Só não comento o célebre artigo radicalista anti-tabágico de Fernanda Câncio no DN porque não sei que casaco vestia quando o escreveu.
Deserdado de mãe há tantas décadas que não dá para a esquecer (cada ano passado é mais um passo de regresso ao útero), estou hoje sem destinatária para as flores que não comprei. Assim, faço companhia ao Eugénio Almeida e fico-me por acompanhar o seu grito: ”para todas as mães que gostariam de ter um pouco mais para dar que só carinho!”.
Li com gosto o meu caro amigo Manuel Correia relembrar, em síntese, com propriedade e boa escrita, a teoria da mais-valia e que Paulo Portas degenerou em palavras infelizes com ressonâncias simbólicas a lembrar dísticos cínicos inscritos nos portões de entrada de lugares sinistros. Lido de outra forma, em paralelo, o lembrete marxista do Manuel Correia também ressoa como manifesto anti-Stakhanov e anti-Gulag, na medida em que um e outro foram os mais exaltados monumentos-hinos ao trabalho construídos pela mente humana, um por alienação e o outro por imposição. Mas Manuel Correia não explicou foi como se vai desembaraçar para continuar a clamar contra o desemprego. Se ajuda é, eu proponho-lhe como slogan alternativo: “a preguiça liberta!”. Para usar inclusive, se o quiser, na próxima greve geral.
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Imagem: Não, por muitas semelhanças que alguns encontrem entre a foto histórica de cima e uma eventual visão de Manuel Correia com boné proleta a ensinar mais-valia aos restos das arqueologias industrial e proletária barreirenses, o sujeito é mesmo ele em pessoa: o desalienado Stakhanov, o herói anti-preguiça que ensinava que o melhor operário bolchevique era o que trabalhava tanto e tanto, contra a apropriação da mais-valia, que ultrapassava largamente as metas de produção.
Em Portugal, onde tanto se maltratam as crianças, por acção ou omissão, finalmente estabeleceu-se “unanimidade de comoção nacional” à volta dos tormentos de uma menina de três anos. Ela é estrangeira – branca, inglesa e filha de médicos - e foi adoptada por milhões de corações lusitanos. Em sua honra, talvez se tenham poupado, em actos suspensivos, uns tantos tabefes em meninos e meninas. Que seguirão dentro de momentos, quando (deseja-se que em breve) Madeleine voltar.
No tempo em que Ele mandava, não faltavam locais em que se podia discordar à vontade de Salazar. Vários eram os sítios próprios e demarcados para o efeito:
Aljube (Lisboa):
Caxias:
Peniche:
Coimbra:
Porto:
Tarrafal (Cabo Verde):
(Fotos copiadas daqui)
Só dois muito bons amigos, um cavalheiro e uma dama, conseguem conversar assim e assim, hoje, num blogue, sobre Salazar e esgrimindo diferenças. No tempo do dito cujo estariam, com os nós dos dedos, a reproduzirem sinais de morse nas paredes de Caxias. Ou caladinhos. Fazendo toda a diferença. Para a dama e até (!!!) para o cavalheiro.
Um exemplo de que o Outono pode germinar na Primavera é este naco de panfleto saído em Maio:
Acho que o humor tem lugar no combate político e na intervenção pública. Admito que os outros utilizem contra mim armas semelhantes às que utilizo ou estou pronto a usar. Não tenho visões a preto e branco do mundo. Engano-me muito. Não me orgulho de muitas das coisas que fiz. Sinto-me aliás mais forte para falar de alguns aspectos da realidade na medida em que os vivi com alguma proximidade. Não sei o que é “o bem” e “a liberdade”. Com John Gray, tendo a considerar que o objectivo da vida é apenas viver, como os restantes animais, olhar, observar e disso retirar felicidade.
Há situações em que detesto ter razão “antes de tempo”. É o caso do arrastamento no tempo em que Lisboa e a sua Câmara sofreram Carmona Rodrigues como seu autarca-mor.
Há mais de três meses, enquanto o caríssimo Evaristo Ferreira dizia “Carmona Rodrigues aparenta ser um homem íntegro e trabalhador, mas a sorte não o protege”, escrevíamos assim:
Para quem não reparou, convém constatar que há um vazio absoluto de poder, rumo e gestão na Câmara Municipal de Lisboa. O caos a que Lisboa chegou exige uma imediata solução de emergência. Como os golpes de estado (ou de cidade) não se usam, a via é uma: dissolução imediata da gestão camarária, nomeação de uma comissão administrativa, sindicância e eleições antecipadas.
É preciso salvar Lisboa!
O que ganhou Lisboa no apodrecimento prolongado até esta agonia?
Estranha forma esta, por exorbitância negacionista, de apreciar futebol, esse jogo eminentemente colectivo:
Seria Ronaldo e Ci.ª capaz de manter a vantagem alcançada no jogo em casa ou o Milan de Kaká aproveitaria o facto de jogar em casa num campo de dimensões maiores que os ingleses?
O combate político, seja ele qual for e pelo que for, não justifica que se apliquem pontapés na história.
Por exemplo, esta tirada do estimado Tomás Vasques
Recordam-se do 1º de Maio de 1975? O PCP, com Álvaro Cunhal à cabeça, apodera-se, no bom estilo estalinista, como quem está à beira de tomar o poder, da manifestação no estádio do INATEL e impede Mário Soares e os socialistas que o acompanham de chegar à tribuna.
é uma visão parcial e partidarista dos incidentes ocorridos no 1º de Maio de 1975. E, neste sentido, é uma deturpação. Desnecessária, como qualquer outra. Tanto mais que reescrever a história devia continuar como apanágio exclusivo de quem disso necessita. Ou seja, quem não prescinde, porque não pode prescindir, de meter a propaganda laudatória no lugar dos factos.
Obviamente que a organização do 1º de Maio de 1975 estava manipulada e controlada pelo PCP, pela CGTP e pelas chamadas alas militares “gonçalvista”e “esquerdista”, pretendendo formalizar a subalternidade dos socialistas, nomeadamente impedindo que a sua expressão eleitoral se reflectisse em influência laboral e expressão sindical. Mas os “incidentes” resultaram, na génese, de um plano da direcção do PS para provocar o confronto nesse dia, ajudando a separar águas entre os partidos que estavam no palco da revolução ao lado do MFA. O que aconteceu dentro do Estádio 1º de Maio foi um desfecho, um culminar, uma consequência ou um epílogo, da investida com desacatos dos militantes socialistas, numa acção organizada, vinda e enxertada na organização do desfile (*). Aliás, o Conselho da Revolução, perante a gravidade das ocorrências, concluiu por unanimidade (ou seja, todos os representantes de todas as alas do MFA) que a responsabilidade maior pelos desacatos foi o comportamento do PS nestas comemorações. E o CR não só se pronunciou neste sentido como, na mesma linha, acelerou a malfadada institucionalização da “unicidade sindical” (**).
Se o 1º de Maio de 1975 era, para a “esquerda revolucionária” (civil e militar), uma etapa na consolidação da unicidade sindical e uma desforra, pela via das “massas”, dos resultados eleitorais de 25 de Abril de 1975, o PS, então impante da sua expressividade eleitoral acabada de manifestar, decidiu ir para as comemorações com o fito de as combater, sabotando-as e provocando incidentes (que bem podiam ter redundado numa tragédia) que marcassem duas linhas em confronto. Não adianta pois, nem disso a história do combate do PS contra a revolução e pela democracia necessita, pintar o quadro vitimista e simplista de uns pobres coitados pacatos que levaram uns empurrões e não os “deixaram chegar à tribuna”. A reposição dos factos e a assunção das respectivas responsabilidades em nada diminui, aliás, a importância “contra-revolucionária” da acção violenta do PS, reconhecer a determinação e coragem física daquela "força de choque PS" e o eventual contributo positivo, no sentido da salvaguarda da democracia e da falência da via pelo poder vanguardista revolucionário, que esta acção organizada pelo PS se revestiu e que deve ser vista agora sob benefício da distância na apreciação histórica, sem a ganga da deturpação/manipulação dos factos.
(*) – Não sei se o caro Tomás Vasques esteve neste 1º de Maio. Eu estive lá desde o início, quando se começou a organizar o desfile, e ocorreu junto a mim, então simples manifestante pró-CGTP, na Praça do Areeiro (junto às “Chaves do Areeiro”), a vinda da “força de choque socialista”, proveniente da Praça do Chile [foi ali que se concentraram, à parte e com antecedência (13 horas), as hostes socialistas, como o comprova o cartaz do PS na imagem], que irrompeu para conquistar, à força e com violência, a cabeça da manifestação e provocar distúrbios, desorganizando o desfile. Reconheci um dos chefes da “força de choque socialista”, Pedro Coelho (então dirigente do PS), que eu conhecia de andanças comuns da campanha da oposição em 1973. Tentei falar-lhe e apelar a um entendimento que evitasse confrontos. Debalde. A coisa estava organizada e era para ser levada até aos seus objectivos (sabotar a comemoração, transformando-a em "granel maniqueísta" a explorar).
(**) Os dois livros publicados sobre a Revolução da autoria da historiadora Maria Inácia Rezola, que julgo insuspeita de parcialidade, são claros sobre os factos que pintaram os confrontos entre as vias revolucionária e eleitoral no período 1974-1975, incluindo os incidentes do 1º de Maio de 1975.
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Adenda:
O Tomás Vasques exerceu o contraditório. Confesso que esperava melhor (quanto à substância). Mas quando diz “Não presenciei os factos com estes olhos que a terra há-de comer. Aliás, como escrevi aqui.” e o “aqui” é um post sobre a sua vivência entre 25 de Abril de 1974 e 4 de Maio de 1974, quando o 1º de Maio tratado foi o de 1975 (!), um ano depois, tudo se aclara: numa pessoa com tamanho handicap para lidar com datas, percebe-se o arrepio perante qualquer “verdade histórica”, a dos factos e das suas circunstâncias. Adiante.
Cito:
uns olhares para o relógio, os pensamentos a divagar para bem longe dali, o remexer no assento, uns olhares de esguelha para o restante auditório...
A citação refere-se à espera de chamada num consultório médico ou numa “loja do cidadão”? Não. A M.C. escreve assim a propósito das … “missas chatas e compridas”. Leiam-na e digam se não concordam que, como ela diz, são, ou deviam ser, as mini-saias a comandar a vida [pelo menos, desde os idos de Maio 68 - em cima - ou desde que sobem escadas - em baixo].
Pepe Reina, o herói de ontem pelo Liverpool, enquanto defendia penalties no estádio tinha a sua casa a ser visitada e assaltada pelos gatunos. É caso para se dizer: “casa roubada, trancas na baliza”.
(notícia aqui)
Entre os laureados com o prestigiado Prémio Ortega y Gasset (dedicado ao jornalismo) deste ano, inclui-se Raul Rivero (na foto), jornalista e poeta cubano.
Actualmente colaborador do jornal espanhol “El Mundo”, Raul Rivero foi preso, juntamente com 74 opositores, em Março de 2003, sendo condenado a 20 anos de prisão por “subversão” e “conspirar com os Estados Unidos”. Pelo impacto da campanha internacional pela sua libertação, a ditadura castrista concedeu-lhe “liberdade provisória” em Novembro de 2004. Impedido de escrever e intervir no seu país, o que implicaria o seu regresso à prisão, optou pelo exílio em Espanha, onde aguarda o momento de, segundo as suas palavras, “apanhar o primeiro ou o segundo avião de regresso a Cuba” logo que a hora da democracia dê sinal de vida no relógio político da ilha com praias em Varadero e prisões políticas para quase quatrocentos presos políticos (Cuba é o país no mundo com maior número de jornalistas presos por delito de opinião per capita).
Raul Rivero dedicou o Prémio Ortega y Gasset aos seus 25 companheiros jornalistas que continuam aprisionados nas masmorras políticas cubanas. E, continuando “subversivo” relativamente à ordem marxista-leninista barbuda, declarou: “O meu compromisso é com o jornalismo. Não aceito condicionamentos políticos. Aspiro um jornalismo ao serviço da liberdade, da livre expressão e da democracia”.
(notícia aqui)
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