Segunda-feira, 4 de Agosto de 2008
O tacanho homem capitalista não conhece a paciência, modéstia, humildade, castidade, valor do sofrimento, espírito de sacrifício.
Leio com a tristeza de uma perda de companhia, daquelas que habitámos e nos habitou:
AFRICANIDADES foi o que foi, uma estrada de pensamentos que saltavam dos dedos directamente para a rede - sem censura - muitas vezes enlameados devido à chuva, outras empoeirados por causa do sol, tal como a meteorologia que nos aquece e alegra os dias. Vamos embora no melhor da festa, mas a vida é assim mesmo, nem sempre se pode ficar até ao fim.
O Jorge Rosmaninho, um jornalista jovem, alentejano, autónomo e independente, captador de imagens únicas, tão africano quanto África permite a um europeu que o seja, com os valores humanos e solidários sempre estendidos ao sol, muitas vezes picados por mosquitos, daqueles que há por toda a parte, durante anos a fio trouxe-nos o quotidiano guineense e o de outras paisagens humanas africanas por onde deambulou, aqueles onde o cliché não polui.
Num certo sentido, e essa minha dívida para com ele é impagável, os escritos de Jorge Rosmaninho funcionaram como um espécie de alter ego da minha ligação e negação relativamente a África, mais concretamente com a Guiné-Bissau. Pelos caminhos, longos caminhos, do Jorge, que ele colocava na net como vida a cheirar a fresco, eu revisitei uma realidade que atravessei em guerra e a fazer a guerra, obrigado pela época em que a minha juventude teve o azar de encalhar. Ali gastei ingloriamente, contrariando a história, dois daqueles que deviam ser os meus melhores anos. Essa marca de revolta, pessoal e política, mais a desilusão dos descaminhos na concretização do sonho de Amílcar Cabral, descapacitaram-me de voltar a pisar o chão guineense. Lendo o Jorge Rosmaninho, eu fui conseguindo equilibrar este não estar e lá estar, olhando gentes e bolanhas que me ficaram agarradas aos olhos, à pele e ao sentimento. E agora?
Boa sorte, Jorge. E não te esqueças de recomeçar, emitindo a partir dos teus novos acampamentos.
Um abraço na companhia de um obrigado.
Ainda o Holocausto não se tinha inscrito em toda a dimensão na consciência do Mundo e uma nova realidade despontava, impossível de desmentir: nos vencedores, numa das potências emergentes, aquela que tinha prometido construir o homem novo, corria um processo simétrico de humilhação, maldade e degradação humana. Depois da publicação do Arquipélago Gulag apenas a ignorância, o isolamento cultural e político, alguma circunstância que faz com que a história se desenvolva, em lugares periféricos, em contra-ciclo, sem que os actores envolvidos disso se apercebam, pôde impedir o isolamento da União Soviética e a exposição do comunismo soviético como fraude, criminoso embuste. O tempo passou. Um imenso manancial de informação ficou disponível sobre o Holocausto. As melhores consciências da Europa e do Mundo, denunciaram-no. O povo alemão erigiu, em Berlim, um Museu do Holocausto e um monumento que perpetua esse momento que é um vazio de horror e de espanto na nossa história contemporânea. Mas o Gulag continua desconhecido. Os principais escritores do Gulag, Soljenitsine incluído, são desconhecidos entre nós. Nas boutiques de livros o Arquipélago Gulag é desconhecido. Não estou seguro que ele tenha sido inteiramente editado em Portugal. Varlam Cholomov, Eugenia Guinzberg,o livro de Robert Conquest sobre o Grande Terror, Man is Wolf to Man de Janus Bardach e Kathleeen Gleeson e tantos outros, são desconhecidos aqui, onde não se detecta nenhum interesse no tema e o PC local cometeu a proeza de ousar, há uns anos e a pretexto de uma efeméride da II Guerra Mundial, reabilitar Estaline. E no entanto o Gulag não representou, em termos de sofrimento humano, menos que a barbárie nazi. O Gulag era o fim de um processo que se iniciava com a prisão, continuava com o interrogatório, o espancamento e a tortura sistemática e prolongada, continuava com a viagem e culminava no trabalho escravo no Arquipélago, tudo isto debaixo do pesado silêncio insolidário. O processo de reconstituição da sociedade russa, após a implosão do comunismo e na fase actual do capitalismo não deu tempo para que se formasse um processo colectivo semelhante ao que a Europa teve com a Shoah. É nosso dever civilizacional contrariar o esquecimento, lembrar as vítimas, todas as vítimas, sobretudo as que pereceram no silêncio, as que ficaram sem campa e sem nome.
Domingo, 3 de Agosto de 2008
Pense-se o que se pensar dele e da sua obra literária - e eu nunca fui seu admirador, nem por efeito do Nobel - sem ele, a revelação do Monstro Gulag manter-se-ia ainda evitado por mais tempo do excessivo tempo em que se ocultou no nevoeiro cultivado da memória. Essa dívida é incobrável. Resta, então, o preito incontornável nesta hora.
Há quarenta anos, uma cadeira derrubou um ditador. Embora não tenha acabado com a ditadura, ficou na história do antifascismo.
Sexta-feira, 1 de Agosto de 2008
Diga o autor o que disser que é, isto é escrita fascista. No ódio paranóico que revela para com o regime democrático e na torpeza da provocação reles como forma de combate político. E é caso para se dizer do autor: o que ele quer, sabemos nós.
Fernando Pinto, presidente executivo da TAP, chegou com a imagem de gestor de excelência e foi incensado como um espécie de salvador milagreiro no meio dos negócios de aviação. Terá metido controlo na casa, pese embora a companhia se ter tornado campeã no extravio e perda de bagagens, e foi acumulando elogios que, está para se saber, justificam ou não as suas remunerações principescas. Agora, com o jet fuel quase ao preço da caipirinha, Fernando Pinto só tem prejuízos avultados para apresentar e os furos nos cintos dos trabalhadores para apertar. Esgotaram-se, portanto, os milagres do excelso gestor. Estará na hora de ele voar de volta a terras de Vera Cruz? Ou temos outro jamé, senhor ministro?
Sua Majestade George Topou V, rei de Tonga (Estado do Pacífico Sul), foi coroado. A cerimónia e a celebração custaram 1,6 milhões de euros, verba superior ao Orçamento anual daquele Estado. Estiveram presentes várias casas reais e decerto esta coroação foi uma alegria para os monárquicos espalhados pelo mundo.
É de esperar para ver como reagem os defensores da “causa central”, a da Palestina. E como a imaginação vai funcionar até implicarem Israel e a “culpa judaica”. Ou será que o Hamas já tomou o lugar "de solidariedade" da OLP/Al Fatah?
Carlos Schwarz da Silva, um engenheiro agrónomo nascido na Guiné-Bissau, com ascendências que misturaram sangues das mais variadas origens (caboverdiano, português, judeu, polaco) e que para a Guiné-Bissau regressou, quando jovem licenciado pelo Instituto Superior de Agronomia (Lisboa), para se dedicar à causa do desenvolvimento das populações do país que o viu nascer e que ele ama entranhadamente, sendo tão difícil, ali, onde a pobreza e o atraso dos povos se casaram com o desleixo, o gangsterismo e a corrupção (muitas destas maleitas são o que sobrou das terríveis experiências do “marxismo-leninismo africano”), resistir aos desenganos. E nota-se que, para resistir e persistir, Carlos Schwarz da Silva (“Pepito”, assim lhe chamam os amigos) ainda se ilumina no exemplo e na obra (incompleta, porque interrompida por Spínola, a PIDE e a traição de alguns dos “seus”) de outro agrónomo guineense, Amílcar Cabral.
Num notável texto autobiográfico, agora e aqui editado, Carlos Schwarz da Silva (na foto, tirada pelo seu e meu amigo Luís Graça) como que faz uma síntese da história épico-trágica da experiência da independência da Guiné-Bissau. Sem ponta de dúvida, uma leitura a não perder. A menos que se queira fechar os olhos à África de hoje, a África que os europeus deixaram aos africanos. E, nesta história, queira-se ou não, goste-se ou deteste-se, Portugal, nós, também entra(mos).
Osvaldo Manuel Silvestre narra a sua odisseia no mar dos livros em Coimbra (podia ser nos de Lisboa e Porto que ia dar ao mesmo) para conseguir, não conseguindo, as obras de Jorge Luis Borges. E conclui assim, certeiramente, sobre as “boutiques de livros” em que as livrarias se transformaram:
Esta é evidentemente uma história sem moral, a menos que admitamos que a «alta rotação» que define hoje o capitalismo livreiro se possa candidatar a «moral da história» (talvez com maiúscula, no sentido hegeliano do «fim da História»). As livrarias não têm hoje espaço para Borges - devolvem-no passados x meses ou ficam apenas com uma ou outra relíquia - porque têm de o ter para os livros sobre Maddie McCann ou a palpitante vida íntima de Salazar (ou as estreias na «ficção» de Bagão Félix, Nuno Rogeiro, etc.). Seria talvez altura de mudar o nome do local onde estas coisas ocorrem, e que cada vez menos está à altura dos significados que historicamente se acolheram a «livraria». Julgar-se-ia que sofás, cafés, etc., ajudariam a que as livrarias pudessem permanecer o local onde nos relacionamos com objectos que passam a mobilar a nossa vida mais íntima, mas a essa ilusão o capitalismo livreiro actual já deu bastas respostas desmitificadoras e desmistificadoras. Estamos, também aí, completamente secularizados, ao que parece. Aliás, em perfeito acordo sistémico com as alterações arquitectónicas que se apoderaram de muitos desses espaços, seria desejável, e sobretudo justo e verdadeiro, passar a chamar-lhes boutiques de livros. Ou lojas de conveniência.