Adicionando a percentagem da adesão à greve pública de hoje dada pelos sindicatos (80%) e a do governo (20%), obtemos uma soma perfeita. Nenhum trabalhador ficou fora da contabilidade. Ou seja, descriminado. Isto é bom para a qualidade da nossa democracia. A menos que tenha havido caso de vício por pré-combinação. A ter sido assim, estaríamos perante uma situação de trust de interesses próprio de democracias sindicalizadas, logo propício a uma crise do regime. O que seria péssimo resultado de um exercício legítimo de um direito, aliás constitucionalmente consagrado.
O “caso Luísa Mesquita” é, bem mirado, de uma irrelevância quase absoluta. Ao nível do desaguisado entre compadres e comadres do mesmo bairro partidário, esse degradado bairro partidário em que Jerónimo de Sousa transformou a herança política do PCP. Tudo espremido, não se encontra uma razão sólida invocada para Luísa Mesquita se zangar com a direcção do PCP, nem para o PCP se empenhar, muito menos com a sanha exibida, em expulsar uma deputada cuja localização partidária só é imaginável no PCP, quiçá no seu olimpo. O que não evita que comunistas e muitos não comunistas tenham razões para passarem a albergar uma nova dose de azia unitária. É que, a partir de agora, em termos de embirração fácil e para um zurzir colectivo, Zita Seabra passa a ter companhia. Uma nova expelida insustentável, Luísa Mesquita, faz-lhe companhia como alvo de chacota, a fácil. E também a dissidência necessita de renovação.
----
Adenda: Leia-se o artigo de Domingos Lopes (militante do PCP e ex-membro do seu Comité Central) na edição do "Publico" de 30/11 (não disponível on-line) sobre o tema. O qual confirma que os mais indicados para desvendarem os truques da casa são mesmo os antigos dirigentes do PCP. Quando abrem a mente, soltos da disciplina, até se tornam clarividentes. Até lá, atrofiam-se a obedecer e serem obedecidos.
Na série “A Guerra” de Joaquim Furtado a passar na RTP, o enfoque nas raízes dos conflitos armados traz ao cimo os pólos mobilizadores das revoltas africanas e que se prenderam com as realidades cruas em que o aparelho repressivo respondia pelo recurso aos massacres quando os africanos contestavam a brutalidade da exploração colonial. Na Guiné, em 1959, no Pijiguiti (porto de Bissau) um movimento reivindicativo de aumento salarial por parte dos marítimos é reprimido à bala (os primeiros actos de combate dos guerrilheiros deram-se em 1963). Em Moçambique, em 1960, os cultivadores de algodão macondes descontentes são dizimados aos tiros em Mueda (as primeiras acções da guerrilha tiveram lugar em 1964). Em Angola, em Janeiro de 1961, uma greve de “contratados” da colheita do algodão na baixa do Cassanje, é reprimido à bala e com “napalm” (as primeiras acções anticoloniais deram-se, depois, em Fevereiro e Março desse ano). O que subverte a usual atribuição da paternidade do início das guerras coloniais. Analisando do ponto de vista militar, foi Portugal que, desencadeando as hostilidades armadas, deu início à guerra colonial contra os povos africanos que tinha sob seu domínio. Porque, de facto, os primeiros tiros não foram os dos guerrilheiros. O seu a seu dono.
De um (mais um) excelente post da Drª Lolita:
O mais inquietante de toda esta bizarria é que isto tudo ameaça ser o futuro próximo da (des)protecção social dos mais desfavorecidos, seja por doença, procriação, vício ou handicap. Quem se fragiliza, sai do sistema. Liberalismos à parte, que isto nem sequer obedece a qualquer ideologia (ou pseudo-ideologia) que suscite oposição ou censura.
Só posso comungar estas interrogações do Marco. Mas o mais absurdamente desconfortável na colocação deste “banner” da Amnistia Internacional, é a sensação de estar a tentar proteger uma espécie em vias de extinção. Que não é. Pelo menos, não tanto como o lince ibérico ou o maçarico de bico comprido. Nem na Arábia Saudita, onde os petro-xeques mereciam um êxodo feminino em massa. E depois chicotearem-se uns aos outros por efeito da neurose da ausência feminina. E aprenderem a parir.
Já aqui exprimi opinião contrária ao proibicionismo das manifestações do saudosismo salazarista. Quem governou (pessimamente, opinião minha) o país durante um período tão prolongado e que o marcou de formas que ainda hoje são sobrevivas (mais do que as reconhecidas), não deve ser silenciado por acto de saneamento da memória. Calar Salazar, pressionar os teimosos no seu culto com a retirada da possibilidade de exercerem os seus rituais de saudade, só avoluma o mito Salazar, dando-lhe a dimensão do fruto político proibido e avolumando-o como espécie de autoclismo para escape da desilusão democrática. Proibir Salazar é, apenas (e tanto!), uma forma eficaz para que se fantasie a sua governação e o preço que Portugal e que o povo português pagou por ela. E, entrando-se na fantasia, a invenção perde as baias dos limites, seja para o verniz ou para o rancor. E se os actuais paladinos do proibicionismo de Salazar, histéricos activistas da versão revivalista do antifascismo serôdio, são, eles mesmos, comprovados cultivadores recalcados de outros ditadores e outras ditaduras (tentando trocar as notas gordas de crimes e genocídios por cêntimos de "erros e desvios") e explícitos defensores das ditaduras que ainda sobrevivem no século XXI, com tal militância proibicionista o mito Salazar ganha e agradece tão estúpida cruzada.
A desmontagem do mito Salazar, o único combate que hoje faz sentido contra Salazar, consegue-se dando Salazar a conhecer, mostrando Salazar, revelando Salazar, expondo o grotesco arcaico do pensamento de Salazar, evidenciando o que o lastro de atraso do País deve, ainda hoje, a Salazar. Neste sentido, a recente reedição das famosas entrevistas de António Ferro (1) com Salazar, talvez o documento editado (2) que melhor revelou o pensamento de Salazar e o seu proto-fascismo arcaico e endógeno. No caso, a obra ganha dimensão crítica com a companhia de um notável estudo-síntese de Fernando Rosas, onde este historiador, com expedita cirurgia de análise, demonstra não só a fraude do culto como as linhas mestras do pensamento do ditador que tentou, e conseguiu, desatrelar Portugal do comboio da modernidade e do progresso. Prova provada que a melhor forma de desfazer o mito de Salazar é revelar Salazar. E que escondê-lo, proibi-lo, clandestinizá-lo, apagá-lo, deve ser mister exclusivo dos que querem ir para o outro mundo agarrados à sua alma política. Ou dos que o odiaram apenas por amor a Estaline.
(1) – António Ferro, jornalista adepto do fascismo, após as entrevistas com Salazar publicadas no “Diário de Notícias”, depois coligidas em livro, viria a ser o coordenador da “política do espírito” do salazarismo, assumindo o lugar de Secretário da Propaganda Nacional. As “entrevistas” foram literariamente encenadas, depois revistas palavra a palavra pelo ditador, e pretenderam funcionar como revelação do pensamento de Salazar sobre as mais variadas questões da situação portuguesa.
(2) “Entrevistas a Salazar”, António Ferro, Editora Parceria A. M. Pereira.
Devoto este outro António, bispo de Coimbra pela graça do Vaticano. E com evidência de ser pessoa generosa ao conceder 50 dias de indulgência a quem recitasse (devotamente) a ladaínha que ele pariu. Era esta a Igreja Católica de então, aquela que estendia as suas sotainas para servir de tapete ao desfile do fascismo português e do seu chefe Salazar.
O “Causa Nossa” está de parabéns pelo seu 4º aniversário. As felicitações devidas aqui ficam pelo seu papel de referência e por ser, também, um pólo de qualidade na polémica política nesse deserto que é o do apoio sistemático e frontal às medidas do governo e que transformaram este blogue no meio de comunicação mais consistente de defesa das medidas do governo de Sócrates (condimentado com uma ou outra observação de reparo de quando em vez), tendo-se transformado num genuíno blogue situacionista. Sobretudo alimentado por Vital Moreira, muitas vezes defendendo o indefensável, mas sempre usando argumentos, faz-se no “Causa Nossa”, com inegável talento, aquilo que todas as agências de comunicação juntas e aparelhadas não conseguiriam levar a cabo na laboriosa justificação das políticas governamentais. É obra!
Curioso ainda é constatarmos como se foi dispersando essa larga equipa que criou o “Causa Nossa”, que hoje é quase um blogue pessoal de Vital Moreira a que, de quando em vez, a eurodeputada Ana Gomes acrescenta um pó de excitação nervosa para subir a adrenalina da discussão política, sobretudo quanto a temas internacionais. Dos seus oito autores originais, uma está no governo, dois andam pela alta roda da comunicação social, um dirige os CTT, um está em licença sabática e outro anda em lides cómico-televisivas. E, mesmo assim, com a maioria dos autores em diáspora bem colocada, o “Causa Nossa” continua a ser uma consulta incontornável. Portanto, um forte aplauso com votos de continuada companhia.
Mulheres em casa (cuidando dos filhos, limpando, cozinhando, engomando, esperando os maridos), patrões e operários marchando juntos fardados de legionários, crianças e adolescentes formando milícias do regime, todos gritando “Salazar!”, enquanto os teimosos recalcitrantes eram metidos na ordem “com uns safanões a tempo”, constituía a base do imaginário romântico do “fascismo à portuguesa”.
Imaginário este que, por vezes, em delírio totalitário, levava a olhar a realidade desta forma esquizofrénica (através de um circuito nunca realizado nem realizável: o jornalista-propagandista António Ferro e o ditador Salazar a passearem anónimos pelas ruas de Lisboa, tropeçando em cada esquina e por meros acasos, com marchas de legionários e de lusitos):
Vamos agora descendo a Calçada da Ajuda. Passam, formadas, algumas centenas de legionários que reconhecem Salazar e erguem os braços na clássica saudação romana. Homens desempenados, rostos morenos, pintados pelo sol português, de todas as classes e idades, o operário ombro a ombro com o patrão, mas todos com vinte anos na luz dos seus olhos, na sua marcha irrepreensível.
- Quem vive? – pergunta, em voz clara, sonora, o comandante de lança.
- Portugal! Portugal! Portugal! – respondem todos.
- Quem manda? – pergunta a mesma voz.
- Salazar! Salazar! Salazar! – gritam os legionários, alegremente, afastando-se, descendo a calçada em passos cadenciados e certos.
- Como estamos longe – observo – dos primeiros tempos, quando o Chefe do Governo português reconhecia, numa das entrevistas que me concedeu, que um dos perigos mais sérios do regime era a frieza dos que o serviam. “Durar, eis o segredo”, disse-me um dia Mussolini. E tinha razão.
Salazar concorda:
- A formação da Legião e, com alcance longínquo, talvez mais a da Mocidade Portuguesa, têm contribuído poderosamente para modificar a mentalidade geral, para restituir aos portugueses o que parece que tinham perdido: a consciência cívica. Ao português corajoso, mas indisciplinado, com horror atávico ao serviço militar, habituado à guerra, sim, mas à guerra civil, já não repugna fardar-se e está disposto a obedecer na hora própria. A Legião e a Mocidade têm-lhe dado ao mesmo tempo um sentimento mais profundo de solidariedade social aproximando as classes, quebrando as distâncias entre os ricos e os pobres. Ensinou-os igualmente a ser tolerantes, a respeitar as crenças de cada um, grande conquista no nosso País.
(…)
Estamos agora diante dos Jerónimos, renda do mar português, praia-mar da nossa epopeia marítima, com os seus cabos, as suas âncoras, com os seus leões imperiais, com a estátua do Infante D. Henrique, profeta e criador das navegações portuguesas, olhando o Tejo. Diante do seu pórtico em flor passam, a caminho dos seus exercícios semanais, alguns castelos da Mocidade Portuguesa, fardas castanhas bem talhadas, calções largos, tufados, caindo sobre essas botas de cano alto que fazem a sua felicidade. Ao toparem com Salazar levantam galhardamente os braços, tal qual os seus irmãos legionários, e rompem a cantar, sem ordem prévia, o hino da Mocidade:
Lá vamos cantando e rindo,
…………………………..
Torres e torres erguendo,
Rasgões, clareiras abrindo!
- Há seis anos ainda os jornalistas e escritores estrangeiros que nos visitavam, cheios de simpatia, não escondiam o seu pessimismo diante do panorama da nossa mocidade abandonada, desorientada, com simpatias evidentes, aqui e além, pelo marxismo. Hoje, a percentagem dos estudantes que se negam a pertencer à Mocidade Portuguesa é mínima. E não são raros os casos em que são os filhos que convertem os pais…
E o dr. Salazar, olhando, com visível enternecimento, os rapazes da Mocidade:
- Quando esta geração chegar à vida poderemos estar tranquilos…
(in “Entrevistas a Salazar”, António Ferro, Editora Parceria A. M. Pereira, com prefácio de Fernando Rosas)
Sobre a recepção popular a Hugo Chavez na sua visita a Lisboa:
Depois de duas horas de espera no Aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa, as duas centenas de pessoas ali concentradas viram a sua persistência reconhecida quando o venezuelano parou a comitiva e saiu para saudar calorosamente os presentes, entre palavras de ordem de «Chávez amigo, o povo está contigo!».
Sensível aos incentivos, Chávez aceitou um texto subscrito pela Associação de Amizade Portugal–Cuba, pela Comissão de Solidariedade com a Venezuela Bolivariana, pela CGTP/IN, pela Interjovem, pela JCP, pelo MDM, pela USL, pela USS e pela URAP, no qual as organizações sublinham «a sua amizade e solidariedade para com o processo, os avanços e os novos desafios da Revolução Bolivariana».
Convenhamos que a mobilização não foi grande coisa. 9 organizações 9 só conseguem reunir 200 pessoas? O que não os inibiu (poucos mas bons!) de, falando em nome dos presentes e dos ausentes, terem gritado ao venezuelano “o povo está contigo!”.
Perdemos Maurice Béjart. Lembro-o lembrando o que um companheiro inspirado lembrou:
Eu, e porventura muitos como eu, contentávamo-nos em assistir espantados aos espectáculos que ele montava.
Permitam-me que, dentre todos, recorde um, em Lisboa, onde no fim entre intermináveis aplausos, Maurice Béjart chegou-se à boca de cena e condenou o fascismo português. A plateia levantou-se ainda mais e se me lembro saiu-se do teatro numa arruaça tremenda. Béjart foi obviamente expulso nessa mesma noite. Mas o escândalo e a repercussão internacional do seu gesto fizeram o regime dançar freneticamente uma dança de S. Vito. Sem aplausos da plateia internacional e dos jornais de todo o mundo que relataram a acção do grande coreógrafo que de todo o modo ainda estava em início de carreira.
Nem que fosse só por isso, querido Béjart, muito obrigado.
Mia Couto, com o insofismável prestígio que tem entre nós e que foi sobretudo adquirido por ser um excelente escritor, é sempre ouvido aqui como uma voz sábia que nos traz a "consciência moçambicana". Mas até, ou sobretudo, os sábios devem ser sujeitos ao contraditório. Para que mostrem o que verdadeiramente são: sábios ou nem por isso, mitos de altar é que não. Leia-se, então, Barnabé Lucas Ncomo comentando o “é preciso não esquecer nunca” de Mia Couto:
Numa comunicação feita na Suíça por ocasião do 30° aniversário da independência nacional, o jornalista/escritor moçambicano Mia Couto, a certa altura da sua dissertação afirmou:
“Hoje fala-se da guerra civil em Moçambique como se esse conflito tivesse tido apenas contornos endógenos. É preciso não esquecer nunca: essa guerra foi gerada no ventre do apartheid, estava desde o início inscrita na chamada estratégia de agressão total contra os vizinhos da África do Sul” (Mia Couto, 16 de junho de 2005).
Em última análise, Couto tenta transferir as responsabilidades do regime da Frelimo no surgimento da guerra civil mocambicana para terceiros. Concretamente, defende a tese de que a determinação dos mocambicanos em lutar pelo estabelecimento duma ordem democratica foi inspirada no apartheid e não nas condições específicas criadas em Mocambique na sequência do estabelecimento de um regime totalitário de índole marxista-leninista. Tal como Salazar, que repetia amiúde que durante a vigência do regime fascista não havia uma oposição em Portugal, também a Frelimo e os seus “acólitos” defendiam a mesma posição relativamente a Moçambique no pós-independência. Mia Couto apenas apresenta-a de uma forma diferente.
Embora implicitamente Couto admita que o conflito moçambicano teve igualmente razões endógenas ao afirmar que “...fala-se da guerra civil em Moçambique como se esse conflito tivesse tido apenas contornos endógenos”, peca por minimizar, ou, por outra, não relevar os “contornos endógenos” por detrás da guerra civil em Moçambique, resumindo tudo a uma estratégia global de agressão concebida do exterior como se o que ele chama de “contornos endógenos” jamais constituiu razão para uma guerra entre irmãos. Por outras palavras, Couto está a “pedir-nos” que não nos esqueçamos nunca que existem opressores bons e maus. A partir do momento em que o opressor se vestiu de pele negra, mulata ou branca e se chamou moçambicano, tudo andou maravilhosamente em Moçambique: não havia razão de se guerrear contra o compreensível e bonzinho opressor.
Mas o que “é preciso não esquecer nunca” é que a guerra civil moçambicana foi gerada no ventre duma ditadura imposta à Nação por uma Frelimo que fez tábua rasa do seu próprio programa de acção adoptado no 1° Congresso em Setembro de 1962 e que dizia, entre outras coisas, que visava:
1. A instauração de um Regime Democrático na base da Independência total, e no qual todos os moçambicanos estarão no mesmo plano de igualdade perante a Lei, com os mesmos direitos e deveres;
2. A formação de um Governo do Povo, pelo Povo e para o Povo, em que a soberania da Nação seja fundamentada na vontade popular e;
3. O respeito da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A independência significou no fundo a transição de uma ditadura fascista para uma de índole comunista. O partido único de Salazar/Caetano – a União Nacional (ANP) – foi substituído por uma auto-intitulada vanguarda revolucionária; a PIDE/DGS passou a designar-se por SNASP. E o decreto presidencial que instituiu esta nova polícia política foi descrito por um sonante jurista moçambicano, como uma “monstruosidade jurídica” pois conferia-lhe amplos poderes para prender e mandar prender à revelia dos tribunais; e impedir que as pessoas que caíssem sob sua alçada estivessem abrangidas pela cláusula do Processo Penal que estipulava que um detido tinha 7 dias para constituir defesa e de arrolar testemunhas.
A insistência em atirar culpas aos regimes minoritários da Rodésia e da África do Sul, longe de esclarecer o que se passou neste país de forma a que as gerações vindouras embrenhem-se na procura de alicerces para uma sociedade mais justa, torna os seus mentores em palhaços da pior espécie aos olhos da própria opinião pública que se pretende conquistar e manter ideologicamente cativo.
Na verdade, o que “é preciso não esquecer nunca” (e isto é para jovens de hoje e os de amanhã) é que em nome de uma justiça popular o regime totalitário imposto pela Frelimo mandou executar sumariamente pessoas. Não há memória de que qualquer instância jurídica moçambicana tivesse julgado ou condenado os presos políticos moçambicanos que caíram nas malhas da Frelimo. De que há memória, isso sim, é Mia Couto, como editor de um diário estatizado, ter dado o seu contributo à campanha de perseguição, difamação e calúnia contra todos os presos políticos moçambicanos, apelidando-os de reaccionários.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que a exploração desenfreada de camponeses nas plantações de algodão deu lugar à brutalidade das machambas estatais, e que as aldeias comunais – muitas delas erguidas dos escombros dos aldeamentos do exército colonial de ocupação – destinavam-se a ser verdadeiros reservatórios de mão de obra barata para alimentar projectos megalómanos e que a comunicação estatizada – incluindo aquela onde pontificava Mia Couto – apresentava como laboratórios da criação do homem novo.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que em nome da democracia popular, insistentemente propalada em editoriais assinados por Mia Couto, se prenderem homens e mulheres que foram desterrados para campos, ditos de reeducação.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que em nome dos direitos humanos se deportaram milhares de cidadãos moçambicanos para zonas remotas do País no âmbito da Operação Produção, igualmente idolatrada nas páginas do Notícias cujo editor era o próprio Mia Couto.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que não obstante a promessa gravada com o sangue de milhares de moçambicanos que se bateram pelo ideal da independência de se “formar um Governo do Povo, pelo Povo e para o Povo, em que a soberania da Nação se fundamentasse na vontade popular” em Moçambique a democracia só surgiu 19 anos depois de conquistada da independência nacional.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que apesar da promessa de se respeitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, esta foi sistemática e totalmente violada pelo regime da Frelimo. Não existiu o direito à livre expressão do pensamento e o da associação, pois o partido único impunha – e a imprensa estatizada em criminosa conivência com o regime dava o seu aval – o “pensamento comum” e reprimia toda e qualquer manifestação de independência ideológica.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que a ditadura da Frelimo reprimiu e perseguiu religiosos de todas as crenças e confissões; combateu os valores culturais dos cidadãos em nome duma campanha bem definida contra os “vestígios da sociedade tradicional-feudal” e que, novamente – e sempre presentes – jornalistas como Mia Couto concederam o seu apoio.
A essência dum regime totalitário como o que a Frelimo impôs à Nação certamente que não arrepiou pessoas como Mia Couto que ainda hoje acreditam que a revolta do povo moçambicano contra a injustiça, a prepotência, o abuso de poder, a arbitrariedade, em suma, a monstruosidade, não só jurídica, mas também política, foi gerada no ventre do apartheid.
A verdade, porém, manda dizer que tal como sobreviveu a Frelimo à queda do regime comunista na Rússia, sobreviveu a Renamo à queda do Smith (na Rodésia) e do apartheid (na África do Sul). E não se precisa de lupas para perceber este fenómeno que se insiste em atribuir a terceiros.
OS MEUS BLOGS ANTERIORES:
Bota Acima (no blogger.br) (Setembro 2003 / Fevereiro 2004) - já web-apagado pelo servidor.
Bota Acima (Fevereiro 2004 a Novembro 2004)
Água Lisa 1 (Setembro 2004 a Fevereiro 2005)
Água Lisa 2 (Fevereiro 2005 a Junho 2005)
Água Lisa 3 (Junho 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 4 (Outubro 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 5 (Dezembro 2005 a Março 2006)