo das nacionalizações da comunicação social disfarçadas de economia de mercado. Sócrates não está disposto a facilitar. Fará tudo o que achar necessário para manter o poder a todo o custo. Até tornar-se o novo chefe de José Eduardo Moniz e de Manuela Moura Guedes.

O profundo oportunismo do PCP perante a situação internacional fá-lo oscilar constantemente, consoante a maré dos informes que vai recebendo, numa mescla de suporte aos restos de organizações comunistas sem eira nem beira, autênticas relíquias serôdias do folclore do internacionalismo proletário, e o ódio permanente a tudo que cheire a capitalismo, democracia, social democracia, NATO, UE, Estados Unidos e Israel, em que o tamanho dos ódios não deixa espaço para causas. Os acontecimentos no Irão permitiram uma das mais espantosas cambalhotas internacionalistas do PCP à Jerónimo, autêntica matéria para um “estudo de caso” sobre o papel dos cata-ventos na coerência política. Vejamos.
Escrevia-se assim no “Avante” da semana passada:
Depois de uma afluência recorde às urnas nas presidenciais de sexta-feira, 12, no Irão – cerca de 85 por cento de participação –, e do actual presidente e candidato das forças conservadoras, Amadinejad, ter sido declarado vencedor com cerca de 63 por cento dos votos contra 34 por cento do seu opositor, Mir Hossein Mousavi, o país mergulhou numa crise política.
Logo a seguir ao encerramento das urnas, Mousavi proclamou-se vencedor e declarou que não aceitaria qualquer outro resultado tendo em conta as denúncias de irregularidades durante a consulta, tais como a falta de boletins de voto, apesar de terem sido impressos mais cinco milhões que os necessários, a ausência de observadores de todas as candidaturas nas assembleias de voto, ou, segundo denuncia o Comité Central do Tudeh em comunicado divulgado sábado, dia 13, a montagem de uma farsa eleitoral para ocultar a derrota do candidato favorito do regime. Derrota ainda maior, acresce o Partido do Povo do Irão, que a registada aquando da primeira vitória do «reformador» Khatami, em 1997.
Pois veja-se a música tocada no “Avante” desta semana que corre:
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