Domingo, 21 de Agosto de 2005
Neste
post, introduzi a adenda que achei devida face às últimas notícias sobre o acontecimento.

Um nosso leitor, Rui Silva, enviou-nos este mail que merece transcrição:
Às terras da Pampilhosa da Serra ligam-me os laços de família, das recordações dos seus verdes a perder de vista, das suas gentes simples e boas talhadas à imagem da rudeza das pedras.
Onde sobrevivem tendo tudo, no quase nada que a sociedade próspera do litoral" lhes proporciona.
Onde o comboio não chegou, onde quase lhe quiseram tirar a carreira, onde ninguém passa para dar notícia que existem.
Hoje, contudo, é Verão, lembraram-me as imagens, muitas, dos meios de comunicação social.
Porque no Verão a Pampilhosa da Serra existe, enche os noticiários, preenche a nossa revolta esquecida desde o último Verão.
Agora aguardemos o próximo Verão, esquecendo que ela existe no Outono, no Inverno e na Primavera.
Para nosso descanso de dever cumprido, para que os que lá habitam possam, em silêncio, lamber as feridas e, para que nada se faça para que, no próximo Verão, tornemos a ouvir falar da Pampilhosa da Serra.
Até lá, nós, os donos de quase tudo, esqueceremos que os meios são (ou não são) suficientes, se se deve ou não declarar a calamidade, se se limparam ou não as matas, se se abriram ou não os asseiros, se as florestas estão ou não ordenadas.
Discutiremos, calados, o que vamos dizer que deveríamos ter feito, quando as chamas irromperem no próximo Verão.
Rui Silva
E eu recomento:
- Entendo e partilho os sentimentos que perpassam nas palavras do Rui Silva. E agradeço-lhe. Sem deixar de assinalar (manias estéticas...) o fio da boa prosa com que teceu a sua elegia de desconsolo.
- Digo que não é verdade que os que amam a Pampilhosa da Serra (e falo como achadiço) só dela se lembrem no Verão. Em Abril deste ano, muitos lá estiveram a espremerem e gritarem soluções e saídas que evitassem o não retorno, pensando nos que lá vivem e que são quem a pode salvar. Podem ter sido inúteis os gritos e as propostas, mas gritou-se com direito, pelo menos, à dignidade quixotesca, o que é o mais que podem fazer os cidadãos fora da sertã do poder. Agora, resta ter força para não desistir. O que exige muito mas seria uma nova tragédia se as cinzas fossem amanhadas com o baixar de braços.
- Para além do choro pelo irremediável, raivas cansadas, confio que o Rui Silva se vai juntar aos que não recusam um braço de ajuda àquilo que se gosta com a responsabilidade do gostar.
Nota: Este post é, não podia deixar de ser, uma negação de escrito recente. Mas a vida é assim arriba acima, arriba abaixo, arriba acima... E nada melhor que um desanimado para nos espevitar a recuperação da vontade de não desistir. Também por isso, obrigado Rui Silva.
Imagem: Evacuados de Sobral Valado, Pampilhosa da Serra, Agosto 2005.
![lisbon[1].jpg](http://agualisa3.blogs.sapo.pt/arquivo/lisbon[1].jpg)
Não sou lisboeta. Nunca fui e já é tarde para o ser, mesmo que adoptivo e se tal ambição transportasse. Mas não entendo a embirração persistente e já a entrar nos laivos maníacos que
Vital Moreira vem dedicando à Capital e aos seus habitantes. Os lisboetas lá terão os seus muitos defeitos e alguma virtude perdida mas uma coisa tenho como certa em pouquísimas outras grandes cidades se é tão aberto aos forasteiros e tão pouco portador do sentido de superioridade arrogante. Quando muito, andam tristes e perdidos com míngua de gregarismo. Vejo assim mas talvez seja falta de perspicácia minha ou então carregue às costas uma qualquer experiência excepcional e exemplar. Ou, quem sabe, Vital Moreira tenha tido um azar muito especial e particular nos encontros e encontrões que teve quando por Lisboa andou. Mas Lisboa é grande e, por isso, tudo tem obrigação de perdoar.
Sábado, 20 de Agosto de 2005
![121703lula[1].jpg](http://agualisa3.blogs.sapo.pt/arquivo/121703lula[1].jpg)
Eu acredito que Lula nada soubesse sobre o
mensalão. Acredito até que, no PT, ele fosse o único a nada saber sobre a marosca. Quem sabe mesmo se Lula não terá sido o único brasileiro que estava a leste do saber algo, pelo menos um pouquinho, sobre as manigâncias dos pagamentos por conta de votos a favor e que suportavam a sua governação.
Eu acredito em Lula. Não me passa pela ideia que Lula não fale verdade. Só não percebo é para que raio, nada sabendo nem conseguindo saber, Lula é Presidente do Brasil.

Já muita coisa inútil aqui escrevi. Em grande parte, fruto da vontade de que as coisas arribem. Para melhor, porque, como diz e bem o Sérgio Godinho, para pior já basta assim.
Reconheço agora que atingi o ridículo com a maior de todas as inutilidades que pela blogosfera fui escrevendo. Com
este texto bati o record das minhas inutilidades escritas, ultrapassando a margem de confiança permitida a qualquer crença. Uma ingenuidade bacoca esta de acreditar que o nosso interior podia ter perdão por o ser. Que ninguém se preocupe mais com Pampilhosa da Serra. A menos que tenha préstimo para o défice do Orçamento a exportação do Portugal reduzido a cinzas.
Imagem Concelho da Pampilhosa da Serra em Agosto 2005.
Aquilo foi uma coisa medonha! (ouvia-se em desabafo de espanto não refeito)
Imagem: Um grupo de cidadãs de Sobral Valado, Pampilhosa da Serra, evacuadas durante o fogo que atacou a aldeia. Agosto 2005.
Porquê tamanha fúria contra nós?(era o que se lia nos silêncios dos rostos teimando em continuar humanos)
Imagem - Dois habitantes de Sobral Valado, Pampilhosa da Serra, evacuados devido ao fogo que atacou esta aldeia. Agosto 2005.

Uma aldeia espreitada através dos esqueletos das árvores e das cinzas.
Imagem: Sobral Valado, Pampilhosa da Serra, Agosto 2005.

As duas semanas embutido na minha tribo disponível e enfiado dentro das águas calmas do Sul, mirando-lhes os reflexos e os brilhos tão próprios desta época, deram-me na modorra, assim uma espécie de apetecer ver tudo pelo prisma do relativo e a um passo do deixa andar. Dizem-me que isto é a descarga do stress e eu acredito. Porque não? Deve ser mesmo verdade porque me apeteceu aproveitar o pretexto e deixar conviver com as alforrecas alguns botes de que andava farto de puxar a remos. Enfim, coisas da boa vida. Que, como se sabe, é bem de pouca dura.
Entrei depois na chamada fase da transição. Meio cá, meio lá. Assim a modos de balhelha à procura de energia para o tino.
Meio curado, ou a caminho da descura, vieram cinzas a cairem quentes e estúpidas e a empurrarem-me para o Portugal a arder. No braseiro, estava (e está) metida uma parte da tribo que ficou agarrada às raízes do centro beirão. Havia que acudir e partilhar. Gerindo os medos do demónio feito fogo a querer queimar os cabelos que decoram a vida e os atavismos telúricos da recusa em abandonar a terra-mãe como se os pés fossem feitos de raízes agarradas às cinzas. Sem escolha. Melhor, sem esse direito.
Água e depois Fogo. Para quê a necessidade de espalhar cinzas de míngua de água e de fartura de incúria e abandono em cima da memória dos reflexos e brilhos das águas do Sul? Rompi com a dialéctica porque raios partam a mania da unidade dos contrários quando nisto dá.
Imagem: o fogo avança sobre Sobral Valado, Pampilhosa da Serra, Agosto 2005. Foto de Pedro Tunes.
Terça-feira, 16 de Agosto de 2005

Mesa de fartura extra em dia de aniversário. Não estava toda a tribo mas nem todos faltavam na companhia de celebração dos
35 da mais velha a Catarina - no naipe da terceira geração (e que vai na quarta já com um trio de estalo). E uma Ilha emprestada deu moldura à festa. Bonita como só podem ser as festas dos que nos continuam.
Ilha da Armona, Ria Formosa, Agosto 2005

Um Cais quer-se de chegada e de partida. Sobretudo quando é portão de uma Ilha. Porque a água é um limite que se quer romper. Quem se quer sujeitar a sentir as escamas a crescerem-lhe no pensamento? Uma dose forte de salmoura chega e até dá para as sobras nas mínguas do resto do ano.
Um Cais sabe bem e deseja-se de vontade forte. Para abrigar e depois conseguir sair-lhe dos braços a ameaçarem tornarem-se tenazes de fuga ao mundo. Estamos feitos se desconseguimos fugir ao feitiço da Ilha. É por isso que um Cais sabe sempre bem.
Imagem: Ilha da Armona, Ria Formosa, Agosto 2005
Segunda-feira, 15 de Agosto de 2005

A Ria não permite tudo mas ajeita-se a muito consentir. Desde, é claro, que não a arreliem com teimosia demasiada.
A Ria é de raça mansa. Foi dessa massa da natureza que foi parida. Ou consentida? Até permite que um homem, com aspecto de perdido na calma das águas, trate da vida a caminhar-lhe catando bivaldes.
Imagem Ria Formosa, Agosto 2005

Maré baixa. Tanto que os pequenos batéis são obrigados a dormirem a sesta em chão duro de areia molhada. Ali, ao lado do sinal da veia a céu aberto a drenar passagem da água mais distraída obrigando-a seguir o caminho da fatalidade de se juntar ás águas suas irmãs.
Maré baixa. Sem razão para nervo nem escândalo. A maré alta não tarda aí. Fosse a vida assim e tudo que é ou finge ser psiquiatra ia para o desemprego.
Imagem Ilha da Armona, Ria Formosa, Agosto 2005.
Domingo, 14 de Agosto de 2005

Amontoado atamancado de casarios espalhados e depois acumulados na invasão da areia. Porque onde mija um português, logo vão mijar dois ou três.
Somos muito assim gostamos de parir casas como os maníacos das proles parem filhos. Plantar uma casa (e depois de plantar a primeira, plantar a segunda e por aí fora) é aspiração cara a muitos portugueses. Onde calhar, estiver á mão e quando quem ordena sofra de distração crónica ou aguda. E em que é que a areia é menos que o sol? Pois, e o sol, desde que nasce, não espalha o signo da igualdade mais igualitária? Ocupam-se pois o máximo de palmos de areia a construir castelos privativos de lazer em que quase se possa adormecer com o mar a aconchegar os pés. Alguns destes espertos na patifaria urbanística e na devassa do ambiente até não gozam dos privilégios castelares, usam-na antes para meter cobres na conta, pondo a render a construção atamancada na areia privatizada, alugando-a aos orfãos de sol e mar. Depois, bem depois, que venham os legalizadores-urbanizadores remediar o remediável fazendo vista grossa ao irremediável. Somos muito assim.
No amontoado de casarios acumulados, há quem goste de dar um toque de gosto ou de dignidade. Por exemplo, dar a pose aristocrática de uma nobre aldraba à porta inventada em que tinta e ferrugem fazem luta de teimas.
Imagem: Ilha da Armona, Ria Formosa, Agosto 2005.
Sábado, 13 de Agosto de 2005

Dois anos a blogar - tempo muito, tempo demasiado. E a ferrugem na casa das máquinas é tanta que as pás da hélice da vontade nem mexem como resposta ao desafio da força das marés. Não sei se o vício será mais forte que a vontade de parar para reparações ou venda como sucata. Dito de outra forma, vamos ver se desconsigo. De qualquer modo, nada como naufragar encostado a um porto, mesmo que de desabrigo. A terra sempre está a um passo da liberdade da fartura de água.
Na imagem, navio encalhado junto do porto de Olhão, Agosto 2005.