Sobre o qual (*), comovidamente, só posso concordar com Victor Rui Dores (aqui citado):
Anti-heróis, inadaptados numa guerra onde o que conta é manter-se vivo, as personagens (humaníssimas) deste livro entregam-se com sinceridade a contar o tempo que lhes falta para o definitivo adeus às armas, aguardando, com impaciência, que o navio Uíge ("em sua colonial majestade" - pág. 131) os transporte de regresso a Portugal.
Como aspecto positivo da guerra, ficarão apenas as amizades que se construíram, as cumplicidades que se aprofundaram, as experiências de grupo que se viveram.
De salientar que Cristóvão de Aguiar percepciona a guerra não só sob o ponto de vista de ex-combatente, mas também na perspectiva do próprio povo africano, afinal tão vítima como nós dessa guerra escusada e inglória. Os portugueses lutavam pela sua sobrevivência, tal como os guerrilheiros do PAIGC lutavam pela sua libertação. Há aqui um olhar humano e uma consciência crítica sobre o logro da guerra colonial.
Escrito com desenvoltura narrativa, “Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial” é um murro no estômago. Urge lê-lo, sabido que é curta a memória dos homens.
(*) – “Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial”, romance de Cristóvão de Aguiar, Edições Dom Quixote
Dois vultos angolanos e dois rebeldes, perante o colonialismo e face ao despotismo de Agostinho Neto, faleceram quase em simultâneo. A elite angolana, com a perda de Joaquim Pinto de Andrade e de Gentil Viana, ficou mais pobre ao perder duas referências patrióticas mas críticas, aquelas que mais sementeiras produzem no terreno de um povo a construir-se como nação. Numa época em que virou moda pedir desculpas por erros que a história engoliu e já mastigou, seria bonito que o despotismo poderoso do MPLA pedisse desculpa aos angolanos (e ao mundo, pelo menos ao lusófono) pela forma como maltratou e deitou borda fora os contributos e méritos destes dois patriotas que quiseram construir a angolanidade pela via da criatividade no plural, não a dos povos angolanos a uma só voz, a do monolitismo do quero-posso-mando, mas pelo caminho da riqueza de muita vozes na construção de uma só Angola.
A consultar: este post do prezado companheiro Eugénio Costa Almeida.
Julgo que Guiledje (no sul da Guiné-Bissau) foi o “alcácer kibir” da guerra colonial portuguesa (1961-1974), como prova prática da eminência de a derrota militar dos portugueses estar à vista (na Guiné e, por efeito dominó, nas restantes colónias). E essa evidência terá contribuído decisivamente para que os oficiais de carreira, os de média e baixa patente, face ao autismo suicida do poder da ditadura, nos tenham mudado o regime. Neste sentido, de forma simbólica, poder-se-á dizer que foi o drama de Guiledje (onde, em guarnições sucessivas, centenas de militares portugueses serviram de mártires forçados à teimosia colonial em que Salazar cismou e Caetano prolongou, enquanto outras centenas de jovens guineenses, no “outro lado”, deram vidas e muitos esforços para concretizarem o sonho de Amílcar Cabral) que devolveu a democracia e a liberdade aos portugueses e acelerou o acesso à independência de vários estados africanos.
Entre 1 e 7 de Março, numa iniciativa guineense, vai realizar-se uma espécie de “reencontro” entre antigos militares portugueses e guineenses que vão regressar a Guiledje numa reconciliação, sem armas e com muito afecto, recordando e partilhando dores escondidas que acumularam nas memórias por aqueles que estiveram nos dois lados daquela barricada absurda que dividia o que sempre devia estar unido.
Nota: O “Correio da Manhã” de hoje dedica um apontamento a esta iniciativa. Inclui um excerto deste meu post (datado de Abril de 2004) que dediquei à experiência das minhas passagens por Guiledje quando esta praça militar ainda era um ponto de presença, sujeito a permanente flagelação pelo PAIGC, da soberania colonial portuguesa com as unhas agarradas ao chão guineense.
Imagem: Guineenses independentistas manifestam-se exigindo a extinção da polícia política portuguesa (PIDE/DGS) que prendeu, torturou e assassinou milhares de africanos desejosos de se libertarem do colonialismo. A PIDE/DGS era a face “mais suja” da opressão e repressão colonial. Era a ela que os militares portugueses entregavam os prisioneiros feitos em combate para o “tratamento adequado” a aplicar aos lutadores pela independência dos seus povos.
Estou como diz d’Oliveira:
Estou farto de assistir ao vergonhoso espectáculo dado pelos resquícios políticos de partidos que se auto-intulam de esquerda e que convidam as FARC, fazem a sua apologia, distribuem os seus comunicados e se babam à simples menção do nome do seu chefe, um ex-padre conhecido por "Tiro fijo".
Estou farto de ver que ninguém condena esta gentuça que, do conforto da vidinha num país democrático, apoia freneticamente os gangsters da selva colombiana.
É preciso começar a considerar estes canalhas como cumplices objectivos das FARC, do mercado da droga, dos raptos por dinheiro, dos assassinatos, da exploração selvagem dos camponeses colombianos.
Porque há limites ultrapassados nesta sujeira, a “cunha” aos cúmplices das FARC, sendo ironia, funcionará apenas para eles se rirem.
Para alguns, o resultado é tudo, a validade universal das regras de livre escolha são quase nada. Na União Europeia, o povo "esclarecido" de Chipre compatibilizou "essa coisa" dos votos – sistema enganador em que se escolhe normalmente quem não se deve e se atrasa a revolução - com a marcha única e obrigatória da história. Assim e muito excepcionalmente, quando se elegem os “nossos”, a democracia merece parabéns. Porque sabe bem quando se dá a mera coincidência de a democracia ter razão.
A figura da Senhora Supico Pinto (*), pelo relevo e poder de intervenção que teve, pertence ao lote dos maiores anacronismos do salazarismo-marcelismo. Anacronismo este que é eminentemente paradoxal na medida em que se houve alguém que tivesse interiorizado todos os valores do regime moldado por Salazar (e mais alguns, na medida em que a senhora não só era uma “ultra” como pertencia à corrente monárquica dos apoiantes de Salazar), incluindo os excessos da radicalidade mais atávicos na ideologia do Estado Novo, foi esta figura de proa na fase final do fascismo colonial e clerical à portuguesa. De facto, um poder exacerbadamente entendido como coutada masculina e profundamente misógino, em que as mulheres não podiam ser magistradas nem diplomatas, não podiam viajar para o estrangeiro sem a companhia do marido ou então apenas com sua expressa autorização, em que nunca alguma dirigiu um ministério, onde o seu lugar consagrado era como “fada do lar”, essencialmente reprodutora e garante da continuidade cultural beata que era o principal sustentáculo ideológico do regime, o protagonismo e influência da Senhora Supico Pinto foi uma formidável excepção. Tamanha que se na fase da consolidação do regime, quando da sua fascização (muito inspirada em Mussolini), a grande figura da retórica propagandista justificativa foi António Ferro, a fase de mobilização (pelo caminho assistencialista aos militares em combate) no apego à causa de Portugal colonial, durante os treze anos de guerra colonial (1961-1974), pertenceu à presidente do Movimento Nacional Feminino.
A excepcionalidade muito especial da figura da Senhora Supico Pinto, sendo ela uma mulher líder e forte num regime de homens, uma das mais tenazes figuras na defesa da guerra colonial e no seu prolongamento até ao limite dos limites, o que lhe dava - como guerreira-mor - um estatuto de afirmação viril que se impunha a Salazar e aos seus apaniguados, particularmente entre os castrenses, justifica que seja estudada e entendida, ela mais a forma como o regime lhe deu palco e poder. Assim, o livro recentemente editado com a biografia da Senhora Supico Pinto e da autoria de Sílvia Espírito Santo (**) é não só oportuno como um auxiliar precioso no entendimento do regime falido em 1974. Mas se o desafio era estimulante e a investigadora lhe respondeu com afinco, honestidade e mérito, pena foi que não tenha resistido ao fascínio, polvilhado de condescendências várias, pelo tamanho da figura biografada (para o que, provavelmente contribuiu o facto de o “esqueleto” do livro ter sido a entrevista com a biografada, ainda viva e lúcida). Julgo que faltou no trabalho de Sílvia Espírito Santo a capacidade de enquadrar a figura e a sua acção no quadro concreto dos interesses em jogo, aqueles que, afinal, explicavam a “teimosia” de levar a guerra colonial até ao limite do beco sem saída. E que no caso concreto da Senhora Supico Pinto, foram não só por demais evidentes como são a chave da (aparente?) excepcionalidade da sua afirmação num regime hiper machista: o facto de o marido ser um dos pilares políticos do regime e ter interesses concretos e vastos na economia colonial, e nesse sentido a Senhora actuar entre homens com os galões emprestados pelo cônjuge, um homem forte de Salazar, assim como a defesa estremada da guerra colonial não seria alheia ao bom tento na prosperidade das finanças familiares. E aqui, provavelmente, a afectividade de identificação feminina entre a autora e a biografada tenha, lamentavelmente para a profundidade da obra, ajudado a apagar de mais o verdadeiro criador da figura (além da co-autoria atribuível a Salazar) – o seu silencioso e poderosíssimo marido, tão poderoso e tão “injustamente” (numa injustiça propositada) apagado no livro [apagamento que a Presidente do Movimento Nacional Feminino representou bem (tão bem que ainda hoje engana, como terá sido o caso de Sílvia Espírito Santo) que, obviamente, tal fazia parte do guião do seu papel].
(*) – Cecília Supico Pinto, esposa de Luís Supico Pinto, uma figura política grada do regime de Salazar (Ministro da Economia, Presidente da Câmara Corporativa), que se destacou, durante a guerra colonial (1961-1974) como presidente do Movimento Nacional Feminino, organização que além da defesa ideológica da guerra colonial prestava assistência aos militares e suas famílias. Era designada, num tratamento que ela própria promovia, por Cilinha. O casal Supico Pinto era accionista de várias empresas integradas na economia colonial (Moçambique e Angola) e nas quais Luis Supico Pinto desempenhou cargos nas administrações.
(**) – “Cecília Supico Pinto, o rosto do Movimento Nacional Feminino”, Sílvia Espírito Santo, Edições “a esfera dos livros”.
Nota Final: Aos meus (apenas dois) contactos com o Movimento Nacional Feminino e a Senhora Supico Pinto, durante o tempo em que fui combatente na guerra colonial na Guiné, dediquei um post (este, escrito e publicado há quase quatro anos). O livro de Sílvia Espírito Santo transcreve, desse post, uma passagem truncada (pg 143). Lamenta-se que o pudor pelo uso do palavrão (típico do universo cultural da comunicação entre militares quando em situações extremas do absurdo da guerra) por parte da autora tenha desvanecido e semi-adulterado o sentido do que escrevi, tanto mais que o antagonismo radical entre os milicianos anticolonialistas e o MNF só se podiam exprimir por excessos: o MNF denunciando-nos à PIDE, os milicianos a desopilarem revoltas e considerações menos que poucas. Mas só resta respeitar as opções de quem escreve e transcreve. E, além do mais, com o pudor das senhoras não se brinca. Mais difícil explicar é que a autora, para esta transcrição, tenha referido o link para o blogue mas sem indicar a respectiva, e assumida, autoria. É que nem todos os blogues são clandestinos ou anónimos. Este nunca foi uma coisa ou outra, sendo tarde para em tal coisa se querer disfarçar.
Por razões que se compreendem, os laços internacionais da CGTP-IN são os mais opacos e os que menos curiosidade pública despertam entre o conjunto da actividade desta central sindical. Mas são, a par da organização e calendarização de acções de rua, os que melhor reflectem o controlo apertado que o PCP exerce sobre a actividade da CGTP. Porque, em termos de política internacional, não há preocupação de disfarce “unitário” e a CGTP limita-se a copiar as posições do PCP, numa versão sem matizes do “internacionalismo proletário” concebido pelo marxismo-leninismo de cordel elaborado na Soeiro Pereira Gomes de que, semanalmente, o “Avante” é um exemplar repositório grotesco.
O último congresso da CGTP confirmou que, em termos internacionalistas, ali a mudança é sempre para pior, para o inconcebível. Lendo-se a “Moção sobre Paz e Solidariedade Internacional” aprovada e o discurso da nova responsável pelas relações internacionais da CGTP (a estalinista serôdia próxima de Jerónimo, Graciete Cruz, que substitui agora o “reformado antecipadamente” Florival Lança), os traços do posicionamento internacional da CGTP são um decalque da orientação geo-estratégica do PCP. Se em Cuba, os sindicatos há muito se transformaram em órgãos burocráticos de apoio ao regime ditatorial, sendo parte constituinte dos aparelhos partidário e de Estado e visam exclusivamente impor metas de produção aos trabalhadores, estando aprisionados todos os sindicalistas independentes cubanos, a CGTP, em vez de exigir o respeito pela actividade sindical independente e reivindicativa, a melhoria das condições paupérrimas da maioria dos trabalhadores e a libertação dos sindicalistas presos, a “solidariedade com Cuba”, entendida como apoio incondicional ao regime castrista, é o que a CGTP tem a dizer sobre a realidade laboral cubana. Se a China é hoje um expoente máximo da exploração dos trabalhadores e da liquidação de vestígios de acção sindical, a CGTP cala-se porque consente. Se duas das três organizações sindicais mundiais evoluíram para uma nova e fundida organização internacional, a CSI (Confederação Sindical Internacional), como forma de responder sindicalmente aos desafios da globalização, mas porque ficou de fora do projecto a moribunda FSM, antes controlada por soviéticos, a CGTP recusa-se a concretizar a sua adesão (quando, antes, participou na preparação da sua criação), desperdiçando a oportunidade de uma concertação necessária dos trabalhadores num mundo empresarial em que a localização e a deslocalização são a rotina capitalista globalizada. Entretanto, a União Europeia não só é recusada como é tratada nos mesmos moldes de nojo e insulto com que é vista no PCP. E ainda sobra solidariedade para com os bombistas do Iraque e os tallibans do Afeganistão nas suas lutas “anti-imperialistas”. E para a Palestina, admitindo-se assim que a gente do Hamas é olhada com simpatia na Victor Cordon. E nem uma linha, uma palavra sequer, que perspective a integração factível, porque realista e responsável, de novas formas de solidariedade sindical internacional entre trabalhadores para responderem aos desafios da transformação social e empresarial que o mundo, a cada minuto, coloca como repto aos sindicatos capazes, ou incapazes, de darem corpo a um novo sindicalismo. Porque, na colagem da CGTP ao PCP, os trabalhadores são pretexto e o Partido é a meta para que trabalha a "alavanca", mandando quem manda e obedecendo quem foi ensinado a obedecer.
Ando no bloganço desde Setembro de 2003. Depois de uma passagem pelo servidor blogger.br, de que não restam sequer os vestígios arqueológicos, migrei em Fevereiro de 2004 para o blogs.sapo.pt e aqui continuo. As primeiras edições foram complicadas no uso deste servidor, pois ele não só era pouco prático, como tinha frequentes situações off-line e, passado pouco tempo, esgotava a capacidade de armazenagem, o que obrigava a frequentes transferências para uma nova versão de blogue.
Como muito na vida, a sapo.pt foi melhorando e ultimamente apresenta-se servida por novas funcionalidades e com uma equipa dinâmica, criativa e orientada para servir o cliente (apesar de ser um serviço gratuito, incluindo a armazenagem de imagens). Provando que, também na blogosfera, o “nacional” pode ser bom. Em função desta nova dinâmica e pró-actividade dos colaboradores “batraquianos”, vários têm sido os blogues que se têm transferido para o “sapo”, tanto mais que a migração se pode fazer sem qualquer perda do conteúdo acumulado no outro servidor.
O “Água Lisa” foi agora sujeito a um up-grading, no seu design, na sua legibilidade e pela incorporação de todos os textos publicados nos vários blogues desde Fevereiro de 2004 que passaram a estar incluídos nos “arquivos” (os publicados no “Bota Acima” e nas várias versões do “Água Lisa”), compactando-se os conteúdos. A mudança agradou-me e espero que o mesmo aconteça com os “clientes finais”, aqueles que nos visitam. Fica o registo do meu agrado com felicitações à equipa do “sapo” pela eficiência, rapidez e simpatia que deram prova.
A corrupção está na conversa do dia. E no meio dela, o que ressalta é a actual incapacidade do Estado em enfrentar a peste, definindo uma estratégia que lhe faça mossa grossa. Mas o que se não entende, dificilmente se combate. De tal modo que a conversa sobre a corrupção tende a tornar-se redonda, enrolada e generalista, tanto que até parece coisa abstracta, intangível, fatal como o destino.
Há dias poucos, julgo que intervindo no congresso da CGTP, Carvalho da Silva relacionava o aumento da corrupção com a persistência do subdesenvolvimento. Fez-se assim eco de uma receita de sociologia vulgar, género marxismo miserabilista, em que o crime é apresentado como uma consequência directa da miséria e da carência. Ou como apanágio do instinto de sobrevivência dos desfavorecidos. Quando é evidente que se o subdesenvolvimento gera a pequena e média corrupção e crime, o desenvolvimento incita à grande corrupção e crime, desenvolvendo a sua sofisticação adaptativa, tanto mais que o potencial de receitas aumenta.
Para não sairmos da Europa, um dos seus Estados mais poderosos (e desenvolvidos) é porventura a nação da mais persistente, entranhada e sofisticada corrupção. Falo da Itália, com os seus bastiões do crime organizado (e crime socializado) no Sul da Península e na Sicília, onde poderosas organizações do crime e da corrupção actuam em redes autónomas em Nápoles, Calábria e Sicília. Estas organizações (complexas, do género de “Estados paralelos”, fundidas com as culturas locais) nasceram com a formação do Estado italiano e foram-se desenvolvendo, recuperando de todos os golpes que sofreram, acompanhando o desenvolvimento italiano e entranhando-se de Sul a Norte até penetrarem (por vezes, controlarem) os orgãos de soberania (os locais e os centrais). E demonstraram a sua capacidade exportadora, aproveitando a vaga da enorme colónia ítalo-americana, de forma a serem pilares fundamentais do crime organizado e da corrupção nos Estados Unidos, mantendo estruturas paralelas mas aliadas, que, aliás, alimentam hoje um dos negócios internacionais mais lucrativos (o tráfego de droga).
John Dickie, historiando a máfia siciliana (*), clarificou não só a plasticidade da criminalidade organizada, que dirige a corrupção, se adaptou admiravelmente às enormes mudanças na sociedade e no Estado italiano, como ainda demonstrou que a sobrevivência da máfia, partindo de um banditismo local e espartilhado, soube evoluir e adaptar-se ao crescimento económico e social italiano, sofisticando-se, adaptando novos estádios culturais e novas formas de aliança. Partindo de um nível básico de extorsão e corrupção na fase da miséria siciliana, a máfia acompanhou a fase exportadora de citrinos e a exploração de minérios, o boom da construção civil e das obras públicas, as ajudas económicas para o equilíbrio norte-sul, adaptou-se a todos os cenários repressivos, judiciais e partidários, minando e roubando onde o dinheiro aparecia. E, além de uma década em que a justiça italiana parecia estar perto de estancar a máfia, a organização acabou por só sofrer, na sua história, dois factores adversos que ameaçaram a sua existência: a fase do regime fascista italiano (em que o banditismo da máfia colidia em concorrência com o banditismo fascista) e a natureza intrínseca de desenvolvimento de rivalidades internas em que, volta e meia, decidem assassinarem-se uns aos outros.
O livro de John Dickie, disponível em tradução portuguesa, ensina-nos mais sobre corrupção e crime do que as horas intermináveis consumidas em enfadonhos debates, discursos e interpelações sobre o tema, em que, da abertura ao fecho, pouco ou nada se progride, parecendo conversa de “rosca moída”. Porque também aqui muito se aprende com os “universitários”, no caso, os do crime. Em particular, ajuda a entender como as justificações e explicações sociológicas de almanaque dos pobrezinhos é, em si mesmo, um precioso auxiliar da grande vigarice organizada. Quanto à máfia siciliana, John Dickie aponta dois aspectos que deviam dar que pensar: quando a corrupção é estigmatizada em generalizações em que entram todos (do género: “são todos iguais”), a organização criminosa adquire um poderoso efeito de diluição que lhe permite o à vontade de movimentos; quando se folcloriza o problema, desencantando as tais explicações justificativas, o crime acaba por adquirir uma cortina que impede de focalizar o crime nos criminosos, pela cobertura de uma celofane retórico que o ideologiza, acabando por o amortecer pela via da banalização da conversa política.
(*) – “COSA NOSTRA, história da máfia siciliana”, John Dickie, Edições 70
No próximo dia 6 de Março vai acontecer a apresentação pública do livro de Mário Beja Santos “Diário da Guiné 1968-1969 : Na terra dos Soncó” (Círculo de Leitores / Temas & Debates), que reúne as suas memórias da guerra colonial na Guiné onde cumpriu comissão militar como miliciano. O evento começa às 18h30 e tem lugar na Sociedade Portuguesa de Geografia (Lisboa).
Eu não sabia que se podia “renunciar livremente à ditadura”. Porque as ditaduras não deixavam.
Pode ser chato dizer que o agora falecido foi um grande chato. Mas foi. Tão chato que deixou uma marca de propagação de tédio pela literatura. Estou convencido que se não tivesse desistido a tempo de ler Alain Robbe-Grillet ainda hoje andava por aí a embirrar com os livros todos pela impotência recalcada em embirrar com ele. Pô-lo de parte foi o que me valeu. Agora, que descanse em paz.
Há personagens que nos fazem a História e a quem custa desvendar as facetas com que moldam o nosso devir enquanto povo. Na política, no trabalho, na economia, na finança, na cultura, no fazer. Tendem, quando assim acontece, a transformarem-se em personagens-mistério, entrando na galeria de candidatos a mito. Confesso que pouca ou nenhuma capacidade de apreciação tenho sobre essa pedra angular da nossa vida financeira que é Armando Vara (parecido com o nada que sei sobre a profundidade dos conhecimentos sobre os negócios do petróleo por parte do "oil-man" Fernando Gomes, seu camarada socialista). Nem uma pista consigo decifrar sobre os seus méritos eméritos que o guindaram ao cume da Caixa e depois transferir-se para os aposentos decisórios do BCP. Mas quando Sócrates nos conta que tentou demover todos os administradores da Caixa de debandarem para o BCP, falhando em dois mas segurando a transferência de um terceiro, não tendo, portanto, conseguido com Vara, não posso deixar de me interrogar sobre o que se passou entre a bruma do que se sabe por se poder saber. Vara, um rebelde político, talvez o militante socialista que mais frontal e corajosamente resistiu e se opôs a Sócrates? Quem sabe, quem sabe. Assim sendo, porque é que quando se fala de rebeldia no PS, a conversa vai sempre ter ao poeta? Insondável sindroma socialista este que leva a que, por condicionamento cultural marxista, um poeta é tudo e um banqueiro quase nada.
Ao fim de 49 anos de poder tirânico, Fidel concluiu que já lhe chega. Segue-se o irmão, numa demonstração de comunismo consanguíneo. Entretanto, a democracia para os cubanos espera.
Os homens fortes e duros, se antigos coronéis da espionagem, são imprevisíveis. Quando Putin se zangou com a independência do Kosovo imaginei que ele ameaçaria retaliar concedendo a independência à Chechénia. Afinal não. Virou-se para a Abkházia e a Ossétia do Sul. Consumando uma típica saída de sendeiro.
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