Sexta-feira, 26 de Agosto de 2005
Uma pessoa de classe média adere ao socialismo e talvez até ingresse no Partido Comunista. Que diferença concreta faz isso? Obviamente, vivendo no quadro da sociedade capitalista, tem de continuar a ganhar a vida, e não o podemos censurar se se apegar ao seu estatuto económico burguês. Mas notar-se-á alguma alteração nos seus gostos, nos seus hábitos, na sua maneira de pensar na sua ideologia, segundo o jargão comunista? Dar-se-á alguma mudança, excepto passar a votar trabalhista ou, quando possível, comunista? Nota-se que continua a conviver com os da sua classe; sente-se muito mais à vontade com um membro da sua classe que o considera um perigoso comuna, do que com um membro da classe operária que supostamente concorda com ele; os seus gostos em matéria de alimentação, vinhos, roupas, livros, arte, música, ballet ainda são gostos reconhecidamente burgueses; e o mais significativo é que se casa invariavelmente na sua classe. Veja-se qualquer socialista burguês. Veja-se o camarada X, membro do Partido Comunista da Grã-Bretanha e autor de O Marxismo Explicado aos Bébes. Acontece que o camarada X estudou em Eton. Estaria disposto a morrer nas barricadas, pelo menos em teoria, mas reparem que ainda deixa desabotoado o último botão do colete. Idealiza o proletariado, mas é impressionante verificar até que ponto os seus modos são diferentes dos do proletário. Talvez tenha, por mera provocação, fumado um charuto sem lhe retirar o rótulo, mas ser-lhe-ia quase fisicamente impossível levar à boca bocados de queijo espetados na ponta de uma faca ou manter o chapéu posto dentro de casa, ou até sorver o chá do pires. Talvez as maneiras à mesa não sejam um mau teste de sinceridade. Conheci muitos socialistas burgueses, ouvi-os discursar durante horas contra a sua classe e, no entanto, nunca, mas nunca, encontrei um que tivesse adoptado as maneiras dos proletários à mesa. E contudo, no fim de contas, o que os impede? Por que razão um homem que está convencido de que o proletariado reúne todas as virtudes e se dá ao trabalho de comer a sopa sem fazer barulho com a boca? Só pode ser por, bem no íntimo, pensar que as maneiras dos proletários são repulsivas. Assim se vê que ainda continua sob a influência do que aprendeu na infância, quando o ensinaram a odiar, temer e desprezar a classe operária.Em O Caminho para Wigan Pier George Orwell
(roubado
daqui)

Eu já me tinha dado conta, propagando-o, que um dos aspectos mais admiráveis neste
companheiro de bloganço é a sua capacidade em nos desafiar a pensar o que julgávamos impensável. Conseguindo não cair na birra umbiguista e deletéria, no absurdo ou no anedótico. O que é obra, convenhamos, se olharmos para nós ou à nossa volta.
Agora, o
Lutz desafia-nos com essa espécie de peregrina ideia de um tal Paul Kirchhof que defende
o alargamento do direito de voto a todos os cidadãos a partir de um dia de vida (sendo este delegado, até à maioridade, nos seus tutores). Acresce que o dito Kirchhof não só não será um maluco (se o é, não é um maluco qualquer e tem méritos consagrados no exercício de funções que não é costume atribuir-se a diminuídos mentais como o de juiz do Tribunal Constitucional da Alemanha) como a sua aparente excentricidade foi apoiada por eminentes figuras da cena política alemã e pertencentes a vários quadrantes do espectro partidário, da Igreja e da Patronal (nada se sabe sobre a posição dos representantes sindicais e políticos do proletariado que, no caso e por causa das proles, seriam os mais beneficiados em número de votos com a medida). E das duas uma ou os alemães deram cidadania à maluquice e gozam-nos que nem uns perdidos espalhando-a por tudo quanto é gente pensante ou malucos democráticos são afinal os que resistem em pensar ideias diferentes para o futuro da democracia.
E demonstrando que a inteligência não conformista arquitecta neurónios activos e criativos, o Lutz não só
posta da forma sabida como espevita comentários como
este e que nos merece, com vénia, transcrição e reflexão:
Eu não relaciono a ideia do Paul Kirchhof com a baixa natalidade - pelo menos, prioritariamente - mas sim com a ideia de aperfeiçoamento da democracia política. Só por efeito de uma habituação às coisas, creio, pode considerar-se "natural" (!) a actual situação dos que, sendo cidadãos, não têm qualquer meio de expressão dos seus pontos de vista/interesses (sejam formados e/ou expressos pelos próprios ou por mediação de outrem).
Podemos vir a rematar qualquer discussão com pázadas de pragmatismo para justificar que apenas os maiores de 18 anos possam votar (e todos eles, quase sem excepção) mas isso não tem qualquer significado para o princípio que está em causa: o direito de voto não está reconhecido a todos os cidadãos.
Incidentalmente: há muito acredito que não há justificação para os maiores de 16 anos não poderem votar. É que, além de cidadãos, podem casar-se, podem celebrar contratos de trabalho, podem emancipar-se... Não procede o argumento da "imaturidade", por definição, posto o estado de coisas, nem o da "informação", por irrelevante.
O Kirchhof está longe de ser um anti-democrata, um sujeito alheio às exigências do chamado Estado de direito. Bem pelo contrário, tem provas mais que dadas na matéria - ter sido juiz no tribunal constitucional alemão é mais do que uma garantia neste aspecto. Seria muito interessante conhecer melhor tanto os fundamentos da solução como os mecanismos práticos da sua concretização.
Não tenho dúvidas de que isto é simplesmente o tactear de, sim ou não, mais um passo no sentido do alargamento da igualdade, da cidadania política - uma ideia com uma curiosa história de exclusões, logo ali no seu berço clássico, tão inaceitavelmente reservada, diríamos nós hoje, aos belos homens de Atenas.
Cada vez que se alarga o círculo da cidadania efectiva a nova ideia, como é com frequência próprio das verdadeiramente boas ideias, parece um infantil cúmulo do disparate. Assim foi também com o voto das mulheres.
Seja ou não esse o sentido da evolução, também me parece que a ideia do Kirchhof é um outro sinal de que, felizmente, o "cidadão de referência" já não é o "homem de bem" oitocentista (masculino, adulto, burguês). Deus já não é homem, e o cidadão já não é um adulto. (Pareço, finalmente, viável!)
Susana
Quinta-feira, 25 de Agosto de 2005
Na praça principal do Pavilhão Central poderá encontrar evocações do exemplo coerente de vida e de luta de ambos os revolucionários [Álvaro Cunhal e Vasco Gonçalves]
, em painéis concebidos para esse efeito.
No caso de Álvaro Cunhal, várias das suas obras pictóricas inéditas e nunca apresentadas a público estarão patentes na XVI Bienal de Artes Plásticas.
Um pouco por toda a Festa estarão à venda T-shirts com seis desenhos a cores criados nos calabouços fascistas pelo histórico Secretário-Geral do Partido.
Na feira do Livro, toda a sua obra literária política e romanceada estará em grande destaque e ali decorrerão debates sobre a vida e obra do revolucionário.
(...)
Também o General Vasco Gonçalves e o seu papel determinante durante os 14 meses de Governo provisório até à vitória da contra-revolução, em 25 de Novembro de 1975, vão estar em destaque, no Pavilhão Central através de um grande painel que salienta a importância do «companheiro Vasco» nas conquistas sociais e políticas que brotaram com a Revolução dos cravos.
(jornal Avante de 25.08.2005)
Somos frequentemente acusados de dirigir as nossas críticas privilegiadamente contra o PS. Trata-se de uma acusação infundada e que constitui uma das formas modernas de anticomunismo. - Artigo de Aurélio Santos, dirigente do PCP, no jornal Avante de 25.08.2005.
O Governo PS/Sócrates, apoiado numa maioria absoluta na Assembleia da República, desbaratou rapidamente o capital de esperança das eleições de 20 de Fevereiro, em que o povo português infligiu uma pesada derrota ao PSD e CDS-PP, e evidenciou o desejo de uma ruptura com a política de direita; acentuou os principais problemas económicos e sociais do País, sem resolver nenhum da pesada herança dos Governos PSD/CDS-PP, de Durão, Santana e Portas; agravou ainda mais, se era possível, o descrédito que as promessas não cumpridas e as malfeitorias da política de direita fizeram recair sobre o regime democrático. Era difícil fazer pior em tão pouco tempo. - Comunicado do Comité Central do PCP (jornal "Avante" de 25.08.2005).
Numa situação nacional marcada por agravados problemas políticos, económicos e sociais que comprometem o futuro do País, as condições de vida dos trabalhadores e do povo, reafirmando a esperança e a confiança de que é possível um rumo diferente e uma vida melhor, o Comité Central decide que o candidato do PCP seja o Secretário-geral, camarada Jerónimo de Sousa.Do Comunicado do Comité Central do PCP, reunido no dia 23 de Agosto de 2005 (publicado no jornal "Avante").

O caríssimo
Evaristo ficou encantado com a carta da Maria João Seixas a Helena Matos. E atribuiu-lhe nada menos que estas condecorações:
A missiva é magistral, e o conteúdo é sereno, ponderado, pedagógico. Uma peça literária de bom gosto. O meu caro
Evaristo, em quem muito estimo os seus textos e a sua postura, terá sido o mais exuberante mas não foi caso único. Outras várias mãos aplaudiram a bordoada da boa senhora na bruxa má do comentarismo político. Só que se as opiniões de Helena Matos são sempre mais que discutíveis, polémicas são e incorformistas sempre, ela não só escreve bem como expõe com clareza as suas ideias e fundamenta as suas opiniões. Situa-se num campo ideológico um pouco difuso entre o centro-direita e o centro anti-esquerda? Desmonta mitos acumulados no politicamente correcto das causas da esquerda? Òptimo, julgaria eu se toda a esquerda gostasse de ter adversários políticos e ideológicos que dessem luta, espevitando neurónios.
Concordar ou discordar, gostar ou não gostar do que a Helena Matos escreve não é caso. Ter uma atitude reverencial para com o conformismo sonso, coerente (pela persistência) e social-cristão de Maria João Seixas (que me lembre, sempre exercido na sombra do apego político à labita de Mário Soares e outros dignitários socialistas), tão pouco. E se uma tem catadura agressóide e a outra poses conventuais, não devia ser por isso que o gato é obrigado a comer a filhó.
A questão, no caso, é que Maria João Seixas deitou mão a uma via condenável, na sua carta, para atacar uma adversária política no exercício da sua função jornalística de comentadora. MJS não só misturou, e propagou, mexeriquices de zuns-zuns soprados nos bastidores televisivos como foi foi buscar o passado político (e, pelos vistos, revolucionário) da Helena Matos para a entalar com a ausência de direito de se pronunciar sobre atitudes e comportamentos de políticos e figuras públicas com os seus altos e baixos. Esquecendo que um comentador ou um jornalista (ou um blogger) não precisa de prestar provas curriculares ou cadastrais da sua actividade política passada e presente para o exercício da função, valendo pelo que escreve. Enquanto uma figura como o Presidente da República, ou de destaque equivalente, não se pode eximir a este tipo de apreciação. E Helena Matos, se foi acutilante para com Jorge Sampaio, não meteu sequer o pé no chinelo da deselegância. E o que fez Maria João Seixas? Usou informações sobre o passado de uma comentadora (sobre as quais ficamos sem prova nem contra-prova, ficando-se pelas insinuações) para lhe tentar destruir a força de opinião e de apreciação com base em pretéritos desvarios guevaristas da juventude. Feio, muito feio, contraponho eu.

Eu percebo esta
reacção. É mais que duvidoso que, hoje, a floresta seja uma fonte de rendimento que assegure sequer a sua manutenção (e já não falo em manutenção segura). As manchas florestais do País -
de propriedade privada na sua maioria esmagadora - são um desmazelo (perigoso!) que provém da inutilidade rendível desta propriedade fundiária. Com o abandono dos campos (em que a floresta deixou de constituir a fonte recolectora de meios acessórios e que assegurava a sua limpeza) e o estertor da indústria resinosa (em grande parte provocada pela concorrência de fábricas de químicos sintéticos com custos de obtenção de produtos alternativos muito inferiores), a herança da privatização e florestação dos baldios deu nisto para os que não optam pelo negócio com as Celuloses, a transformação de um
bem económico numa
propriedade simbólica mais de natureza cultural que património gerador de rendimento em capital. E, concorde-se,
limpar o mato é extraordinariamente caro (inútil dir-se-á se se pensar nas contrapartidas empresariais) pela dimensão média e dispersão das propriedades e o preço da mão de obra disponível para o efeito. Com o valor da madeira em queda acentuada, e com a redução do valor florestal a este solitário produto, só se pode dar razão quando os proprietários (ou uma Associação em seu nome) clamam que eles, os donos da floresta, não têm posses para a manter.
Vivi por dentro os últimos fogos na Pampilhosa da Serra. Não por ser bombeiro, escuteiro ou protector florestal. Apenas devido ao egoísmo tribal de querer salvar a pele de familiares encafuados naquele braseiro (hoje reduzido a cinzeiro) e que teimavam em não soltar os pés das suas raízes telúricas. Pude verificar a falácia da propaganda urbana dos sempre do contra e confirmar que, nunca o sendo em pleno, os meios e a capacidade operacional e de coordenação dos meios de combate aos incêndios foram muito melhores que razoáveis. E que o Poder não lhe virou costas (no caso, testemunhei a dedicação, perseverança, eficácia e humanidade do Governador Civil de Coimbra que, vivendo sempre a realidade, procurou dar estratégia e qualidade à reunião dos apoios prestados e com introdução de valências sociais e humanas, impossíveis de imaginar num carreirista, num neo-liberal ou num contabilizador de ecos de popularidade). No final, fiquei com a convicção que os problemas estão na estrutura da propriedade fundiária da floresta (mais os casos de polícia dos pirómanos por deformação ou por encomenda).
O essencial no chamado abandono da floresta tem raízes quase absolutamente culturais. A maioria dos pequenos proprietários (a esmagadora maioria) apresenta dois traços comuns são proprietários distantes (a maioria migrou para as cidades, conservando posse florestal no local de origem como sinal de cultura de Ter e raízes de atavismo telúrico relativamente à sua infância vivida nos campos do ido Portugal de Salazar) e de pequeníssimas propriedades dispersas arrematadas em negócios de ocasião processados nos verões de regresso à aldeia (6 pinheiros aqui, 8 eucaliptos acolá, mais 12 pinheiros além). Estes proprietários, regressam ao local de floresta nos verões, trocam e baldrocam as suas peças florestais, derrimem umas tantas heranças, assistem ás festas locais, fazem umas obras nos seus poisos sazonais acastelados, matam saudades, recompõem-se gastronomicamente, verificam os marcos das suas santas propriedades, regressam quando a chuva, o frio e a neve os empurram de regresso às cidades e à companhia dos filhos doutores. Assim, a posse florestal não é mais que um ritual cultural de uma parte do campesinato urbanizado e brutalizado na imposição da necessidade migratória. Numa banda de decadência no posicionamento social mas resistindo pelo apego a uma sinalética de posse que lhe restitua a auto-estima e o prestígio frustado.
Agora, a Associação dos Empresários Florestais, tendo razão quanto á insolvência da capacidade de conservar a propriedade sobre a floresta, vem
confirmar o que pude verificar em Pampilhosa da Serra há
incapacidade de posse por parte dos proprietários da maioria dos nacos da nossa floresta. E, ainda, perda na conservação dos laços destes proprietários às suas propriedades. Mais, perdidas como estão grandes manchas florestais, acresce a
inutilidade da posse. Somadas, a incapacidade e a inutilidade da posse e a perda de acompanhamento da propriedade, o direito à propriedade privada, potenciando perigo público, transformou-se, no caso das florestas, num direito inútil e que a sociedade não tem que garantir nem lhe pagar os riscos e as consequências, mais os seus custos. Assim sendo, este direito inútil e perigoso à propriedade só tem um caminho de saída a sua cessação imediata no caso de verificação de incapacidade no cumprimento dos deveres de posse sobretudo se acrescida da confirmação da sua inutilidade proprietária. O Ter tem que ter limites, para mais se constitui risco de incendiar o País. Estimável que seja, o Ter tem de deixar de ser um valor sagrado.
![img_n20_01[1].jpg](http://agualisa3.blogs.sapo.pt/arquivo/img_n20_01[1].jpg)
Tenho de reconhecer - encontrei a mais perspicaz apreciação sobre
Soares Candidato. Claro que esta apreciação, de talento inquestionável, não escapa ao desconsolo da análise que vê no jogo eleitoral uma espécie de desafio desportivo em que o resultado tudo conta e lembrando o se não fosse para ganhar, não estava aqui de Mister Mourinho. E nem sempre os sucessos passados asseguram vitórias futuras. Além disso, e mais importante, as
Causas? Não continua a ser uma tristeza infinita que a mobilização eleitoral da Esquerda se faça pela redução à missão mínima de tentar vencer o candidato da Direita?
Quarta-feira, 24 de Agosto de 2005

A não perder, a leitura do naco de prosa de
José Luís Hopffer Almada que o
Rui Guilherme em boa hora transcreveu.
O texto enfia-nos a pensar através da profundidade dos subterrâneos ramificados do racismo e das suas subtilezas gradualistas. E, nesse sentido, a vermos para além da dicotomia mais exposta mas menos esclarecedora da dualidade preto/branco. Também que muitas vezes a essência dos preconceitos é resistente e molda-se a novos estares e evoluindo na luta entre corpos e anticorpos.
Poderia parecer que o nível da mestiçagem caboverdiana, ali levada a cabo numa intensidade relativa sem paralelo na restante África colonial, fosse um indício de enfraquecimento do preconceito racista por via da alcova. E tanto o pareceu que esse mito alimentou o embuste persistente da chamada luso-tropicalidade e que funcionou como uma das poucas âncoras ideológicas da propaganda pró-colonial de Salazar. Além de alimentar a miragem elitista de casta de uma afirmação crioula (e ao ser uma adaptação conformista infra-caboverdiana de projecção de uma subalternidade imaginada como substituta do poder colonial, com um poder de rigidez e de persistência na própria cultura caboverdiana, sobretudo ao nível das camadas letradas e introduzidas na estrutura intermédia de domínio classista).
O texto de
José Luís Hopffer Almada, ao evidenciar o papel histórico e persistente da entidade
preto caboverdiano, clarifica como, afinal, na sociedade mais
mestiçada, o racismo anti-preto se manteve, se reificou e se transformou num fenómeno mais doloroso e difícil de ultrapassar que o conflito racista em sociedades estratificadas em menos prateleiras intermédias.
Da minha curta experiência de conhecimento de Cabo Verde foi exactamente esta constatação o que mais me impressionou no contacto com a sua paisagem humana e social. E isso porque, para mais, conheci Cabo Verde com este País a acumular já muitos anos de independência. O que demonstrou, e me espantou, como a marginalização do
preto caboverdiano resistia à construção da nova realidade pós-colonial, demonstrando o longo caminho ainda a percorrer (cultural, político, social) para que se esbata o domínio crioulo como uma herança persistente da presença racista-colonial no domínio de Portugal sobre uma parte de África. E do poder de persistência das sub-culturas segregadas pelo racismo (mesmo que sob a aparência de provir de uma gestação centrífuga).

Pelo que se leu e ouviu, meia centena de nazistóides organizaram uma provocação em Lisboa a pretexto da saudade do Hess. A provocação resultou na medida em que a polícia interveio para dispersar o ajuntamento, assim lhe dando foral de acontecimento e, na boleia, uma oportunidade para difusão de descargas propagandísticas típicas da seita.
Não concordo com a
Guida quando ela aventa o pedido de apoio aos herdeiros do Sitting Bull para que a pele das carecas dos nazistóides sejam curtidas para servirem de tampas de tambores. E explico o meu ponto de vista. Entre a direita que nos aviava a liberdade em duas penadas a troco do regresso ao mando único, este grupúsculo nazistóide é, em meu entender, aquele que menos nos deve tirar o sono. Estes são os que ladram. E isso é um bom sinal, porque pelo ladrar conhece-se o cão. O problema maior, julgo, é a parte melífula dos rancores contra a vida democrática, aqueles que vão juntando os pingos do desconsolo até sentirem chegada a hora de arrotearem os quiosques da liberdade e do poder de escolha e sentarem o rabo de um Messias em cima das nossas cabeças. Porque cão que não ladra é o que mais morde. E quanto a isso, se penso bem, os males do rosnar, infelizmente, estão à direita e à esquerda.
Por aqui me fico, dando de barato, hoje, que um careca nazistóide pró-Hess seja mais repelente que um saudosista equipado com t-shirt com a efígie do Pai do Gulag (dos que fazem as tais figuras grotescas em que nos ficamos pela vontade de rir sem passar à indignação). É que a desproporção entre eles, a haver, poderá ser uma questão de estética mas não em número de vítimas afrontadas.
Terça-feira, 23 de Agosto de 2005
![Picture0103[1].jpg](http://agualisa3.blogs.sapo.pt/arquivo/Picture0103[1].jpg)
Os desgostos são tantos, incluindo os crimes urbanísticos, que vamos ganhando uma couraça de indiferença que, no fundo, não passa de uma abdicação de cidadania. Estamos a ficar por tudo, o que, em termos de saúde cívica, devia, em desespero, tocar o alerta vermelho da nossa consciência gregária.
Há muitos anos que estou profundamente ligado a Sesimbra e arredores. Ali está muita da paisagem que me habita e eu habito.
Infame é a palavra certa para descrever a forma como Sesimbra tem estado a ser
betonizada, destruindo-se a beleza e o ambiente de uma vila piscatória que foi, até há bem pouco tempo, um
rebuçado para os olhos e um local onde a calma e a alma nos prendiam a olhar o mar (sobretudo nos dias tranquilos da
época baixa).
Agradeço à
Brígida (a quem roubei a foto) ter dado o grito que me faltou.
![capt.sge.bcq83.220805201456.photo00.photo.default-389x258[1].jpg](http://agualisa3.blogs.sapo.pt/arquivo/capt.sge.bcq83.220805201456.photo00.photo.default-389x258[1].jpg)
Também há disto na blogosfera pessoas que, sem o hábito de adormecerem com as unhas agarradas à Taça da Sempre Razão, opinam e, perante dados novos, dão - sem sinais de hecatombe - o braço a torcer. São os que pertencem à espécie rarefeita dos que acham que por vezes se enganam. E até que o erro faz parte do processo da maturação do conhecimento.
Onde constatei isso, mais uma vez, não me espantou. Tem a marca da superioridade intelectual do Autor. O
Lutz colocou um violentíssimo post (na onda da moda de disparar onde se espreite americano ou israelita) sobre a Faixa de Gaza. Entretanto, o
Nuno Guerreiro colocou alguns pontos nos
ii que foram suficientes para o
Lutz, de imediato, dizer: Estou feliz de ter que corrigir-me.
É caso para dizer: Há uma parte da blogosfera onde apetece respirar.
Segunda-feira, 22 de Agosto de 2005

O meu caríssimo amigo
Carlos Gil não é homem de encolhas pelo refúgio no borladero. O que só me orgulha ter amigo assim pelo mostrar saber que é na arena que as coisas se resolvem e sabendo de arte aprendida (como todas as artes pois isto de autodidacta é fruta de restos que só se vai cultivando para as bandas de Periscoxe) que touro que salta as tábuas é manso entre mansos e investir contra os papalvos sentados nas bancadas é somente fuga às sortes embora possa parecer, numa primeira vista de amador, que a fuga aparenta vontade de mudar o mundo pelas avessas e despachar de uma vezada os aficionados de bilhete comprado com direito resguardado a desfrutar dramas forasteiros.
Pois o
Carlos Gil, alimentando-me a mania do prazer em discutir, ripostou (e bem!) às alfinetadas que lhe mandei em post anterior. E, pelos vistos, só parou de teclar em fogachada de legítima defesa quando foi expulso pelo pessoal da limpeza e arrumações do ciber-café onde ele se aboletou (quem sabe se armado de saco-cama para que o seu espevito laurentino-ribatejano inaugurasse os primeiros brilhos da madrugada).
Mas, bandarilhando a fio nos seus desencantos (e tantos deles eu partilho com a raiva de assim ser verdade e tamanha que entra olhos dentro), levando-os aos extremos das costumeiras projecções apocalípticas, o
Carlos Gil, pés bem enterrados na areia dos tércios, ficou-se a eternizar as mesmíssimas chicuelinas já antes desenhadas. Claro que não o vou arrancar da sua pose de estátua (que antes fez a glória e o drama de Manolete, só que este o fazia com a muleta e sem se perder em honras góticas ao uso fácil do capote) porque penso que a teimosia, com uma arte virtuosa como poucos além dele conseguem, e a par de mais outras incontáveis virtudes, é inquestionável e, por isso, passível de sim ou não, sem que provoque emoção mais forte e com direito a uma musicada de banda atamancada devido ao outsourcing da fiesta.
Dir-se-ia, pelo retro, que a conversa não tem mais labareda para animar polémica ou seu derivado, restando a fumarola de duas teimosias à procura de empate. Mas isso seria desprimor pelo artista que não merece ser acusado de vestir luces só para passeio de cortesia debutante ou enfastiada. Tudo nos devidos conformes e proporções porque os bons e pios costumes lusos (os que nos dão esta preversa versão de coito interrompido como representação de valentia) não permitem que se imponha ao desafiador da fera que mata ou morra para dali sair.
O
Carlos Gil insiste em convencer do bom embarque na projecção do reforço presidencial como panaceia para os nosos males partidários e democráticos. Só que isso, mudando o disco da metáfora, é meter a tribuna a entrar em campo para compensar inépcia dos executantes encartados para a função. Procurando reforçar a necessidade da entrada presidencialista como sendo a pedido da bancada mais das claques. E, com toda a sinceridade, não vejo que Dias da Cunha - equipado de camiseta de pijama -compense as fífias do Liedson, ou que o Vieira mudando de pneus - dê mais gás de finta ao Simão ou que o PC mesmo imitando o novo penteado do Baía vá ensinar ao Postiga onde está a baliza. É que essa súcia lá está para tudo menos para jogar. E não adianta mirar figurinos alheios importados de outros campeonatos. O Chirac o melhor que conseguiu foi um Não à Constituição Europeia. O Lula demonstrou a sua inutilidade ao jurar ser o único brasileiro que nada sabia do mensalão que sustentava as rédeas do poder. Do Bush não falo para não desatar aos palavrões. Por razões reforçadas não me refiro ao Putin e aos filhos que ele pariu. Quanto ao México, resta dizer fox!. Sobra o quê das virtudes do presidencialismo interveniente ou mitigado? Pois, Chavéz, o filho do Kim, o Comandante Fidel, mais alguns reis e algumas rainhas. E, desatando o novelo da História, vamos ter ao Getúlio Vargas e ao Perón, também eles saídos da redenção populista da decadência e corrupção dos partidos e dos políticos. Mas, por aqui, absolvo já o meu amigo
Carlos de tão mal cheirosas companhias. Insisto antes, teimosia minha, que há é que meter duche escocês no balneário. E, em vez de nos projectarmos em miragens redentoras, tratar-lhes da saúde, obrigando-os a cumprirem aquilo que o contracto da res-pública os obriga.
Uma última nota, caro
Carlos, que fica como desafio armado em perguntas.
- Como é que políticos sabidos e empedernidos como Soares e Cavaco, um com as manhas da experiência e com a prática do seu clan, outro com a tecno-frieza dos números santificados, acrescentam ou remendam as nódoas que nos moem a paciência e a esperança?
- Que moléstias se perderiam com a governamentalização de tais espécies?
- Tremendismo teu? Ou um semi-caminho?
Nota: Pois, caro amigo, para acalmia na discordância, fica exemplo na imagem para nos entenderemos sobre as bondades presidenciais. Vai por mim, os melhores "Presidentes" são os que se fumam... (nunca os que nos fumegam a nós)
Adenda: O Carlos, nos "comentários", já ripostou com as suas artes de quem bem domina a fórmula do "salero" apropriado a cada circunstância ou aperto e tanto que mais não insisto. Vão lá lê-lo e depois dêm uma ajudinha a arrancar o mufana em ombros de dentro da praça porque, às tantas, ele ainda vai querer cinco orelhas e três rabos de um bicho só. Abraço, amigo Carlos.
Domingo, 21 de Agosto de 2005
![presidencia[1].jpg](http://agualisa3.blogs.sapo.pt/arquivo/presidencia[1].jpg)
Talvez os mais avisados previssem que a partir
desta ambição fosse inevitável cair-se
nesta recitação. Ou seja, que ao manifesto da apetência pelo poder se seguisse o desejo de arrebitar os seios do poder enamorado para exercitar neles o tacto dos dedos e a aceleração da circulação sanguínea. Haverá quem diga até que isto é elementar e está nos livros. No caso, concedo, terão alguma razão. Embora resmungue que a acho curta.
O post do meu caro amigo
Carlos Gil dá para pensar e merece mais que ficarmos pelo registo do espectáculo de um exercício desconseguido de volúpia presidencialista. Tentemos, pois e pelo menos, não o deixar a falar para a lezíria, porque a prosa está bem esgalhada e os argumentos muito bem arrumados. Perigosamente arrumados. E por aí é que vem a maka. Não pelo raciocínio mas pela arrumação.
As notas sobre o descrédito em que caiu o sistema político mais os olhares implacáveis sobre os Partidos e as governações, não novidam a quem não seja surdo e frequente pelo menos um café, um autocarro ou um minimercado ou demore nas filas para o jornal e o frango assado. A voz do povo (alimentada e bem alimentada) há muito que pegou fogo nos políticos e nos partidos e só ainda não deitou fora a democracia, trocando-a (mero exemplo) por mais polícias, porque ... enfim (embora as vozes de saudade sejam já mais que muitas a favor do el-dourado autoritário dos tempos que já lá vão). Mas a tradição radical e popular do varapau, quando enxertado no desejo de menos política e menos políticos, é, em si mesma, a expressão expectante e de transferência para que Alguém ou Alguns resolvam os problemas de cidadania exercida de modo ligeiro, incapaz ou simplesmente insuficiente. Por outro lado, a radicalidade com que o descrédito da política e dos políticos se exprime na voz do povo deriva exactamente do encontro paradoxal e decepcionado entre uma longa ausência de hábitos políticos participativos em cenários democráticos, onde a decepção é sempre mais provável que a satisfação dos desejos mas onde é possível construir ou retornar qualquer projecto, com o desconforto perante os desencantos das asneiradas que brotam de uma democracia que, por natureza, é um sistema aberto (às virtudes e aos pecados). E uma democracia aberta com cidadãos pouco participativos mas amantes de bodes expiatórios que desculpem a preguiça, onde o olhar solidário raramente ultrapassa a tribo familiar, é obra de muito longa empreitada. Dito por outras palavras, o que vivemos é um ponto crítico de desorientação fastidiada na ultrapassagem da orfandade do totalitarismo, onde o bem e o mal estavam entregues a donos exclusivistas, e que o messianismo revolucionário pós-25A cristalizou quando acenou e empurrou as massas esperançadas na redenção milagrosa dos problemas (de todos os problemas e de uma ou duas vezadas) para uma solução de classe. Porque, como se sabe de muita ciência infelizmente acumulada, o desespero ultimado da voz do povo leva direitinho ao regaço de
um qualquer populismo (o dos caminheiros do autoritarismo direitista ou o dos redentores revolucionários que cantam prometidos amanhãs). Este é um busilis que encontro no texto do
Carlos Gil. Mas não o único.
Verdade se diga que o
Carlos Gil não se fica pelo diagnóstico nem pelo queixume e avança com uma prateleira cheia de medicamentos para as nossas maleitas democráticas. Que afinal se resume a um genérico dos de prometida venda em supermercados. Qual
eanista empedernido e não esquecido, atento embora aos entorces com que a direita pode deitar mão nos bolsos dos nossos males, avança com a mézinha do reforço do poder governativo presidencialista. De Almeirim a Belém é um pulo (no caso dele, até joga sempre em casa), e, vai daí, mete o futuro Presidente a comandar o Conselho de Ministros e a riscar na composição das maiorias parlamentares. Avisando, de caminho e enquanto faz cavalgada de cortesia, qual campino adornando pela lezíria com acompanhamento de banda em coreto volante, que - com Cavaco ou com Soares - estamos livres do risco de qualquer abuso (pressente-se que pensará que ao pé de Chirac, qualquer deles faria boa figura). Ou seja, caindo nos termos práticos, através de uma mudança constitucional,
só possível com dois terços dos votos parlamentares, uma solução
de castigo aos Partidos (retirando-lhes poderes e transferindo-os para a Presidência)
aprovada pelos próprios Partidos! O que, excluindo uma insuspeitável propensão dos Partidos para a auto-flagelação (no meio de tantos defeitos, não se supeita essa virtude de humildade), era tão não factível que a solução óbvia faz faísca na sombra um qualquer golpe de estado constitucional e referendário (em que o povo apoiaria uma solução messiânica de recomposição do desenho dos poderes, afinal o que Spínola quis e não conseguiu em 1974 e em que também Eanes falhou em projecto aparentado através da pretendida regeneração via PRD, isto para falar apenas nos simétricos do Otelo) de quem não se diz quem seria o promotor e executante. E será que o
Carlos Gil matutou por aí?
Discordo, caro
Carlos Gil. Só posso discordar pois logo que aberta a via de revisão profunda dos fundamentos do nosso frágil viver democrático, vagas perigosas se levantariam (sempre na boleia da voz do povo) para encaminharem os desencantos para soluções autoritárias que, estou certo, o meu amigo não defende nem lhe partilha o desejo. As maleitas da política, dos políticos e da democracia, curam-se (se se curarem) com mais democracia e maior participação nela e através dela. Deixemos os Messias e os golpes em sossego. Ou seja, lave-se o bébé da nossa democracia mas cuidadinho na hora de despejar a água do banho.

Estranha sensação esta quanto a quem nos governa...