A partir de hoje, considero-me um blogger célebre. Nunca menos que um célebre blogger. É-se automaticamente assim, julgo como certo e garantido, depois de se entrar, ou penetrar, ou planar, ou sobrevoar, na galeria dos ilustres entrevistados por Luís Carmelo.
Muito obrigado às simpáticas e aos simpáticos que me desejaram uma boa Boémia. Magnífico, como esperava, este meu quinto viver de amores com o sortilégio único de Praga. Exceptuando a carteira (com todos os documentos) roubada ao meu filho no Metro logo após a chegada, a otite que apanhei no segundo dia e seguintes, mais a perda do saco com as compras de recordações pela minha mulher em trânsito de regresso no aeroporto de Frankfurt, tudo o resto foi excelente. Que se assinale ainda que bem me esforcei (sem conseguir) secar as "Pilsener" em honra e lembrança de todos os blogo-amigos. Como se prova aqui (quando estava a meio da última):
E o blogue segue. Depois da ressaca.
E sendo assim, brinquem e divirtam-se com o Carnaval. Sem que abusem da folia pagã porque a Quaresma está quase aí e brincadeiras com a Igreja já chegou a do dia 11. Lá para o final da próxima semana conto voltar a estar por aqui, na vossa prezada companhia.
Foto de El País, com um modelo do estilista Andrés Sarda e que resultou primorosa na decoração dos punhos. Bem adequada a este tempo invernoso.
Naturalmente, este post do Tiago Barbosa Ribeiro arrepia. E desse arrepio, deu Lutz, e bem, o sinal perplexo da nossa moderação europeia.
Então, o melhor é não ler este texto de Benny Morris (professor de História do Médio Oriente na Universidade Ben-Gurion e um dos mais marcantes representantes da esquerda académica israelita) editado pelo Nuno Guerreiro.
Guardemos energia e sentimentos de repulsa para quando, mais uma vez, Israel fizer o seu trabalho sujo. Por Israel e por nós. Colidindo com o nosso pacifismo parcial a meter mais carvão na caldeira do anti-semitismo que entranhou os ossos desta cultura tão aberta e universal, mas onde os judeus não têm espaço, a não ser o do progrom, do gueto ou do holocausto. As vezes necessárias até deixarem de ser motivo para slogan de uma boa manifestação ou sequer pretexto para post indignado com os crimes sionistas.
Que esta imagem perdure para além do problema pior, o das vítimas. Uma linha ancestral-telúrica teimada em sobreviver para glória autárquica provinciana de um ou vários morgados do “poder local”, sem suporte de meios para alimentar o luxo comezinho e pacóvio. Sobrou o absurdo de uma carruagem comprada aos croatas em segunda mão para desaguar no rio como se as linhas férreas fossem de cordel e o comboio feito em cartolina. É que podiam fazer o “número” numa feira para o pagode se divertir, mas sem vivos dentro. Apreciado do ponto de vista do défice, saía mais barato e não havia desperdício a minguar no número de contribuintes.
Muito inspirada a síntese da Lolita:
“A forma emotiva como se discutem as virtudes e os defeitos de Salazar mostra duas coisas óbvias: a de que já passou tempo suficiente para que se ressuscite a idolatria dos saudosos mas tempo insuficiente para que não se tema que Salazar nos assombre.”
Só acrescentaria, se a lavra fosse minha: “sendo esta duas coisas óbvias também válidas, mas ao contrário, para o seu mais directo competidor”. Mas, é claro, isso implicava sair da síntese e entrar na análise. E nos blogues não se pede tanto. Por impraticável.
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Adenda: E a Lolita deu troco assim. Pelo que ficámos, sinteticamente, bem entendidos. O que, diga-se, já não era sem tempo, mesmo que o mais provável é que tenha sido uma vez sem exemplo...
O Zambeze, mais uma vez, resolveu apanhar uma bebedeira de chuva e quem leva o mau trato do excesso de copos são as gentes do centro de Moçambique.
Como não ter o pensamento em Moçambique com estes olhares molhados de apelo?
Foto: El Pais.
E ele a fazer-se de finório decente: não senhor, coisa essa, eu arguido?, nem pensar, olhem que eu sou muito sério, sou tanto como Carmona e Marques Mendes, pode-se ser mais?
Até quando uma laranja podre a governar Lisboa?
Não deixei de ver a lição televisiva de Jaime Nogueira Pinto desta semana em propaganda a Salazar e para lhe angariar votos. Foi o que se pode chamar de notável “limpeza académica” do ditador, tentando torná-lo apresentável para quem não o sofreu. Os estereótipos da defesa de Salazar estavam lá todos: o ascetismo, a simplicidade e a honradez do sujeito, a sua inteligência e carreira académica, a pressão providencialista que o levou ao colo até o poder absoluto, o nacionalismo indomável e grandioso, a habilidade táctica para os jogos geoestratégicos contornando perigos, a profundidade coerente do anticomunismo e da aversão à democracia, o génio do saneamento financeiro. Quanto ao resto, ao pior, à essência de Salazar, apenas a condescendência da admissão do “autoritarismo”. Um “autoritarismo” envernizado como nada tivesse a ver com fascismos, antes pelo contrário. Brilhante. Detestável. Assim a modos que digna do ditador que inspirou a lição.
Um desenraizado persistente, ao plantar a vida por vários sítios, corre sempre o risco de, volta e meia, ir dar ao beco da nostalgia. Depois, pouco mais lhe resta que dar meia volta para não ficar a remoer o acre da passagem inexorável do tempo. E das vidas. Isto se não quiser ficar pasmado com cara de parvo a olhar para a parte de trás do calendário. No meu caso, com a agravante de ter de disfarçar o tamanho LX que trago vestido e que começa a dar sinais de aperto nas costuras e bainhas.
Evito ir ao Barreiro, tão meu próximo, pelo que atrás disse. E porque não há outro sítio onde tenha montado a minha tenda de nómada em que os sinais da terra tenham tão entranhado os meus nervos e as minhas veias. Mas, no sábado passado, pela apresentação de um livro de um meu amigo sábio, teve que ser. Ele, barreirense adoptivo como eu, escolheu uma colectividade do Barreiro para iluminar o seu parto académico. Fez bem. E eu fui.
Chegando cedo e sendo um sábado de reflexão eleitoral, a cidade estava muito calma no seu arranque de tarde. A hora de avanço chegou e sobrou para manobrar o veículo pelo “casco histórico”, agora bem decadente, revisitando os locais da fixação dos primórdios da urbe e onde me fiz menino e jovem. Passei junto à casa (remodelada) onde vivi, percorri escolas que frequentei, locais onde brinquei, colectividades onde coloquiei e dancei, o café da pequena burguesia liberal e literata, os restos arqueológicos das grandes fábricas, as bordas do Tejo com Lisboa a apertá-lo do outro lado em que aplicadamente namorei e mirei até as frontarias das duas igrejas onde não entrava para não pecar nas convicções. Muitas das ruínas do casario dessa parte velha e histórica do Barreiro, esses sinais de vida menos vida, pareceram propositadas para me lembrar a erosão do tempo. Com se a cidade, a minha cidade, teimasse em não se querer libertar da fixação imortal do génio fotográfico de Augusto Cabrita.
Paguei o preço do tempo, assisti á cerimónia e voltei. Quanto se paga para abraçar e felicitar um amigo.
Imagem: Foto de Augusto Cabrita (quando a televisão chegou ao Barreiro e se via espeitando para dentro dos cafés). Uma das razões para a escolha: Augusto Cabrita foi meu vizinho, meu retratista standard e amigo de condescendência para com um miúdo que lhe caíra na simpatia.
Segundo o “Avante” de hoje:
“A «troika» Sócrates/Cavaco Silva/PS governa contra a Constituição. O debate é substituído pela tirania. Recusam o diálogo e recordam com soberba o voto que os elegeu. O poder tirânico é a raiz de todos os males. Funciona sempre a favor dos mais ricos.”
Egas Moniz será o caso simultaneamente mais profícuo, sucedido, misterioso e controverso, na Inteligência portuguesa de todos os tempos. Tanto que constitui um dos grandes mitos portugueses conservados no silêncio com as preciosas ajudas da perplexidade e do mistério.
No final da primeira metade do século XX, em pleno salazarismo, numa sociedade com reduzido empenho e prestígio da actividade e investigação científica, um português arrecadou um Nobel (da Medicina ou Fisiologia). Que seria o único atribuído a um português até que Saramago, passado meio século, obtivesse a réplica do galardão, agora num ramo “mais naturalmente luso” (o da literatura). Mas sendo este escritor o “nosso” segundo “nobelizado”, quantos dos nossos patrícios vêm emblematizado, lá fora, o sumo do talento português com Egas Moniz ao lado de Saramago? E mesmo, entre nós, quantos não o associamos, pronunciado o nome, primeiro ao Aio de D. Afonso Henriques e só depois, com algum esforço e talvez com a ajuda menemónica do Hospital que lhe usa o nome, chegamos à sua relação com o médico e investigador, detentor do galardão mais célebre e notório no mundo? Que, diga-se, e para acentuar que não foi um Prémio “fácil de alcançar”, só conseguiu impor a excelência notável dos seus méritos junto do Karolinska Institutet de Estocolmo (a cuja comunidade científica compete fazer a escolha do Nobel da Medicina), em 1949 (quando o médico cientista já contava 75 anos de idade), após quatro nomeações que não culminaram no sucesso (em 1928, 1933, 1937 e 1944), o que perfaz uma trajectória de “candidatura” que durou vinte e um anos de esforçada imposição de prestígio na comunidade científica internacional.
Entretanto, o tempo decorrido, desde o Nobel até à actualidade, não atenuou os paradoxos associados a Egas Moniz. De há uns anos a esta parte, uma forte e activa corrente de opinião, utilizando sobretudo a Internet para se expandir e pressionar, reivindica ao Comité Nobel que o Prémio seja retirado a Egas Moniz (como forma simbólica de “reparação” pelos padecimentos irreversíveis das “vítimas” da sua mais conhecida descoberta), o que é caso único de um movimento se manifestar nesse sentido e relativamente a qualquer das personalidades premiadas em qualquer dos ramos.
Por todos os grandes insólitos associados ao Professor Egas Moniz – um médico português conquistar o Nobel da Medicina e ser o primeiro português “nobelizado”, o limbo de esquecimento celebrante que se seguiu à façanha e que Salazar lhe aplicou e outros com ela pactuaram (por, na altura, Egas Moniz ser um oposicionista ao regime mas, não sendo comunista nem seu próximo, não constar da galeria das glórias antifascistas), a actual e espalhafatosa campanha para o “desnobelizar” - seria expectável que a figura, as suas controversas experiências e descobertas, fosse tema que apaixonasse, ou pelos menos cativasse, os portugueses. Quiçá, despertasse uma qualquer vaga “nacionalista” de defesa dos nossos méritos científicos e da figura emérita que uma campanha desconchavada, no mínimo por descontextualizar os métodos e as experiências de Egas Moniz, pretende ver traduzida em "justiça desnobelizante”. Nada disso se passa, como sabemos. Antes, o insólito "caso Egas Moniz" promete estar para durar. Com a ajuda da persistência do silêncio dos seus compatriotas e passados que são cinquenta anos sobre o seu falecimento.
Desvendar o “mistério Egas Moniz” foi um desafio que estimulou a curiosidade e o talento de Manuel Correia (*) que nisso se empenhou a fundo. E agora, na rampa final da sua tese de doutoramento, a Universidade de Coimbra deu-lhe à estampa um livro (**) onde condensa (e nos espevita o apetite), através de um notável poder de síntese e uma apaixonante criatividade narrativa, as suas aturadas investigações seguindo o rasto da odisseia de Egas Moniz para chegar ao Nobel e o contexto da controvérsia que lhe está associada. Com o bónus extra de ilustrar brilhantemente que tão controversa como as descobertas de Egas Moniz e os seus impactos é a própria figura, personalidade e trajectórias científica e política do laureado. Em resumo, um livro fascinante (que pode ser adquirido directamente por esta via).
(*) Manuel Correia é licenciado em Sociologia pelo ISCTE, Mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE), doutorando a preparar tese na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra com o projecto “Egas Moniz: representação, saber e poder”. É também um interventivo, lúcido e acutilante blogger, com tribuna de ciber-escrita no “Puxa Palavra”.
(**) – “Egas Moniz e o Prémio Nobel”, Manuel Correia, Edição da Imprensa da Universidade de Coimbra.
Imagens: Egas Moniz e Manuel Correia (na apresentação do seu livro na “Cooperativa Cultural e Popular Barreirense”, no Barreiro, no passado dia 10 de Fevereiro) [a foto do escritor-doutorando foi roubada ao Raimundo Narciso]
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