O que decerto Sócrates não contava no alto das suas mais optimistas expectativas, exasperado que andava por ter a CGTP/PCP a vaiá-lo onde quer que se desloque, foi o seu convidado de hoje para jantar ter direito a grupo coral de boas-vindas entoado pelos mesmos que andam em missão de assobiar-lhe às canelas onde quer que deixe pegada.
Sobre o erro dramático da invasão e ocupação do Iraque está tudo, ou quase tudo, mais que dito. E os responsáveis pelo erro estão bem determinados. Os cúmplices também. Porque o que é, é. Mas o que é não é mais que aquilo que é. Contabilizar quinhentos mil mortos e quatro milhões de refugiados como sendo o saldo da invasão e ocupação do Iraque (como fez Rui Tavares no “Público” de ontem, imitando outros para depois outros o imitarem a ele) é um exagero demagógico. Não é decente que por cada bomba terrorista rebentada por acção de um dos muitos grupos de fanáticos assassinos, se arrolem as vítimas na conta corrente das baixas provocadas pela acção militar que derrubou Sadam. Essa “transferência de culpados” é, objectivamente, uma absolvição do terrorismo que mata agora em aproveitamento da queda de uma ditadura mas mataria em quaisquer situações e se possível. Até porque, a praticar-se uma contabilidade de vítimas tão abrangente, ou seja, contarem-se todas as que foram proporcionadas pela desestabilização da ordem ditatorial iraquiana, seria necessário “descontar no saldo” as centenas de milhar de vítimas que a ditadura de Sadam provocaria no tempo passado caso se mantivesse Sadam no poder e por conta não só da perseguição política aos opositores como ao serviço de uma supremacia étnica (dos sunitas, a minoria da população do Iraque) e de genocídio esporádico contra curdos e xiitas. E se a invasão e ocupação do Iraque provocou de facto uma efervescência propícia à intervenção dos fanáticos rivais e libertos do aparelho repressivo que os continha, esse cenário de contenção tinha um reverso não prolongável e que culminaria sempre numa situação de caos social e político idêntico ao verificado no Iraque pós-invasão (nenhuma ditadura é eterna) – uma ditadura fascista em que o assassínio em massa pertencia à natureza do regime deposto. Com vítimas.
Imagem: (foto-montagem roubada ao Rui Perdigão)
Passam hoje 32 anos sobre a morte de Franco, um dos mais cruéis e duradouros ditadores na Europa. Hoje, para nós e como recordação anedótica, talvez só interesse saber o que pensava Franco dos portugueses quando contava os últimos dos seus dias:
(...) En las [visitas] que habitualmente por la tarde le hacíamos conjuntamente los cuatro médicos, tanto Ricardo Franco como [Francisco] Vaquero trataban sin éxito de darle conversación. Sólo en una ocasión, que yo recuerde, respondió. En Portugal, había habido un golpe de Estado [25 de Abril 1974], y en aquel momento nadie sabía cómo iba a evolucionar la situación, por lo que Ricardo le preguntó:
- "Mi general, ¿está usted enterado de lo de Portugal?, ¿no cree que allí se va a armar una muy gorda y va a correr mucha sangre?".
Franco se quedó un rato callado mientras todos le mirábamos expectantes, y después dijo:
- "No lo crea, los portugueses son muy cobardes".
Imagem: Blas Piñar, da velha guarda falangista, arenga a meio milhar de saudosos de Franco reunidos na Praça do Oriente em Madrid no passado domingo.
Desabafo de um cubano (Luís Cino):
“Nós temos duas pátrias: Cuba e a noite. E dizem que três presidentes: um convalescente, outro indefinidamente provisório e o terceiro em Caracas.”
Pois também eu tenho as minhas históricas razões para reagir automaticamente com nojo cada vez que um bastão cai sobre um lombo (a memória ainda me guarda as bastonadas que apanhei, e não foram poucas, pela singela razão de não gostar de Salazar). Mas sobre a carga ligeira da GNR sobre o piquete grevista da Valorsul, é bom que se ponham os pontos nos ii. Quem está em greve, no exercício legítimo do direito à greve, são os trabalhadores da Valorsul, empresa destinada ao tratamento de lixo que ali é entregue pelos serviços de recolha de lixo de vários serviços camarários (os quais não se encontram em greve) e que abrange os municípios de Amadora, Lisboa, Loures, Odivelas e Vila Franca de Xira. Da greve, caso tenha sucesso (para o qual, não abona a adesão decrescente desde que se iniciou), o que deve ser afectado é o tratamento do lixo, não a sua recolha e entrega que estão no âmbito de entidades cujos trabalhadores vivem numa relação laboral normal. O piquete de greve na Valorsul tem o limite de âmbito na tentativa de convencimento dos trabalhadores de tratamento de lixo da Valorsul a aderirem à greve sem colidirem com o direito dos que pretenderem não aderir a ela. Quando o piquete de greve na Valorsul pretende constituir-se como meio de bloqueio do acesso de entidades e trabalhadores não abrangidos pela greve às instalações da Valorsul para libertarem os lixos, estão a exorbitar, recorrendo a meios de força, com a pretensão de alastrarem abusivamente o efeito da greve (para que ela atinja as populações) numa cadeia de efeito além da sua actividade profissional. Ou seja, há aqui uma bastonada sindical no exercício do direito à greve. E foi aqui, sob responsabilidade e por iniciativa dos sindicalistas que orientam a greve na Valorsul, que o bastão entrou nesta história.
Uma enorme decepção constituiu a leitura do livro de memórias de Jacinto Veloso (1), um dos mais poderosos dirigentes da FRELIMO no processo de consolidação da independência de Moçambique. Julgo até que a decepção, para quem esperava uma reflexão crítica e política sobre o processo de afirmação moçambicano, é uma “decepção construída” por só poder ser um assumido propósito do autor. Digo isto porque não imagino que seja possível que quem deteve tanto poder durante tanto tempo na construção e consolidação de um Estado, tendo estado dentro do círculo da máxima confiança do seu líder, mantendo as suas capacidades intelectuais bem afinadas, se reduza a um nível de reflexão política tão superficial, quase ao nível do estagiário de jornalismo generalista. Razões haverá, pois, para isso. Talvez do nível da higiene política para ficar bem no retrato para a história, refugiando-se na factologia asséptica, tentando tipificar os males moçambicanos em meia dúzia de bodes expiatórios (quase todos exteriores, pois claro, sobretudo os soviéticos e os seus paus mandados). Mas, em termos de análise política e social, o resultado é um zero muito gordo.
E a decepção foi ampliada porque da personagem, figura bem peculiar (2), era de esperar obra sumarenta, bem mais que um desfiar de caroços de episódios descarnados que, em vez de iluminar o processo moçambicano (que fosse simultaneamente útil para os moçambicanos e para os outros interessados na história de Moçambique), acaba por funcionar como uma espécie de pedra de sepultura na compreensão da história recente de Moçambique. O resultado é um “livro formal de estadista”, quase curricular porque demasiado composto, satisfeito e contido. Que o essencial ficou por contar, só o podendo ter sido por íntima ou combinada deliberação, deduz-se facilmente pelo papel que Jacinto Veloso desempenhou no Estado moçambicano. Ficando a pergunta maior: como é possível que aquele que foi, durante largos anos e no período mais tumultuoso da pós-independência, o responsável todo poderoso do aparelho de segurança, o chefe da “inteligência moçambicana”, retenha apenas como memória transmissível uma imensidão de viagens, encontros, negociações e sempre bons projectos e ainda melhores ideias? É inocência demasiada, caro senhor general. Tanta que não dá para esconder que, por opção, até parece que quis apagar todas as misérias, as contradições e os conflitos, tentando convencer-nos que a história escrita é um bom tapete para esconder a história vivida. Só que a história é muito mais que a composição de retratos para a galeria de palácios de recordações de ilustres figuras. Como nada convenceu, fica a tarefa de entendimento para outros. Os que nos expliquem, mergulhando no estudo, na análise e na interpretação, como foi a história de Moçambique independente e o papel das suas figuras no poder, mais substanciais que os episódios e sortilégios da dinâmica de influência e convencimento de Samora Machel e Joaquim Chissano. No mínimo, não cometendo o escândalo de conseguir "passar em branco" a célebre "operação produção", de recortes polpotianos, em que os citadinos indefesos caçados aleatoriamente em rusgas em Maputo eram lançados para o extermínio da "reeducação" nas matas do Niassa (fornecendo, por efeito perverso, a base inicial de apoio ao MNR/Renamo), uma tragédia inapagável pela amnésia impensável (imitando Guebuza, o coordenador operacional da "operação produção") em quem então dirigia a segurança de Estado e se sentava nas cadeiras mais altas do poder junto ao cadeirão-mor de Machel, e que, exibindo tão despudorada desmemória, destroça a espera de honestidade alimentada na expectativa perante a leitura deste livro, transformando-o em mera obra de enfeite narcisista e desqualificando-o como contributo histórico.
(1) – “Memórias em voo rasante”, Jacinto Veloso, Editora Papa-letras.
(2) – Jacinto Veloso, moçambicano filho de colonos, oficial piloto-aviador das Forças Armadas Portuguesas, desertou para a FRELIMO em 1963 pilotando um avião militar (voando num T-6, com outro fugitivo e armamento, de Moçambique para Tanganica que, depois com a união a Zanzibar, formaria a Tanzânia). Até à independência de Moçambique, desempenhou funções subalternas ao serviço da FRELIMO e nunca tendo participado directamente na luta armada contra o exército colonial. Após a independência, tendo ganho a confiança pessoal de Samora Machel, desempenhou altos cargos governamentais e na Frelimo, nomeadamente em tarefas de segurança e de acção diplomática. Foi, no contexto dos movimentos de libertação e dos Estados independentes construídos nas antigas colónias portuguesas, aquele que, entre os brancos "puros" nascidos em África, atingiu maior proeminência na gestão dos assuntos de Estado, para mais intervindo nas áreas nevrálgicas da segurança, espionagem, contra-espionagem e assuntos diplomáticos [os "particularmente delicados" (como foram os acordos com a África do Sul e o deslizamento das relações preferenciais para com os Estados Unidos, França e Inglaterra para substutirem o anterior enfeudamento de Moçambique ao marxismo-leninismo, à URSS e seus satélites)].
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Adenda: Ler sobre este livro, a apreciação de Joana Lopes, ilustre blogo-companheira nascida em Moçambique e uma entrevista com o autor do livro que impressiona pelo tanto que o poderosos general "não sabe" e "nunca soube".
Anda uma parte deste nosso mundo enternecida com as memórias da Micas transformadas em livro. Trata-se de um louvável pagamento editorial póstumo da dívida de gratidão de uma desprotegida adoptada para com o poderoso que a albergou com o carinho possível de um misógeno. E esse caldo de misogenia e carinho protector pôde ter sido motivado pelo tutor algures numa escala indo desde a compaixão social até à pedofilia, sublimada ou não. Certo é que o protector da Micas, António Salazar, enquanto a protegia, pensava assim sobre o papel das mulheres:
À mulher solteira que vive sem família, ou tendo de sustentar família, acho que devem ser dadas todas as facilidades legais para prover ao seu sustento e ao sustento dos seus. Mas a mulher casada, como o homem casado, é uma coluna da família, base indispensável de uma obra de reconstrução moral. Dentro do lar, claro está, a mulher não é uma escrava. Deve ser acarinhada, amada e respeitada, porque a sua função de mãe, de educadora dos seus filhos, não é inferior à do homem. Nos países ou nos lugares onde a mulher casada concorre com o trabalho do homem – nas fábricas, nas oficinas, nos escritórios, nas profissões liberais – a instituição da família, pela qual nos batemos como pedra fundamental duma sociedade bem organizada, ameaça ruína … Deixemos, portanto, o homem a lutar com a vida no exterior, na rua … E a mulher a defendê-la, a trazê-la nos seus braços, no interior da casa… Não sei, afinal, qual dos dois terá o papel mais belo, mais alto e mais útil…
(in “Entrevistas a Salazar”, António Ferro, Editora Parceria A. M. Pereira, com prefácio de Fernando Rosas)
O desaparecimento do cartão de eleitor é uma pequena amostra da imensidão de desburocratização que se pode fazer. Quanto do nosso tempo e paciência, ao longo da vida, não são consumidos em rituais, formalidades e obrigações perfeitamente inúteis? Sem que a maioria disso se desse conta, talvez pela força do símbolo associado à sacralidade democrática do acto de votar (e deve ter sido a apetência para solenizar o acto na altura da caboucagem do regime democrático que o inventaram), cada cidadão maior tinha um cartão absolutamente inútil porque despido de qualquer funcionalidade específica. A não ser o “sinal de cidadania” dado aos jovens quando faziam dezoito anos, obrigando-o a ir para uma fila penar com os tratos da burocracia dando ocupação sazonal a uma legião de burocratas plantados país fora. Que, no fundo, continha uma verdade não democrática mais perversa que cidadã: a maturidade cívica antes de ser o direito de escolha dos eleitos passava por uma prévia iniciação no calvário do culto da ditadura burocrática.
Como esta desburocratização, muitas mais, aproximadamente evidentes, devem andar por aí debaixo dos olhos. Porque, afinal e na maior parte das vezes, o Simplex não passa de obra de cozinheiros de omoletes feitas com ovos de Colombo. O que em nada retira mérito aos burocratas da desburocratização.
Diferente de Rui Bebiano, eu nunca senti ciúmes dos homens que tiveram várias das mulheres que desejei. Tive foi uma raiva danada das mulheres minhas desejadas que tiveram vários homens, deixando-me de fora sem sequer se dignarem saber que eu existia.
A incapacidade do PCP em colocar um grão de espírito crítico na análise do passado revolucionário no tocante às conivências e subalternidades, particularmente sobre a essência do golpe de Estado bolchevique na Rússia em 1917 e a monstruosa e criminosa sociedade ali construída e depois expandida, em que crimes e vítimas se foram acumulando em nome cínico de uma utopia teoricamente libertadora de oprimidos, será, porventura, o principal óbice de hoje à modernização política deste partido, impedindo que seja uma força transformadora nesta entrada do século XXI. Porque, em qualquer virar de página de raciocínio, os pesos de chumbo das antigas fidelidades ao golpe bolchevique e à União Soviética e as conexas cumplicidades seguidistas cumpridas no passado, continuadas hoje para os restos das ditaduras comunistas, funcionam como inibidor da capacidade de olhar de frente o crime comunista, quanto mais dele se libertar. O facto de, apesar da sucessão - por imposição biológica - de novas gerações de militantes e dirigentes, a “velha guarda” do tempo da clandestinidade e da fidelidade religiosa para com a URSS, de onde lhes vinha a inspiração, as ordens, o abrigo e o dinheiro, manter a tutoria sobre a essência ideológica do PCP, torna-o um corpo rígido manietado nos seus tabus históricos e ideológicos e incapacitando-o para se poder transformar numa força política moderna, dinâmica e com capacidade de resposta a sociedades em aceleradas mutações, respostas estas que não se compadecem com corpos rígidos prisioneiros de uma ideologia dogmatizada, muito menos na base programática de modelos de sociedades e de experiências falidas e implodidas pelo descrédito acumulado nos povos que as sofreram.
As comemorações do PCP do 90º aniversário do golpe bolchevique de Novembro de 1917 liderado por Lenine, foram expressão pungente de como o garrote da fixação de velhas mentiras propagandísticas, quase infantis na forma como se dirige a um público hoje maioritariamente adulto no conhecimento do embuste repetido, funciona sobre a inteligência política de militantes e não militantes, tentando reduzi-los a uma massa amorfa de crentes religiosos incapacitados de recorrer ao conhecimento e à razão. Num respigar de vários espaços dedicados à efeméride no último número do “Avante”, ressaltam duas orações de altos dirigentes do PCP, Maria Piedade Morgadinho e Albano Nunes, ambos pertencentes à velha guarda cristalizada no amor soviético.
Maria da Piedade Morgadinho é clara, para não permitir atrevimentos de pensamento crítico, sobre a eternidade do cordão umbilical que liga o PCP ao golpe bolchevique:
Hoje, quando muitos procuram fazer esquecer esta data e tudo aquilo que ela significou e significa, e outros a evocam para a denegrir, caluniar e falsificar o seu papel histórico, devemo-nos sentir orgulhosos pelo facto de sermos membros dum Partido – o PCP – que sempre, ao longo da sua história, mesmo nas condições mais difíceis e adversas, não deixou cair no esquecimento a Revolução de Outubro e os seus obreiros. Um partido que nunca deixou de ter presentes na sua luta os ideais que Outubro de 1917 proclamou e que a República dos Sovietes tornou realidade. Um partido que soube retirar dessa experiência única na história, ensinamentos para a nossa luta – passada, presente e, seguramente também, para os combates que nos aguardam no futuro.
E é preciso não esquecer que o nosso Partido, que conta já com 86 anos de existência, foi ele, também, um fruto do Outubro Vermelho de 1917.
E, para absolutizar esta osmose entre o PCP e toda a história do comunismo, mesmo com os seus pontos mais indecorosos e trágicos, a ideóloga comunista reafirma posições quase inacreditáveis – a defesa quer da matança de Budapeste em 1956 e a invasão deste país pelos tanques soviéticos como a liquidação da soberarnia do Partido Comunista Checoslovaco e a invasão da Checoslováquia em 1968 pelos tanques do Pacto de Varsóvia:
Estivemos do lado certo da barricada quando, em 1956, estivemos com os comunistas e o povo da Hungria que defendiam o socialismo da contra-revolução – e os comunistas eram então enforcados nas ruas nos postes da iluminação pública;
Estivemos do lado certo da barricada quando, em 1968, estivemos do lado dos comunistas e do povo da Checoslováquia em luta contra as forças reaccionárias e em defesa do socialismo;
Quanto a Albano Nunes, o gestor do internacionalismo proletário no PCP, deslocou-se ao terreno da última ditadura europeia (Bielorússia) para um encontro de saudade e não foi parco quer em elogios aos “sinais soviéticos” que por lá encontrou como perante os últimos resquícios onde ditaduras de partido único dirigem a “construção dos seus países”:
Sob o signo da Revolução de Outubro acaba de realizar-se em Minsk o Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários. A sua importância deve ser sublinhada. Com a participação de 72 Partidos de 59 países de todos os continentes, ele desmente uma vez mais as profecias sobre o «declínio irreversível» do movimento comunista e confirma que não só o comunismo não morreu como por todo o mundo há forças que mantêm viva a chama de Outubro e prosseguem com confiança a luta por uma nova sociedade mais livre e mais justa, a sociedade socialista.
(…)
Este país [Bielorússia] de 10 milhões de habitantes é uma excepção honrosa à generalizada submissão aos EUA, à NATO e à U.E. que acompanhou a contra-revolução na Europa de Leste e nas repúblicas da ex-URSS. Tem praticado uma corajosa política de soberania nacional. Não entregou às multinacionais a sua poderosa indústria e a sua agricultura mantendo os sectores chave da economia nas mãos do Estado e das cooperativas. Não há praticamente desemprego (1%) e o crescimento económico mantém-se a ritmos elevados (entre 7 e 10%). O 7 de Novembro continua a ser feriado nacional, o memorial erguido a Lenine – junto do qual as delegações foram prestar homenagem ao genial obreiro da Revolução de Outubro - continua em frente ao Parlamento, mantém-se no essencial a toponímia revolucionária. A história da Revolução e da construção socialista não foi riscada dos livros escolares. O presidente da República saudou o Encontro com respeito.
No Encontro estiveram partidos lutando nas mais variadas condições, forçados à clandestinidade ou – como na China, Cuba, Vietnam, RPD da Coreia, Laos – dirigindo a construção dos seus países.
Imagem: Grupo escultórico do “Memorial às vítimas do comunismo” (Praga – República Checa), inaugurado em 2002.
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Adenda: O Pepe, em post de comentário a este texto, desenvolve este tema. Agradeço-lhe as achegas que dão um vigor límpido à abordagem.
Aqui está (mais) um interessante e útil livro sujeito a ser deslido com assobios para o lado. Porque Nick Cohen (1), mais uma vez, questionando a esquerda dentro da esquerda, com este seu “O que resta da esquerda?” (2) levanta os absurdos a que levou o plano inclinado da inércia dos estereótipos da esquerda no seu processo de orfandade de referências, quando o comunismo caíu de podre, nomeadamente quanto à busca, em desorientado pânico, como se repentinamente tivesse caído num quarto escuro da solidariedade, dos lugares onde estão os inimigos, os amigos e os aliados. Mas Nick Cohen, pior que isso (do ponto de vista do sossego da preguiça da esquerda), demonstra que todo o deslizar de abraços (expressos ou apenas cúmplices) para com gente imprópria, forças saídas da escuridão medieva e com uma essência política a tresandar a fascismo, tem uma lógica, a da fixação assente em dois pilares quase ancestrais na esquerda eternamente oscilante entre os modelos democrático e revolucionário: a) a aversão fundamental da esquerda que vive em democracia para com a democracia (baseando-a no asco ao capitalismo) e disponível para apoiar contrapontos onde jamais aceitaria viver; b) a persistente antipatia referencial para com os Estados Unidos e Israel (os dois juntos a comporem o estereótipo caricatural detestável do “judeu endinheirado”, a casar na perfeição com um ódio cristão de estimação), demonstrando que, além da morte política, o komintern não só continua como contamina o próprio outono do reformismo, em tempos apelidado de “social-fascismo” (e o paradigma Mário Soares aí está a demonstrá-lo na plenitude vigorosa do seu ultra-esquerdismo tardio).
É sobre o aparente paradoxo de tantos liberais de esquerda se irmanarem, hoje, na simpatia (activa ou apenas condescendente) com as forças da extrema-direita, que trata este livro. Difícil de encaixar na auto-estima da esquerda rica disponível para entrar nos peditórios dos que assaltam os pilares do seu viver e direito a opinar. Livro indigesto para a sesta política. E se querem um pretexto politicamente correcto para lhe passarem ao lado nas livrarias, eu forneço-o com gozo: a editora que lançou o livro entre nós é a da actual valdevinas política com maior concentração de embirrações (uma tal Zita Seabra) (3).
(1) – Jornalista inglês, colaborador do “Observer”, “New Statesman”, “London Evening Standard” e “New Humanist”. Publicou antes “Cruel Britannia” e “Pretty Straight Guys” (uma demolidora crítica ao governo Blair e que incendiou a opinião inglesa "de esquerda").
(2) – “O que resta da Esquerda?”, Nick Cohen, Aletheia Editores.
(3) - Nota do dia seguinte: Os que leram a crónica do Rui Tavares de hoje ("Público" de 15/11), portanto posterior a este post, digam lá se "eles", os virgens da esquerda, não são fáceis de topar. Lá está o velho tique estalinista que corrompe mesmo quem não o é ou não quer que digam que é: desqualifica-se Zita (oh como gostam de bater na ceguinha!); por arrasto, desqualifica-se a "editora da Zita"; logo desqualificado está o livro hereticamente incómodo publicado pela "editora da Zita".
Imaginam um Chefe de Estado a comunicar oficialmente ao país que uma sua filha e o conectado genro estão em fase de “interrupção temporária da convivência matrimonial”? Mas acontece. Num Estado democrático perto de nós.
O 5º episódio de hoje da série de Joaquim Furtado sobre as guerras nas colónias portuguesas (RTP 1, às terças-feiras) não apresentou uma única imagem de combates. Foi um episódio inteiramente “civil”. E, no entanto, apresentou os mortos, os feridos e os estropiados que explicam a guerra. Porque os outros, os que vieram depois, foram as vítimas das labaredas. Mas os fósforos e a estupidez piromaníaca andavam a monte antes, numa esquizofrenia de pastorícia da imbecilidade histórica embebida no racismo esclavagista. Era esse o “Minho a Timor”, uma fornalha em que depois se enfiaram vagas de juventudes portuguesas e africanas. Para o churrasco de um mito.
Ele não deve ter conversado a preceito com Miguel Urbano Rodrigues. Caso contrário, depois de chamar fascista a Aznar não viria a Lisboa jantar com um primeiro-ministro em que “despontam já matizes neofascistas”. Mesmo tratando-se de negócios de petróleo.
Os caricaturistas da revista “El Jueves”, Manel Fontdevila e Guillermo Torres, que não chamaram fascista á família real espanhola mas ilustraram o príncipe herdeiro e sua esposa em pose erótico-procriadora (na imagem), foram condenados, em tribunal, por injúria e cada um saiu do julgamento multado em 3.000 euros.
Como a caricatura do “El Jueves” pretendia ridicularizar o subsídio governamental de 2.500 euros por cada filho concebido, as multas acarretam que cada um dos humoristas punidos tem que pedalar mais que uma vez (mais exactamente: uma vez e um quinto de vez) em artes procriadoras para cumprir os compromissos com os débitos judiciais da penalização pelo atrevimento de caricaturarem figuras reais. O que talvez não lhes faça perder o sentido de humor (se a procriação for realizada com alegria pelas partes). Sentido este que a sentença pareceu não abalar como prova a reacção de um dos humoristas condenados ao dizer que «no cree que este caso sea un "por qué no te callas judicial", puesto que piensa que "es una cosa bastante más meditada que lo del Rey"».
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