Todo o argumentário é conversa circular, seja sobre a bondade imperiosa das reformas, ou sobre o estoicismo da ministra, ou ainda quanto a quem manipula quem, sequer acerca das legitimidades comparadas entre a rua e o voto, quando ficou comprovado que a maioria dos professores está contra o Ministério da Educação e radicalizada no nojo. Como não há Ensino sem ministério nem sem professores e alunos, não se podendo despedir a maioria dos professores, quem se pode despedir? Para que haja o mínimo: Ensino.
Obviamente que, pelo que vi e ouvi da maioria dos “manifestantes” entrevistados pela rádio e pela televisão, como pelos discursos dos sindicalistas e pela alegria alarve de uns tantos que foram “manifestar solidariedade” para com os professores, é uma vil tristeza fazer-lhes a vontade. Mas, em política, o que é, tem de ser. E a equipa ministerial deve pagar o preço político penalizador por ter conseguido a proeza de ganhar a animosidade da maioria dos professores, demonstrando uma incompetência altamente eficaz. Porque, no fundo, foi a Ministra que fez “encher a rua” com aquela gente que, para mal dos nossos pecados, são parte importante dos que temos a ensinar. Não tirar a lição política devida para não ceder à “rua”, é alimentar a “rua”, para alegria de sindicalistas, oportunistas partidários e “professores rasca”. Com mais arruadas, sem Ensino.
É uma delícia assistir-se às formas como por cá se vivem as “primárias” dos States. Com confluências bué de fixes:
Rui Pereira não demorou a dar razão a Jerónimo de Sousa. Confirmando que fazem mal, muito mal, os que não escutam a voz da classe operária.
Um partido que governe com maioria absoluta dificilmente desce abaixo dos 37% a 40%.
(...)
É evidente que gostaria que o PSD estivesse à frente nas sondagens mas isso não seria compatível com aquilo que merecemos. Nós ainda não merecemos estar claramente à frente do PS nas sondagens.
(...)
Lidero um partido que tem dificuldades de ganhar eleições em Portugal, comigo ou com qualquer outra pessoa, porque está estruturada uma dialéctica de confronto democrático que favorece o espaço socialista.
· Felicitações pelos aniversários de três ilustres blogues de “referência”: o de Rui Bebiano, o de Marco Oliveira e o da equipa blasfema.
· Agradecimentos às menções considerantes encontradas neste e neste.
O maoísmo não massificou as mentes dos seus seguidores a ponto de não se conseguir distinguir um que o seguiu de outro que também o tivesse seguido. O que significa que se mesmo aquela formatação ideológica não conseguiu clonar intelectos e talentos então é porque a salvação dos intelectuais é deste reino. Leiam o “Público” de hoje e confirmem-no. Não está melhor nem pior, está diferente. Muito. Com JPP como timoneiro, todos os malefícios preversos do jornalismo desapareceram por um dia. Mas de uma forma tão subtil que ainda bem que nos avisaram que, hoje, o director foi ele.
Pior que mil professores convencidos que são mais reguilas que o mais reguila de todos os seus alunos juntos, obedecendo ao SMS em que o Sindicato os manda irem para a praça mais próxima levantarem guardanapos brancos para chumbarem a ministra, é, para a senhora ministra, ter Walter Lemos como secretário de estado.
Já aqui o referi quando estava em meia-leitura, mas o romance recentemente publicado da autoria de Cristóvão de Aguiar (*), agora com fruição completa e digerida, justifica que retome a meditação partilhada sobre ele.
Uma primeira observação vai para o fenómeno de, finalmente, estar a despontar uma literatura que lustre a memória de um período marcante na história recente portuguesa, a da guerra colonial. Uma guerra que marca grande parte da geração mais velha da sociedade portuguesa e que, pelo tabu instalado (um misto de resguardo psicológico dos que intervieram na guerra e um mecanismo defensivo perante a agressividade dos estereótipos políticos e históricos associados à querela sobre o “ultramar”), com o peso auto-censório de centenas de milhar de silêncios armazenados, não foi partilhado - sujeitando-se, inclusive, ao seu juízo crítico -, com as gerações hoje activas que tiveram a graça merecida de viverem e serem agentes do poder social sem conhecerem a ditadura e a guerra. E este hiato que perturba a ligação histórica e cultural entre gerações não é nada bom para a sanidade convivial que deve suportar a solidariedade do tecido social que, pesem as diferenças de idade, ou se fortalece ou se rompe com efeitos comuns desde o mais velho ao mais novo. E que a ultrapassagem do fosso testemunhal seja feita por via da literatura parece-me óptima estratégia. Nada como ter a estética a ajudar a recomposição ética de um povo.
Literariamente apreciado, o pequeno romance de Cristóvão de Aguiar constitui um prosar de primeira água. A escrita do autor ilhéu, em que as raízes açorianas parecem sair em cada ramo de escrita, aliando-se a uma leitura cristalina de absorção da realidade guineense no ambiente bélico imposto, com a sua hierarquia própria nas escalas dos medos, do falar, do erotizar, do guerrear, do gerir as regras castrenses mal adaptadas à vivência miliciana, no cenário de um povo enxertado na guerra com armas e a morte nas mãos, é segura e de mestre no domínio da escrita e da sugestão. Assim, além do tema, o livro vale literariamente por si, como excelente romance que é.
O livro de Cristóvão de Aguiar reflecte a perspectiva do oficial miliciano que foi à guerra levando na bagagem a politização adquirida nas lutas estudantis (no caso dele, no início da década de 60 na Universidade de Coimbra) e que fizeram, para muitos, Salazar “cair da cadeira” antes do trambolhão que fisicamente lhe foi fatal. Assim, só podia ser fruto de um olhar a guerra, não segundo os padrões da mobilização que ali o levaram, mas segundo o paradoxo, por tantos partilhado, de se fazer a guerra pelo lado errado. E, em literatura, os paradoxos, enriquecendo personagens e situações, germinando absurdos, são, normalmente (assim haja talento), um excelente filão para o desfiar literário. Cristóvão de Aguiar deu muito bom uso a esta boa boleia de inspiração.
Pelo facto de Cristóvão de Aguiar ter feito a guerra na Guiné na sua primeira metade, o olhar reflectido sobre os oficiais do quadro é datado (o que não retira qualquer mérito, pois cada fase é uma fase). Na “sua” altura, ainda os oficiais do quadro, insuficientemente claudicados pelas comissões sucessivas e pela falta de evidência da derrota à vista, transportavam os ademanes da basófia castrense, o apego ao discurso patrioteiro, a cegueira alienada perante a estupidez daquela guerra. Tivesse ele lá batido com os ossos na metade final, a metade do desgaste e do desespero, e encontraria os mesmos ou outros garbosos militares de carreira, nos que tinham contacto com o fogo real, numa outra atitude e já em semi-cumplicidade com o discurso miliciano contra a guerra. E sairia, provavelmente, um outro romance, o romance que ele não pode escrever por o não ter vivido. Mas se, a uma primeira leitura, o livro parece injusto para com os oficiais profissionais que, afinal, resolveram matar a ditadura, matando o colonialismo, é bom que se encontre um retrato fiel do tempo em que o regime tinha trela bem curta a conduzir as vagas de oficiais que a Academia Militar ia debitando para alimentar uma guerra que, então, se pensava em ganhar. Trela que só o tempo desgastou até se partir. E muito pelos efeitos somados dos milicianos politizados nas crises estudantis, como o autor e tantos mais, que foram pacientemente demonstrando aos castrenses encadernados os absurdos guerreiros, cada vez mais mortíferos e mais patéticos, daquela guerra sem tino, nem ideal, nem sequer ponta por onde se pegasse, antes recheada de pontapés no rumo da história.
Literatura da melhor, o romance de Cristóvão de Aguiar é, também, um contributo precioso à recomposição das memórias, sendo uma ponte entre gerações que deviam estar fartas de que tantos silêncios sejam pontos brancos na comunicação sobre o valor da democracia e que comporta, como aferição, a ideia precisa sobre os tempos em que a ditadura colonial fardava as suas gentes para que a estupidez triunfasse aos tiros e à morteirada.
(*) - "Braço Tatuado", Cristóvão de Aguiar, Edições Dom Quixote
Imagem de cima: Otelo Saraiva de Carvalho, quando pertencente ao staff militar de Spínola na Guiné, observa um míssil apreendido e igual aos que o PAIGC utilizava para bombardear os quartéis portugueses.
A Igreja Católica em Espanha anda agitada, dividida e agressiva. Na eleição entre bispos para a presidência da Conferência Episcopal Espanhola, o presidente em funções, Ricardo Blázquez, bispo de Bilbau, perdeu por dois votos de diferença a favor do chefe de fila do sector mais retrógrado dos prelados católicos, o cardeal arcebispo de Madrid, Antonio María Rouco Varela, de 71 anos de idade e que irá agora comandar a hierarquia espanhola até 2011.
As transformações operadas em Espanha com o governo do PSOE, com profundos reflexos em aspectos sócio-culturais, excitaram a Igreja Católica que dificilmente suportaria a mudança, embora gradual, de um anterior regime de que era esteio e referência, o franquismo, para um regime assumidamente laico e disposto a modernizar Espanha nos costumes e na cultura. O que levou os bispos espanhóis, sob anterior comando de Ricardo Blásquez, a tomarem descarado partido na pugna eleitoral, apostando na substituição do PSOE pelo PP à frente do governo.
Na perspectiva de Zapatero voltar a ganhar as eleições, com as sondagens a isso indicarem de uma forma cada vez mais confirmada, e com a hierarquia católica a rumar ainda mais à direita e sob a batuta de um radical da luta contra o regime laico, adivinha-se o aumento da intensidade da crispação com a religiosidade a funcionar como arma de arremesso da direita espanhola contra o governo socialista. E Rajoy bem poderá invocar, em seu abono, na noite da sua próxima derrota eleitoral que, se perdeu na contagem dos votos dos eleitores, ganhou nos votos das sacristias trazidos pelos bispos da direita clerical.
Imagem: Os dois pugnantes na luta pelo poder entre os bispos espanhóis: à esquerda Blásquez e à direita Rouco, este o vencedor e o mais extremista.
Atendendo à diminuição do tamanho dos calções relativamente ao modelo original, percebe-se porque os de agora que usam aquele mesmo emblema, jogam tão mal e com tanta facilidade ficam balhelhas. Haverá muito menos dentro para resguardar do pudor do estimado público.
Imagem: Foto da equipa gloriosa dos primórdios, roubada a um estimado consócio que sofre, como eu no sul, no sossego da Guarda. Repare-se nos calções do atleta em pé do lado direito, um misto de calção e avental, e entenda-se como e porque, então, se jogava com alma até Almeida. Ou seja, com mística. É que os calções não enganam.
Saramago anda a dar mau uso ao cartão. E, desta forma, há vislumbre de um caso sério de, com rombo na coerência do centralismo democrático, um controleiro distraído ou incompetente estar a estragar a eficácia da pirâmide leninista que actua no espaço peninsular. Portanto, a pedir, merecendo, que funcione a guilhotina da "renovação".
Penso que o Sporting, num jogo livre da pressão da luta pelo 4º lugar, tem todas as condições para atingir o objectivo de Paulo Bento de chegar à final da Taça de Portugal.
Cavaco Silva quando instado pelos jornalistas, neste fim-de-semana, a pronunciar-se sobre a “crise na educação” reagiu com sagacidade. Apelou ao diálogo, parte formal, mas vincou dois traços que, na algazarra, parecem estar a passar ao lado do confronto: a profunda promiscuidade partidária do género “quem interfere mais?” com que as oposições acirram a crispação entre professores e governo; a responsabilidade dos pais em intervirem na problemática do ensino, tornando-se parte das soluções e do rumo das mudanças.
Quanto à partidarização da luta dos professores, num arco vermelho-azul-laranja, ela é tão evidente que não vale a pena acrescentar o quer que seja. Já o relativo vazio de se ouvir as vozes dos pais, o assunto será menos perceptível.
Todo o problema actual na educação, havendo efectivamente um problema e não pequeno, é passado para a opinião pública como uma ofensiva agressiva contra os professores, assistindo-se agora à reacção das vítimas. Como se a escola se reduzisse ao binómio ministérios-professores, desaguando num problema laboral entre as partes. Esta concentração de protagonismos, gerada pela arrogância ministerial e pelo enorme poder corporativo acumulado pelo sindicalismo do ensino, indica que as escolas existem para o ministério ditar sentenças e os professores reagirem, como se a escola fosse um mero local de trabalho cuja finalidade é dar emprego aos professores. Neste afunilamento, o ensino afasta-se do conceito de serviço público, perdendo-se a perspectiva que a escola serve os alunos, os “clientes finais”, ensinando-os, com a obrigação de os ensinar bem, cada vez melhor.
Se os sindicatos se mexem com o maior frenesim, estando no seu papel, se os partidos da oposição se imiscuem e inventam todas as boleias possíveis e imaginárias para o avolumar das crises, não recuando perante as mais espantosas alianças, se os fiéis do partido no poder assistem passivos e coniventes na esperança que a ministra se desenrasque e a borrasca passe, o que fazem os representantes da parte mais interessada com o estado do ensino (os pais dos alunos)? Numa cultura em que a proximidade, sobretudo a proximidade familiar, é quase tudo e, em questões críticas, mesmo tudo, só pode haver o que há: um enorme défice de responsabilização (além do problema concreto do rebento de casa) e perspectivação colectiva sobre os caminhos do ensino. E é por isso que no cortejo de protestos, manifestações, gritos e arraiais, temos engalfinhados ministra, professores, sindicatos e partidos, mas não temos os pais, ou suficientes vozes dos pais, afastando-se assim os alunos, aqueles que, no concreto, são a razão para haver escolas, professores, ministério, sindicatos, partidos. E é nesse deserto da atomização alimentada pela cultura do exclusivismo familiar, a família como redoma acima e fora da sociedade, que beduínos e tuaregues fazem a festa e o arraial como se o problema, as soluções para os problemas, fosse uma coutada de partes crispadas e especializadas em artes guerreiras, com o objecto das escola, os alunos, a ver as bandas passarem e os exércitos marcharem. Mas são os pais que, ao ponto a que se chegou, podem (e devem) meter ordem na confusão, lembrando quem é servido e quem serve quem. Quererão tanto se incomodarem?
Passados dez anos desde a morte do meu autor preferido, pensava mais nada dele ter para ler. Tinha-me, assim, habituado a que, de José Cardoso Pires, relê-lo fosse a ponte possível com a mais conseguida forma que até hoje encontrei de se prosar o português. Eis senão quando, desenterrado dos papéis do seu espólio, nos salta um “Lavagante” (*) para o prato de leitura, servido por uma recém criada “editora só de editor”.
“Lavagante” é, quanto à carne e ao osso que fazem um livro, pouco mais que um esboço de um grande romance adivinhado. E que, por isso, tem a particularidade de colocar o leitor a ser ele a construir o romance, recheando os andaimes fornecidos. Esboçado na década de 60 do século passado, José Cardoso Pires sabia que, naqueles anos de chumbo censório, o romance não era publicável e terá sido por isso que assim o deixou estar. Nos tempos em que os estudantes universitários acordavam e metiam paus na engrenagem da modorra das passagens de testemunho para que o bolor salazarento se eternizasse, em que os repressores atentos eram homens sem sono, em que os costumes rebentavam pelo não poder ser mais assim, em que, no meio de tantas correntes de ar e correrias, a mulher burguesa e portuguesa era quem mais ganhava em dimensão de autonomia que as oportunidades ofereciam, muitas vezes quedando-se no fascínio do tanto que mudava e que fazia suar quem queria tapar panelas a ferver por todo o lado, o lado feminino português, o frenesim da sua mudança, só não fascinava o mais distraído. Lapso esse para o qual Cardoso Pires tinha saber de cátedra para lhe escapar. Olha quem. E é assim que, de dentro das páginas poucas do “Lavagante”, nos salta essa figura admiravelmente retratada, a enorme Cecília. Demonstrando que um romance inacabado pode conter uma das figuras mais sólidas da nossa boa literatura. Coisas do Zé Cardoso Pires. Só mesmo dele.
(*) – “Lavagante”, José Cardoso Pires, Edições Nelson de Matos.
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