Quarta-feira, 31 de Agosto de 2005

A “Swatch” não dorme em serviço

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Aposto que o novo produto da "Swatch" (ideal para levar nas férias em Varadero) vai ser um sucesso entre os românticos consistentes.

Publicado por João Tunes às 23:39
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Ta muda tenpu

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Ta muda tenpu, ta muda vontadi,
Ta muda ser, ta muda konfiansa;
Tudu mundu é fetu di mudansa,
Ta toma senpri nobus kolidadi.

Sen nunka pára nu ta odja nobidadi,
Diferenti na tudu di speransa;
Máguas di mal ta fika na lenbransa,
Y di ben, si izisti algun, ta fika sodadi.

Tenpu ta kubri txon di berdi manta,
Ki di nébi friu dja steve kubertu,
Y, na mi, ta bira txoru u-ki n kantaba

Ku dosura. Y, trandu es muda sen konta,
Otu mudansa ta kontise ku más spantu,
Ki dja ka ta mudadu sima kustumaba.

Para a tradução vão aqui. Mas, antes, tentem recitar tal qual e vejam se Camões não nos entra melhor em nós (mais silabado, mais sonoro) através da voz crioula.


















Publicado por João Tunes às 22:57
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E PASSARAM 25 ANOS

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Que melhor âncora que um Presidente da República (eleito por eles) para repetir-lhe a humildade a dizer: “infelizmente, na altura, eu estava do outro lado, obrigado por terem vencido”?

Publicado por João Tunes às 22:29
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Será de esperar?

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Que a CGTP e a sua vanguarda metalúrgica rejeitem a hipótese de a VW-Auto Europa compôr a sua taxa de ocupação pela deslocalização para Palmela de produção prevista para a Alemanha de um novo modelo VW (o "Marrakexe"), lançando milhares de operários alemães no desemprego, em que o patronato da VW utiliza, nas negociações com os Sindicatos, e como chantagem, o diferencial dos custos de produção Portugal-Alemanha (em que avultam os custos salariais)?

Das duas uma: ou o internacionalismo já foi ou a globalização já é (quando "nos" favorece).



Publicado por João Tunes às 21:25
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AINDA A QUALIFICAÇÃO E A MUDANÇA

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Estava pegada uma interessante conversa com o Miguel Silva
a que outros deram também interessantes achegas (ver “comentários” aqui e no blogue do meu ilustre interlocutor), quando a netcabo resolveu andar aos tremeliques e depois veio por aí abaixo o Krutchov desviar o assunto. E perdi-me da conversa talvez no seu ponto de maior interesse e ás voltas com a questão da escolarização, qualificação e choque tecnológico.

Se não me perdi no fio da meada, o Miguel, depois de descrer que o anunciado choque tecnológico seja qualquer coisa de factível dada a baixa escolaridade e qualificação da nossa população (trabalhadores) e dos empresários, concentra as suas esperanças, afinal, na “capacidade da mão-de-obra qualificada gerar um tecido empresarial diferente e, assim, operar a transformação a partir de dentro”. E desta fórmula é que não percebi patavina quanto à sua eficácia (versus "choque tecnológico") e peço disponibilidade para explicações. Obviamente que não contesto a oportunidade na esperança expressa e no bom desejo associado. Mas o programa não é um salto para o vazio? Para qualificar a mão-de-obra é preciso investir no ensino (e não só) e dar tempo ao almejado retorno e, depois, esperar que os empresários (mal escolarizados, mal preparados) encharquem as suas empresas com quadros qualificados (pagando-lhes como e segundo que estatuto?) para que estes lhes mudem as empresas (com a dinâmica actual)?

Se bem interpretei o raciocínio do Miguel, traduzido em acção de governo, a prioridade deve ir para o ensino, alargando a escolaridade e combatendo o insucesso e abandono escolar. Mas isto não é música que consta dos programas de uma data de governos a esta parte (incluindo o actual)? E em que é que isto colide com a estratégia do choque tecnológico (em que uma das componentes é exactamente a melhoria em meios de apoio tecno-pedagógico no ensino)?

E como “mudar o tecido empresarial” sem incentivar (descriminando positivamente as empresas com resultados de inovação) a mudança nos procedimentos, na escolha dos produtos, na diferenciação, na qualidade, no valor incorporado e na criação de empregos para os jovens licenciados? É que se é assim, falamos de coisas diferentes ou o “choque tecnológico” é isso mesmo?

Adenda: O Miguel, no seu blogue, já comentou este post-desafio. Nos argumentos, só encontro convergências. Quanto aos "finalmente", aí parece não haver volta a dar - como dantes, quartel em Abrantes. Resta-me agradecer-lhe este estimulante esgrimir com a convicção que, não tarda nada, voltamos a conversar (e temas não faltarão). Abraço, estimado companheiro.








Publicado por João Tunes às 18:07
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Barrancos, Olé!

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Finalmente, deixaram em paz os que não apreciam a obrigatoriedade portuguesa da prática do "coito interrompido" no espectáculo taurino...

Publicado por João Tunes às 17:03
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A PERSISTÊNCIA DO EXPEDIENTE KRUTCHOV (5)

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Desde Krutchov, de cada vez que a degenerescência no Partido, no Estado e na Sociedade bloqueava qualquer hipótese de saída (no PCUS ou em qualquer PC), passou a usar-se a fórmula, apresentada como mágica e de efeito instantâneo, do “regresso ao leninismo”. O que significava, grosso modo, que se afastavam as perversões e os entorses por via da purificação e se voltava, como tábua de salvação, à pureza original dos bons princípios revolucionários e políticos praticados e ensinados por Lenine, lembrado-o na sua condição de Pai e Guia impoluto, sábio e infalível da Revolução Mundial. Em termos de praxis, se o “estalinismo” tinha sido e era (em termos abstratos) a “arca das doenças partidárias”, desempenhando o papel útil de instrumento exorcista, o “leninismo” era a poção mágica que dava pureza, eficácia e a salvação de todos os males e maus pensamentos.

Com o andar dos tempos, reposta a obrigação do referencial ao leninismo, a fórmula “evoluiu” (na prática, regrediu) para a expressão aparentemente mais abrangente do marxismo-leninismo (com hífen obrigatório no meio e que tinha sido uma titulação ideológica paradoxalmente criada e usada por Estaline). Significando, por um lado, que a sabedoria de inspiração se bebia na trindade Marx-Engels-Lenine (enxotando-se assim da galeria dos Guias, a referência incómoda a Estaline e aos desvios malsãos de Mao). Ainda, pela soldadura entre Marx e Lenine, como a teorização sobre o Partido “de novo tipo” se devera a Lenine, como também era um perigo intelectual e político, em termos de possibilidade de desvio ou de devaneio filosófico-ideológico, o “demasiado” estudo da obra de Marx (sobretudo algum Marx), o melhor era ficar-se pelos ensinamentos (teóricos e práticos) de Lenine passíveis de selecção, resumo e adaptação numa vulgata “bem feita” e que desse a receita certa para o momento certo segundo as conveniências certas. Explicava-se também que “o leninismo é o marxismo dos nossos dias”, ou seja, que Lenine, tendo aprendido tudo o que Marx ensinou e traduzido a redenção proletária na época do imperialismo, com os galões da eficácia dos vencedores da Revolução de Outubro, bastavam a inspiração de Lenine lida nos seus tradutores, invocadores e aplicadores da ocasião. Em sinalética sacramental lá estava (e está) a múmia do Mestre e Profeta a garantir presença e eternidade no Santuário para toda a (então) fonte de inspiração incensada e mítica (Praça Vermelha, Moscovo, URSS). E a força simbólica dessa localização atractiva, de onde imanavam as “ideias justas”, era muito mais importante que qualquer veleidade conceptual sobre a renovação partidária. De ali vinha “o Sol que iluminava a Terra” e tanto bastava porque definitivo como dogma maior entre todos os dogmas.

No fundo, o chamado “retorno ao leninismo” nunca foi mais que um estado de alma ou, quando muito, um sobressalto de alma. Em termos político-partidários e ideológicos, descontando o élan do efeito de propaganda pela “injecção de uma nova energia no regresso imaginário às origens dos bons velhos tempos”, nada foi, nem podia ser, novo ou diferente. Porque, diferindo do consulado de Lenine no tempo, nas condições e nas circunstâncias, o estalinismo foi apenas a expressão do apodrecimento do leninismo, mas, afinal e “tout court”, um leninismo pós-Lenine acrescentado da marca da direcção absoluta e patológica de Estaline. Tendo em conta as experiências práticas dos “regressos a Lenine” que se verificaram, o estalinismo não só perdurou (e perdura) como marca da prática comunista herdada da concepção de Partido formulada e praticada por Lenine (quando muito radicalizada pelo voluntarismo sem escrúpulos de Estaline) como se travestiu de “leninismo” ou de “marxismo-leninismo” como meio de desculpabilização dos excessos sádicos e criminosos da prática de mando de Estaline que, a menos que se assumisse claramente como programa de extermínio de todo o povo soviético (estigmatizando-o como inimigo total do socialismo e do comunismo), se tinha esgotado nos seus excessos demenciais. Ou seja, acrescentou-se uma limpeza da fachada, das caves e do sótão ao prédio sórdido e em ruínas.

A marca da prática comunista, em que é perene a obra de fundição e reificação operadas pelo mando de Estaline sobre o PCUS, a URSS e o Movimento Comunista Internacional, bebe, como sempre bebeu, em Lenine. E tanto o estalinismo é um prolongamento do leninismo que a melhor prova disso mesmo é que não há neo-estalinista que não se importe acolher-se a um qualquer “retorno ao leninismo” ou ao regaço do “marxismo-leninismo”, dispensando o fardo de justificar Estaline. Porque as contradições práticas que podemos encontrar entre Lenine e Estaline estão no tempo e nas circunstâncias. E só o facto de as circunstâncias (e talvez do grau de sadismo no prazer em beber sangue de outros) terem sido extraordinariamente diferentes é que fornece esse manancial imaginário de “pureza leninista”.

A formulação foi construída e deixada por Lenine – um Partido construído à imagem do Exército; assente num corpo de revolucionários profissionais; com uma disciplina hierarquizada, implacável e, se necessário, cruel; com uma moral pautada exclusivamente pela supremacia absoluta e recorrente em todos os domínios, dos “interesses do Partido”; omnisciente e omnipotente; disponível para o poder absoluto e a eliminação absoluta dos adversários; usando o proletariado como tropa de choque e de combate; exercendo o despotismo iluminado em nome, e em vez, da classe operária e dos seus circunstanciais aliados; dotado de uma estratégia rígida e uma táctica flexível; comandada por um Estado Maior obrigado à fidelidade absoluta ao seu Generalíssimo. A fórmula para o mando partidário – centralismo democrático. A fórmula para o poder sobre a sociedade e a sua transformação – ditadura do proletariado. Quanto ao rumo desta arquitectura partidária preparada para a tenacidade sem tréguas na luta de classes em que a vitória comunista seria no seu culminar, teoricamente, a sociedade sem classes e o fim do Estado, dependia das circunstâncias e da resistência do “inimigo”. Com Lenine, o tempo e a circunstância impôs não o fim do Estado mas o seu reforço; o terror e o “comunismo de guerra” para consolidar o novo poder e liquidar as “classes erradas” e as manifestações de “contra-revolução” (entendida como aplicável aos divergentes daquela forma de revolução, mesmo que companheiros ou aliados de véspera – mencheviques, sociais-revolucionários, anarquistas); a implantação de um regime totalitário sob direcção de um Partido Único; a fusão do Partido com o Estado; a exportação da revolução para todo o mundo mas com concentração do seu centro irradiador e condutor em Moscovo.

O que fez, via Partido, Estaline diferente de Lenine? No essencial: ritualizou a absolutização formal do poder antes inquestionado de Lenine; praticou com artes de mestre os jogos e arranjos fraccionários até obter o poder absoluto; transportou a “luta de classes” para dentro do Partido; cometeu à polícia (transformada em força de liquidação autónoma do Partido e subordinada à obediência exclusiva ao Líder Absoluto) exercer o terror sobre quem antes sobrara vivo do terror praticado por Lenine (chegando a vez a comunistas, camponeses, populações suspeitas de apetências nacionalistas ou regionalistas); renovando o Partido (pelas purgas) com a ascensão de uma nova camada de burocratas brutalizados e brutais que sabiam que a pele se salvava com a obediência; dispensando o trabalho e a direcção colectiva; transformando o Partido num local de rituais de obediência e de culto para com o Chefe. Foi, de facto, muito e pior (sobretudo, se pensarmos nas vítimas). Mas o certo é que Lenine legou a Estaline (herança contrariada, mas herança) um Estado, uma Sociedade e um Partido sem soluções fora da brutalidade e do terror. Se o estilo marcou a obra de Estaline e foi diferente relativamente ao comando de Lenine, as circunstâncias não contribuiram menos para isso.

Esgotadas (ou alteradas) as circunstâncias, os constrangimentos e as resistências (os “anti-corpos” pretextando a brutalidade à Estaline), o que custava e custa, para qualquer estalinista dos sete costados, limpar a lama e o sangue do casaco e repurificar-se com a fardeta nova de leninista ou de marxista-leninista? Porque a obra, a essência da obra, foi e é a mesma. No fundo, uma evidência comprovadamente difícil de aprender por qualquer iludido como podendo “renovar a obra” – ir além da sacudidela da poeira mata a “obra” (matar mesmo matado Estaline, dá cabo de Lenine, o Partido morre e outra coisa qualquer – não comunista – nasce no seu lugar). No caso de Krutchov, tiraram-lhe a mão da massa a tempo; Gorbatchov nunca terá entendido bem o que andou a fazer fardado de pasteleiro; Cunhal (à distância e sem o ónus do exercíco do poder) nunca se enganou.













Publicado por João Tunes às 16:51
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Terça-feira, 30 de Agosto de 2005

A PERSISTÊNCIA DO EXPEDIENTE KRUTCHOV (4)

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Gerações de antifascistas, militantes e simpatizantes comunistas portugueses partilharam a idolatria por Estaline. A forma como o fascismo enclausurava o pensamento, a informação e a comunicação contribuía para o reforço da cristalização mítica da crença que, no outro lado extremo da Europa, se passava o inverso de todas as nossas misérias, opressões e repressões, tudo o que aqui era preto lá seria branco (ou vermelho, se se preferir). Se Salazar apontava para Estaline como sendo o Diabo, Ele só podia ser o nosso Santo Maior e nosso protector amado. E, num quadro de pequenez, a identidade com a URSS e com Estaline (percebidas como a mesmíssima coisa) dava uma dimensão planetária ao que aqui se fizesse pela causa redentora que nos resgataria da miséria e da opressão salazarentas. O amor por Estaline era, primeiro, uma vingança espiritual contra o fascismo-catolicismo e, depois, um alimento de optimismo de que o poderio da URSS e a sábia e infalível liderança de Estaline que salvaram a URSS acabariam por salvar todo o mundo (nós incluídos). Assim, ser-se comunista e não se ser estalinista era um rotundo absurdo.

[Não tenho grande memória pessoal das marcas da época antes da morte de Estaline pois quando despertei intelectual e politicamente ele já tinha não só morrido como sido renegado pelos seus. Mas lembro os meus colegas de escola, no Barreiro, que transportavam as desforras de pais militantes no nome e que conseguiam, vá-se saber como, registar os filhos com nomes então mais que subversivos. Tive colegas com nomes sonantes como Vladimir, Lenine e até um com o nome mais famoso da terra – Estaline de Jesus - e que consumiu horas de persistência inútil ao padre e professor de Religião e Moral para que ele, em sacramento de crisma, desistisse do nome ímpio escandalosamente associado à figura de deus feito homem. O exótico daqueles nomes nada me dizia então mas fixei que o mais reguila e temido nas diabruras, entre todos a catraiada era, por mero acaso, o Lenine, restando-me na memória de ouvido o grito de aviso ecoado entre a garotada pacata quando esse terrível Lenine de calções nos queria varrer à bolachada e ao pontapé – “Fujam, vem aí o Lenine!”.]

Não surpreende que Estaline enquadrasse a iconografia oficial do PCP e que este reproduzisse o culto praticado em todo o mundo para com o “Zé dos Bigodes” (como era referido em público e em disfarce da alusão). E que o “Avante” lhe tenha dedicado páginas e páginas de adoração absolutamente religiosa e que tenha sido inclusivé eleito, por aclamação, “Presidente Honorário” de Mesas de Congressos clandestinos do PCP. Quando Estaline morreu em 1953, Cunhal estava preso e, com ele, grande parte dos seus dirigentes mais destacados. Dias Lourenço chefiou a delegação do PCP ao célebre e crucial XX Congresso do PCUS e coube-lhe, no regresso, trazer para o interior a novidade péssima e difícil de apresentar quanto mais digerir – afinal o “Pai dos Povos” tinha sido um grandessíssimo safardana, um criminoso até, sendo agora a hora de uma nova linha designada sob a suspeitíssima designação de “coexistência pacífica” entre os sistemas socialista e capitalista. Para um país fascizado e a contas com uma terrível repressão, essa da “coexistência pacífica” só podia soar a abdicação a caminho da traição. Mas uma coisa se mantinha como antes – a falta de margem para que o PCP (um pequeno e desprotegido Partido a contas com um aparelho repressivo implacável) desalinhasse com a URSS e com o PCUS. E o V Congresso do PCP realizado em 1957, com Cunhal ainda na prisão, não pôde fazer diferente que realinhar as suas teses com a nova moda oficialista da “coexistência pacífica” (com impacto num conceito mais aberto de unidade antifascista a praticar na política portuguesa de resistência) e também autocriticar-se da sua participação no “culto da personalidade” a Estaline e admitindo-se mesmo alguns excessos miméticos cometidos no incenso à figura de Cunhal na agitação que era feita para exigir a sua libertação da cadeia. Para a história, esse Congresso seria depois marcado na memória política e ideológica do PCP como o “Congresso do desvio de direita” e mancharia, para sempre, o currículo partidário de figuras destacadas que nele participaram e aprovaram as suas teses – Dias Lourenço, Pires Jorge, Pedro Soares, Octávio Pato e outros (que, mais tarde, bem labutaram para se redimirem desses “pecados krutchovianos”).

Com a fuga de Cunhal e outros destacados dirigentes do PCP do Forte de Peniche em 1961, verificou-se uma guinada “para a esquerda” (tamanha que, mais tarde, seria condenada como um “desvio de esquerda”) e a consagração formal de Cunhal como Secretário Geral do PCP. Quando do VI Congresso do PCP realizado em Kiev em 1965, já Brejnev havia tomado o lugar a Krutchov e “normalizado” o PCUS com a ascensão dos neo-estalinistas encabeçados por Suslov, os “desvios de direita e de esquerda” foram exorcizados no PCP e o “Rumo à Vitória” consagrado como nova cartilha revolucionária dos comunistas portugueses. A paz ideológica do “estalinismo sem Estaline” pacificou a vida interna e retomou-se a identidade fraternal e ideológica PCUS-PCP só perturbada (e de que maneira), anos mais tarde, quando um tal Gorbatchov resolveu retomar os “disparates krutchovianos” com os resultados bem conhecidos – falência do PCUS e da URSS e da maioria dos seus satélites e, a nível caseiro, essa paródia de indigência política e partidária que é uma “figura menor” como Jerónimo de Sousa ser SG do PCP.







Publicado por João Tunes às 23:48
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A PERSISTÊNCIA DO EXPEDIENTE KRUTCHOV (3)

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Que dos posts anteriores, com o mesmo título, não fique a ideia que não consideramos de realce as efectivas e profundas mudanças na política e na sociedade soviéticas operadas sob o mando de Krutchov. De facto, é justo reconhecer, a Direcção vencedora do XX Congresso do PCUS procedeu a rectificações profundas na economia, no respirar social e no relacionamento internacional. Embora cheia de zigue-zagues (as maiores recaídas: Hungria 1956, Berlim com o Boicote à sua zona ocidental mais o Muro e o tremendismo irreponsável da crise dos mísseis em Cuba em que o mundo, através de uma provocação infantilizada, nunca esteve tão perto da sua completa destruição nuclear), a gestão Krutchov representou um abanão de massa crítica face ao descalabro e caminho para o abismo da sociedade soviética acumulada na fase mais decadente e esquizofrénica da tirania de Estaline.

Em nome da miragem do regresso à “pureza leninista”, os olhos, embora semicerrados, dos dirigentes soviéticos foi capaz de perceber que o sistema soviético tinha-se esgotado na sua capacidade de desatar os nós dos seus sofismas. Uma industrialização conduzida através de trabalho escravo, a destruição agrícola e aniquilamento do campesinato, o Plano transformado numa montra de mentiras e indutora da sua multiplicação, uma massa trabalhadora desmotivada e com propensão para a autoflagelação do pessimismo e da desesperança, uma intelectualidade servil e mediocrizada, uma polícia gigantesca esgotada a assassinar e a acumular corpos no Gulag, mais as perdas imensas em homens e em meios como herança da II Guerra Mundial, reduziram o império soviético a um gigantesco aparelho militar, um imenso campo colonial para dominar (as recentes “conquistas revolucionárias” na Europa Oriental), colocaram os dirigentes do PCUS perante a herança ingovernável deixada por Estaline. No preciso momento em que, mercê sobretudo do Plano Marshall, o “inimigo capitalista e imperialista” se recompunha das feridas da guerra e incorporava na indústria e comércio civis os avanços da tecnologia militar catalizados pela guerra, relançando o capitalismo numa nova fase de pujança. Entretanto, Estaline tinha fundido (soldado, melhor dizendo) o Partido com o Estado e sem resolver o problema de um, não havia solução possível para os muitos problemas do outro. E dessa fusão, os maiores males (os que bloqueavam eventuais superações) estavam em que, ao fundir-se o Partido com o Estado, cindiu-se a Sociedade do Estado, a ideologia e a política comandavam todas as decisões económicas e transformavam-nas em actos de prestação de contas partidárias (tendendo à manipulação e corrupção para as tornar susceptíveis de conservação de postos e alcance de promoções), o burocratismo e o parasitismo passavam do Partido para o Estado e do Estado para o Partido, como ratazanas numa rede de esgotos.

Estaline deixou uma obra incapaz de viver para além de si (como parece ser, hoje, o desígnio paranóico-suicidário de Fidel Castro). A própria orgia sanguinária tinha-se exaurido e, nos seus últimos tempos, Estaline já se dedicava a paranóias mesquinhas e periféricas – fuzilar médicos e judeus, além de jogar sadicamente com o sabido pânico de Béria em fazer companhia no cemitério aos seus antecessores Iagoda e Iejov. O centralismo paralizava as administrações locais e regionais, enquanto estas enganavam o centro planificador. As normas do Plano eram meras representações de mentiras construídas para não se cumprirem. Enquanto o Ocidente, o inimigo capitalista, navegava a todo o vapor e não brincava no trabalho da “guerra fria”, o que implicava uma capacidade civil de competir com a economia capitalista e um aparelho militar suficientemente poderoso para colonizar um vasto império e ser elemento de equilíbrio dissuassor face à pujança do militarismo americano impante do seu poderio atómico.

Krutchov tentou remediar o irremediável (e a prova deifinitiva de que, afinal, o remédio também era mortal, só foi apresentada por Gorbatchov vários anos mais tarde). Não venceu o Problema mas adiou-o (e tê-lo conseguido não foi mérito pequeno no quadro clínico-político daquela URSS a que arrebatou o comando). Pela manha da “política da coexistência pacífica” em que jogou um toque-e-foge com os americanos, pela descompressão obtida pelo fim do Gulag, por colocar termo ao método da eliminação física nas lutas entre dirigentes, por uma espécie de direcção colectiva no Partido e no Estado (embora subordinada a uma autoridade suprema), o adiamento ideológico do mito da construção do “homem novo” e relegando o alcance da sociedade comunista para as calendas. O arco mobilizador do pôs-estalinismo projectado por Krutchov foi a miragem de que, reformas feitas, a URSS iria ultrapassar industrial e tecnologicamente o Ocidente, o povo soviético tinha finalmente direito ao bem estar e mesmo a qualidade de vida, a agricultura seria tratada como uma actividade com necessidade de apoios e de soluções, os intelectuais podiam dedicar-se aos seus misteres desde que não atacassem a Pátria, o Estado e o Partido. Propagandeando-se que, na fase avançada desta emulação entre socialismo e capitalismo, os trabalhadores do Ocidente, rendidos ao progresso e bem-estar soviéticos, imaginando-os como não tardando a ser o povo mais feliz à face da terra, desatariam a imitar os seus irmãos da Checoslováquia e da RDA e a pedirem protecção e mando aos líderes esclarecidos do Kremlin na bendita via de toda a Humanidade para o socialismo e o comunismo. E, sabe-se, a propaganda sempre foi a grande arte mortal na difusão e conservação da ilusão comunista, em que, a par da capacidade de enganar outros, vem a factura de se morrer nas mãos das mentiras construídas e acumuladas. Porque O Partido não condena a Mentira que ajuda O Partido, só se queixando da Mentira quando esta mata O Partido.

Depois de um arremedo de recuperação (de que o lançamento do Sputnik é a cereja em cima daquele gigantesco bolo de arroz), tudo se foi esboroando e regressando ao impasse. Os vícios congénitos do sistema mostraram-se mais fortes como anticorpos que como corpos – o Partido continuou a esmagar o Estado e a Sociedade, degradaram-se (pelo arrivismo, agora transferido parcialmente da progressão partidária para a progressão na cadeia de gestão) os comportamentos e as mentalidades dos quadros que se revelaram mais amantes da corrupção que do cumprimento das normas. Krutchov asfixiou-se na incapacidade de consumar as reformas e já derivara para as pazádas voluntaristas (desastrosas sobretudo na agricultura). Era a vez do apelo de mudança pelo sobressalto brejneviano (reincorporando o estalinismo partidário e que, num primeiro elan, veio vitalizar a dinâmica económica ao baralhar e dar de novo) e depois cristalizado na fase de “estagnação” que, mais tarde, outra vez demasiado tarde, alarmaria Andropov e levaria a Gorbatchov. Um caso de agonia prolongada que, espantosa e felizmente, deu em implosão. Neste trajecto, Krutchov foi um voluntarioso misto de feiticeiro e ilusionista, contaminado pela incapacidade e impossibilidade políticas e económicas de atingir um sucesso além do remendo e do adiamento, pois Estaline tinha soldado o regime ao seu túmulo. Para a história dos dias de hoje, da obra de Krutchov restam os focos de ilusão que aqui e ali espalham e alimentam o fogo fátuo da quimera sobrevivente do “estalinismo sem Estaline”. Alguma coisa, de qualquer maneira. Demasiado, talvez...









Publicado por João Tunes às 17:35
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A PERSISTÊNCIA DO EXPEDIENTE KRUTCHOV (2)

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Sobre as mudanças no poder do Kremlin após a morte de Estaline, pouco se entenderá se não se tiver em conta a figura central, cínica e intelectualmente conspiradora de Mikhail Suslov e autêntica “eminência parda” dos corredores entre o Secretariado e o Politburo do PCUS e durante várias décadas após 1953 e até à nomeação de Gorbatchov. Suslov era um burocrata sofisticado, dominando o “marxismo-leninismo” de cartilha neo-estalinista e que, criado na (ou pela) escola aparetchick estalinista, ajudou Krutchov no seu golpe contra Béria e depois continuado contra Molotov, construíu o golpe que depôs Krutchov e implantou a “estagnação” dos tempos de Brejnev, continuando a ser sempre, até ao seu desaparecimento físico, um dos homens mais influentes (e mais “discretos”) da direcção do PCUS onde detinha o pelouro da orientação e vigilância ideológica.

Pertence a Suslov grande parte do “mérito” da concepção do “estalinismo sem Estaline”, na teoria e na prática, depurando a iconografia dedicada ao “Pai dos Povos” mas mantendo todas as chaves de funcionamento partidário nos mesmíssimos cânones introduzidos por Estaline no PCUS (e que o transformaram numa sombra do seu funcionamento no tempo de Lenine e, após a morte deste, enquanto durou a luta pela sua sucessão e que culminou no poder absoluto concentrado nas mãos do antigo seminarista georgiano).

Suslov, na prática um dos homens mais influentes do Kremlin desde a década de 50 à década de 80, era um grande admirador e “protector” de Álvaro Cunhal e o principal portal de garantia da “amizade eterna PCUS/PCP”, tendo-o condecorado com a “Ordem da Estrela Vermelha” (a mais alta condecoração soviética atribuída a cidadãos estrangeiros) e concedendo-lhe o cognome honorífico e relevante de “marxista de cristal” (o que, na “linguagem de madeira” do PCUS só poderia traduzir elogio indubitável a um dirigente comunista capaz de construir e dirigir um partido estalinista da cabeça aos pés com talento de brilho na camuflagem e sem necessidade de uma única referência elogiosa a Estaline e se necessário com uma referência de circunstância e de passagem aos seus “erros e desvios” para cumprir a praxe e calar os adversários).

Dado que Suslov era sobretudo um poderosíssimo “homem da sombra” - organizador de bastidores e um conspirador nato - com a auto-missão de nunca permitir que o legado de Estaline se perdesse (negando o que, por propaganda, se tivesse de negar), a sua figura, apesar da importância crucial que teve no período pós-Estaline e com apogéu no consulado de Brejnev, ainda é relativamente pouco conhecida e tratada pelos politólogos e historiadores. Para o caso português,difícil será entender a essência e a profundidade da dependência do PCP relativamente ao PCUS (enquanto este existiu) e a constância e fortaleza do apreço do PCUS por Cunhal e pelo PCP, bem como o papel instrumental de confiança que Suslov atribuíu ao PCP na fidelização do Movimento Comunista Internacional e no combate às forças centrípetas que por lá afloravam, as suas motivações e os canais, formas e áreas em que tudo isto se verificou, sem que se conheça algo mais e de mais revelador sobre os laços políticos que sustentaram a longa amizade pessoal e ideológica que uniu Suslov e Cunhal. Provavelmente, muito de revelador ainda dorme nos arquivos do PCUS em Moscovo porque, sabe-se, os burocratas aparelhistas tinham o gosto maníaco de sobre tudo fazerem actas, tirarem apontamentos e elaborarem notas. Resta que Putin recue, se recuar, nas suas ordens de regressão no acesso aos arquivos do período soviético por parte dos historiadores.

Na imagem: Suslov “acena às massas” ao lado de Brejnev e quando este ainda vivia a sua fase pré-senil.









Publicado por João Tunes às 12:48
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A PERSISTÊNCIA DO EXPEDIENTE KRUTCHOV (1)

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Uma certa áurea, condescendente historica e politicamente, resguarda Krutchov na escolha entre os “bons” e os “maus” dos Senhores do Kremlin (excepto, principalmente, os que vêm nele a origem de todos os males, atribuindo-lhe o início dos “desvios” e da “decadência” para com a tradição estalinista da firmeza pura, dura e assassina e que iniciaram a contaminação do PCUS a partir do seu máximo escalão de mando). O resguardo de Krutchov é notoriamente evidente entre os persistentes admiradores de Gorbi (o feiticeiro incompetente) e que colocam este na galeria de um seu “continuador atrasado”. Afinal, a mesma áurea relativizante que, em contraponto a Brejnev e ao medíocre Tchernenko (considerados os “recuperadores ortodoxos”), descortina um “projecto” descontínuo de pretensa regeneração, humanização, racionalização e até democratização da URSS, nas obras da mítica trindade simpática constituída por Krutchov-Andropov-Gorbatchov (os da “obra boa mas interrompida e inacabada”).

Krutchov deu o seu golpe (um golpe clássico e com todos os matadores – com o apoio dos militares então subordinados ao conspirador Jukov, pistolas metidas nas pastas de documentos na reunião do Politburo em que Beria tentou tomar o poder e acabou nas masmorras da “sua” Lubianka, depois pelo fuzilamento secreto e sem julgamento público do mesmo Béria) e legitimou-o no célebre XX Congresso de 1956. Aí, surpreendendo o mundo e metendo os comunistas em estado de choque, encontrou os bodes expiatórios do falhanço na construção do socialismo e da malvadez assassina que eram, já então, as marcas genéticas do poder soviético, em Estaline (falecido em 1953) e em Béria (o último polícia-mor de Estaline e rival de Krutchov na sucessão no mando supremo do PCUS e da URSS).

Com Krutchov e o seu XX Congresso, o antes idolatrado Estaline passou a “besta negra” do comunismo (o homem de todos os crimes e todas as malfeitorias). Estaline passou a Vilão Mor, o Estalinismo transformou-se na expressão máxima da degenerescência paranóica do poder soviético. Depois, afastados do palco os aliados do golpe (Jukov, Molotov, Malenkov, etc.), o Estalinismo ficou consagrado como a mancha negra de uma temporal perversão soviética (ideologicamente sustentado pelo apregoado regresso á pureza do leninismo, ou seja, exactamente a mesma alavanca propagandística que iria suportar a primeira fase da renovação gorbatchoviana) e a prática do consulado de Krutchov como a regeneração do Partido e do Sistema. O que não deixou de ser um espanto de maquiavelismo quando Krutchov, ele mesmo, foi, em grande parte do mando de Estaline, um dos mais boçais, criminosos e sabujos executantes da política do “Pai dos Povos”, nomeadamente na repressão e dizimação dos seus patrícios ucranianos. O mal comunista passou a ter um limite temporal e datado, degenerado mas segregável e superável – o do consulado do poder ditatorial de Estaline. Morto e repudiado Estaline (e, com ele, o Estalinismo, enquanto praxis exclusivamente associada ao exercício de uma tirania específica e paranóica por Um Tirano, entretanto exorcizado), o ideal e a ilusão comunista estavam prontas para regressarem à pureza dos bons e generosos ideais e projectos.

Com Krutchov - que viria depois a ser a “besta negra” justificativa da “rectificação brejneviana” (*) e o ódio de estimação nos desvarios psicóticos dos maoístas, albaneses e polpotianos (recusando-se a limparem as mãos do sangue) e que viram nele o Sumo Revisionista - ao concentrar-se o odioso comunista (sobretudo a sua componente totalitária e criminal) em Estaline e no Estalinismo, ofereceu-se uma nova palavra para a retórica regenedora de afirmação simétrica nas referências ao tronco do leninismo e aos seus ramos, folhas, flores e frutos.

Pela distinção semântica entre Comunismo e Estalinismo, passou a haver duas etiquetas diferentes (aparentemente em conflito) para o Comunismo – o Comunismo Mau (=Estalinismo) e o Comunismo Bom (os que conseguissem sacudir as mãos da obra de Estaline, assobiando ou não para o lado). Vistas bem as coisas, Krutchov acabou por confluir com o velho sonho da propaganda trotsquista – concentrar o odioso soviético em Estaline (sabendo-se tão bem que Trotski faria diferente do mesmo), regenerar o legado leninista e o mito da Revolução de Outubro. O certo é que é depois do XX Congresso que o trotsquismo se relança entre parte da juventude europeia e os focos de atracção radicalistas e dissonantes nos costumes, embora mantendo a sua matriz grupuscular e a tendência fatal para as cisões e as recomposições perpétuas e que são a sua marca degenerativa que o incapacita para criar consistentemente um Partido expressivo e perene onde quer que seja. O que demonstra que o mais significante no trotsquismo, enquanto expressão partidária, é ser um estalinismo incompetente.

A partir do lançamento propagandístico do Mal Estalinista, exceptuando os cultores da provocação e da excentricidade, associado que foi a taras não descartáveis, ninguém quis continuar a ser estalinista, passando este chavão a ser considerado um insulto. A vergonha substituíu o orgulho, no caso – uma vergonha útil, mesmo entre aqueles que conservam e cultivam o mesmo modelo de partido construído e imposto por Estaline e desejam uma sociedade como a por ele construída e é a sua razão de luta. Mais, o estalinismo, enquanto conceito negativista, é de enorme utilidade, sobretudo para os estalinistas (como o foi para o estalinista Krutchov) – constitui a “arca do mal” para onde se iludem as transferências dos erros, dos desvios e dos crimes (exorcizados em abstracto e condenados em termos genéricos) e de onde se sai com as mãos purificadas pela água benta da redenção igualitária e generosa da prática do bem revolucionário. E como já ninguém é assumidamente estalinista, pode-se praticar Estaline no pensamento e na acção desde que o seu nome não seja invocado, porque, na propaganda pelo menos, do comunismo e das suas variantes (incluindo a trotsquista que tem a vantagem iconográfica de ser guiada pelo pensamento de um Mártir assassinado às ordens de Estaline), só sobrou comunismo bom. Aprecie-se como se apreciar a obra de Krutchov, um elogio dele julgo ser passível de unanimidade – foi um notável mestre do marketing na política e na propaganda.

(*) – Sobre o papel de Mikhail Suslov na continuidade conspiradora do Kremlin, ler post seguinte dedicado a esta figura do cume do “estalinismo sem Estaline”.













Publicado por João Tunes às 12:27
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Segunda-feira, 29 de Agosto de 2005

ESCOLARIDADE E CHOQUE TECNOLÓGICO

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Através de posts e de comentários, o Miguel Silva
tem levantado e tratado a questão de o nível português de escolaridade secundária ser não só o mais baixo da UE como cerca de metade do valor relativo espanhol.

É de, facto um valor terrível – 80% da nossa população não completou o ensino secundário (a IO
completou este quadro com a indicação que só muito recentemente se chegou aos 50% dos que completaram o ensino escolar obrigatório, ou seja, os que terminaram com aproveitamento o 9º ano).

Projectando estes números para o ensino superior, chegaremos decerto a números ainda mais desanimadores, face aos padrões europeus, quanto ao número relativo de bacharéis e licenciados.

O que significa pois o resultado da explosão da frequência do Secundário e da Universidade após 1974? Primeiro, que foi uma explosão fraca e insuficiente (um quase fogacho se compararmos com o que se passa além fronteiras). Segundo, havendo de facto um enorme alargamento que dá uma quase sensação de banalização do acesso à Universidade por parte dos jovens, a recuperação do atraso medonho de ignorância e de desqualificação que o fascismo nos deixou como herança, leva décadas a superar.

Entretanto, a nível cultural na “expressão popular” (a mesma que pauta a aversão pela política, pelos políticos e pelos partidos), atenuou-se a tendência reverencial pacóvia para com o “senhor doutor” e “senhor engenheiro” para ir cedendo terreno à consagração do desagrado para com “todos quererem ser doutores ou engenheiros e faltar é gente para trabalhar” (típico de uma sociedade cristalizada na desvalorização do Saber, na teologia do Ter e no empurranço da apreciação do Ser para o pároco, o chefe e a família) .

Concomitantemente, desgraça maior, o mercado de trabalho mostra-se incapaz de absorver um grande número de recém-licenciados e muitos deles são obrigados a, camuflando as suas habilitações “excessivas”, procurarem a sobrevivência económica através de postos de trabalho de fraca qualificação.

Ou seja, os nossos indicadores de escolaridade e qualificação são baixíssimos, faltam empregos para os que se qualificam, socialmente tem baixado o prestígio dos que progridem com sucesso nos estudos.

Como sempre, a pergunta que se impõe é “que fazer?”. Como, neste quadro de aparente beco-sem-saída, dar a volta, procurando afirmar uma nova competitividade em maiores valores incorporados e acrescentados, o que só pode passar por uma mão-de-obra qualificada, a incorporação das modernas tecnologia e na afirmação da diferenciação? E o Miguel Silva acrescenta a estas preocupações uma pergunta-sentença atirada (julgo) à cara do governo e que apanhei por ricochete - ”que choque tecnológico se pode implementar quando 80% da população não completou sequer o ensino secundário?”

Chegado ao ponto de síntese e desânimo do Miguel Silva, surge também a minha discordância para com este tipo de ponto de vista. Porque não vejo que haja forma de gerir no tempo um faseamento social em que qualificamos primeiro e evoluímos depois. Se a exigência e a oportunidade de qualificação não aparecem (de forma a que seja gratificante para um licenciado terminar o curso e entrar no mercado de trabalho) a motivação pela qualificação vai falecendo. E sem esta motivação, aumenta a probabilidade de crescer o abandono e o insucesso escolares. Porque, há que reconhecer, não é imaginável que a melhoria dos indicadores se processe pela mobilização nacional para melhorar as estatísticas.

Nenhum País muda da noite para o dia (trinta anos não foram suficientes para escolarizar decentemente este País!). E as mudanças não só se fazem faseadas como têm, também, de decorrer em vários patamares consonantes. E o fio da meada encontra-se através de um elemento de catálise na mudança. Quanto às motivações para isso, julgo que seja perder tempo esperar que elas se processem pelas mudanças de atitude ou de posicionamento cultural. Terão de surgir factores objectivos que empurrem e imponham a mudança e a tornem gratificante (ou seja, útil e factor de prestígio e de estatuto remuneratório). Assim, o busilis, o mais dramático, o grande impasse, não estará na preocupante desqualificação da nossa população, encontrando-a na fraca e insuficiente receptividade empresarial, social e cultural (política, enfim) às fracções qualificadas que vão surgindo e não são absorvidas. Porque a nossa estrutura empresarial e de actividades continua, esse o nó cego, a assentar predominantemente na competitividade através da qualidade sofrível e do baixo custo salarial (incapaz, já hoje, de se bater com os “especialistas” nestes “produtos” – China, Índia, Paquistão, etc). Ora, não é precisamente a ideia de catálise do desbloqueio que enforma o slogan programático (tão desapreciado quando não ridicularizado pelos do "contra") do “choque tecnológico”? Estarei, caro Miguel, a ser mais socrático que Sócrates? Ou o meu caro amigo descrê, por questão de princípio, de tudo que venha daquela banda?

















Publicado por João Tunes às 02:22
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Sábado, 27 de Agosto de 2005

PAÍS DE QUÊ?

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O que não se resmungará quando formos, de facto e como os outros, um “país de doutores”?

Publicado por João Tunes às 00:42
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Para depois transformarem a Vida em quê?

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«Transformar o Sonho em Vida». É este o lema que preside ao VIII Congresso da JCP (*), agendado para os dias 20 e 21 de Maio de 2006.
(jornal “Avante” de 25.08.2005)

(*) – JCP: Juventude Comunista Portuguesa (PCP)




Publicado por João Tunes às 00:39
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Sexta-feira, 26 de Agosto de 2005

NINO versus CABRAL

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Se a democracia fosse um regime de garantia das boas escolhas, perdia a graça e ia á falência do interesse. Porque se tornava chata devido ao enfado do pré-determinado. Assim, quem ganha festeja e quem perde tenta para a próxima. E se a maioria dá o voto naquele que a minoria julga ser o pior candidato, ainda resta a mobilização extra da raiva do desconsolo.Abençoada democracia que não permite que a escolha de todos seja a escolha de cada qual.

Pense-se o que se pensar sobre Nino Vieira, o certo é que temos de viver com o facto de que ele é o (de) novo Presidente da Guiné-Bissau. E é legítimo porque foi legitimado. E não adianta tossir.

Claro que houve coisas estranhas, sobretudo na política de alianças, no meter de bico de países limítrofes, numas malas cheias de euros mandados por empresários amigos e mais umas quantas suspeições deste ou daquele procedimento eleitoral. Mas, feito o balanço, consideradas as partes e averiguadas as queixas, Nino foi considerado vencedor e agora só há que seguir-lhe o mandato para ver como se comporta no regresso ao Palácio que ele tão bem conhece. E respeitá-lo na sua readquirida dignidade de Supremo Líder dos guinéos e confiando que não vá repetir asneiras passadas.

Cumprido o acto de culto para com as formalidades, sobra o interesse pelo paradoxo de Nino Vieira ter ganho a Presidência contra o PAIGC (Partido que prolonga a aberração de manter o “C” de Cabo Verde na sigla). Ou antes, contra o candidato proposto pelo PAIGC (o que, talvez, não seja a mesma coisa).

Sabe-se que Nino foi o mais notável General (entre os “pretos da Guiné” que lutaram pelo PAIGC) na luta de guerrilha. Conseguiu até, durante a luta de libertação, adquirir uma áurea tal que o transformou numa figura lendária entre a guerrilha que fez gato sapato da tropa portuguesa. Eu próprio, passados tantos anos, ainda arrasto a sombra do nervoso miudinho quando, uma vez por outra, a noite cai e me alucino a imaginar o regresso das chuvas de morteirada com que ele nos costumava mimosear no Sul da Guiné, encafuados no quartel cercado e ele nas suas mandanças de comandante da Frente Sul (também chamada, então, de “Reino do Nino”). E, passado o medo e despida a farda, ficou-me o respeito pelo combatente de talento. De talento e ganhador, porque com ou ou sem 25 Abril, o PAIGC ganhou (e ganhava) aquela guerra.

Um exagero a comparação que chegaram a fazer entre Nino e Giap. Mais coisa de propaganda deles e de valorização da oficialada do exército colonial a quem convinha agigantar o inimigo para contabilizar o heroísmo da resistência e da contra-ofensiva. Apesar de tudo, e tanto foi, a Guiné não foi o Vietname e, comparativamente, os contendores foram uma escala pequena num rectângulo pequeno. Mas não é isso que, no meu ver, diminui os méritos guerrilheiros de Nino. Ele deu provas no terreno e nas circunstâncias em que combateu e que chegou e sobrou para todas as nossas “Torre e Espada” que bem procuraram deitar-lhe mão.

Como se sabe, o PAIGC transportava consigo uma contradição insanável. E tanto que devia moderar a tendência para mitificar a pretensa genialidade de Amílcar Cabral (com enormes e diversos méritos mas com o senão gigante de ter criado, através do PAIGC, uma impossibilidade de realizar a vitória pretendida pois teimou em impôr dogmaticamente uma abstração intelectual ao conceber a unidade Guiné-Cabo Verde e que deu no que sabemos). Provavelmente, o génio de Amilcar Cabral foi obliterado pela sua condição de mestiço com raízes caboverdianas, acreditando que a ideologia seria capaz de lhe resolver os acasos de nascimento, projectando numa utopia os seus complexos sobre as suas raízes genéticas e de solo e lançando populações na sua concretização inviável. E, na prática, o PAIGC não foi mais que uma elite de mestiços caboverdianos altamente politizados e letrados ou semi-letrados e superiormente dirigida pelo talento de Amílcar (incapazes de desencadearem a luta em Cabo Verde, sequer de mobilizarem a maioria da sua poulação – os pretos caboverdianos) que foram para a luta na Guiné usando como massa de combate os pretos da Guiné (sobretudo os balantas). Ou seja, uma simetria repetitiva do percurso político dos quadros mestiços caboverdianos escolarizados que enquadravam a administração e a burocracia coloniais na Guiné. E, entre os combatentes pretos da Guiné (curiosamente, os balantas não deram um General de destaque durante a luta), Nino (de etnia papel, a circundante de Bissau) destacou-se e foi o mais promovido, por mérito próprio, a um nível de prestígio e de decisão próxima dos quadros caboverdianos do PAIGC. No fundo, Nino foi, para Amílcar Cabral, o preto de talento e útil para disfarçar (dando “autenticidade” africana) às cores “demasiado” claras (pelo sangue europeu) da nata do comando guerrilheiro.

Está para averiguar desde quando Nino Vieira se apercebeu do papel instrumental que Amílcar e os restantes caboverdianos lhe atribuíam e que uso fez, mais ou menos melífulo, dessa percepção quando estalaram as cisões e a intriga foi montada pela Pide e pelo exército colonial e que, culminou, como sabemos no assassinato do líder do PAIGC. O certo é que, desaparecido Amílcar (Aristides e Luis Cabral nunca tiveram résteas do carisma do Chefe assassinado), obtida a independência, Nino deu o golpe que pôs termo definitivo à utopia guinéo-caboverdiana e assumiu-se como o Chefe Supremo dos combatentes pretos e deitou mãos às rédeas do poder. Poder que exerceu da forma que se sabe, foi interrompida de maneira igualmente conhecida, regressando agora, com a legitimidade do voto popular, ao cadeirão presidencial. Com a curiosidade extra de regressar ao poder máximo contra o PAIGC. Resta saber se vai continuar a existir PAIGC com Nino de fora (e com o estigma de adversário) ou se, de uma vez por todas, Nino cobra, com conta de absolutismo (reapoderando-se do PAIGC ou levando-o à inacção da inutilidade), o papel de destaque que, um dia, Amilcar Cabral necessitou de lhe atribuir para contrabalançar a mestiçagem do PAIGC, gerando esta dualidade decerto não imaginada por Amílcar – um PAIGC só guinéo e só de pretos ou o fim do PAIGC às mãos do seu mais destacado General por via do voto democrático. Num caso ou noutro, sem lugares de proeminência para mestiços mesmo que de pele escura como era o caso de Amílcar Cabral (se ele voltasse a ser jovem, bem teria de penar para ter alguma cabidela no PAIGC...). O que é a maior negação ao cantado talento genial de Amílcar Cabral que criou o PAIGC para enquadrar e levar à luta um grupo de mestiços caboverdianos politizados e anticolonialistas com uso de mão-de-obra da Guiné-Bissau, nunca contando que o pessoal corresse com os encarregados da obra.















Publicado por João Tunes às 17:39
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