Sexta-feira, 22 de Abril de 2005
Serra do Açor (Beira)
Viva o 25 de Abril !(e até ao meu regresso)
Se há falta de médicos no burgo, acho muitíssimo bem que se importem médicos. Venham eles. Desde que sejam médicos. Queiram ou não os médicos do burgo patrioticamente já estabelecidos no burgo. Digo-o, não por ser contra os médicos do burgo mas pelos doentes. E por questão de maioria são mais os doentes que os médicos. Portanto, em prevalência de interesses, siga-se a regra da maioria.
Mas não deixa de ser caricatural a situação a que se chegou por via do funil do
numerus clausus. As altíssimas notas exigidas para se entrar nas Faculdades de Medicina faziam entender que só a um jovem génio muito genial e muito aplicado lhe era possível entrar no templo médico. Preparou-se, assim, uma geração de médicos geniais, mesmo que fosse para atender um surto de gripe no SAP do bairro. E quem sou eu para duvidar que todos os médicos da geração
numerus clausus são médicos de alto génio, sábios mesmo, logo quando caloiros do internato?
Criou-se essa categoria de médicos geniais e agora importam-se médicos da bitola dos que não encontram emprego noutros países. Bonito serviço. Nice, mesmo. As corporações universitárias que criaram e conservaram o biombo da genialidade podem limpar as mãos à parede. Agora desengomem-se. E os doentes que sejam atendidos.
Um texto que, sem saber, andava a apetecer-me ler -
este.
Quinta-feira, 21 de Abril de 2005
Muitas são as boas causas que podem levar um blogue a fechar ou a definhar, ficando em ritmo do lá vai um. Saturação, luta contra o vício, a torneira escalavrou e deita água para o chão, outro e melhor meio de lidar com as palavras, não estar para aturar selvagens do fel que nos sarnam a cachimónia. Tantas que eu sei lá. Tantas e tão respeitáveis em si mesmas que muito me avenho com a dificuldade da escolha.
Mas existem más razões, razões deploráveis, para que a um blogger lhe dê para a secura. Entre as malvadas das razões, está a lei do tempo em estilo
fast (em tudo, até no food), do voltar costas à bravura dos sonhos, da supremacia do comezinho medíocre sobre a valorização do desafio.
Um dos meus blogues de eleição, onde a palavra e a alma melhor se entendem, começou a pingar devagar, foi deitando umas gotas de vez em vez, até que pareceu passar-se para o mundo dos blogues finados, sem tempo de se despedir dos amigos e admiradores feitos, apenas com uma mensagem de amargura de remate. Afligi-me, quis saber. Até porque tendo conhecido a pessoa feita gente, na primeira meia hora de falarmos fiquei a sentir que nos conhecíamos de uma data de incarnações anteriores. Outros, o mesmo terão feito.
A explicação pelo silêncio e amargura passada a post lá veio:
Coisas que só acontecem aos taberneiros que às leis do mercado e das suas cíclicas e anunciadas crises preferem a poesia do tinto e dos rabinhos de porco com grão. Coisas de taberneiro naif. Coisas que só acontecem aos taberneiros que teimam que o Alentejo não deixa de ser Alentejo, nem o é menos antes pelo contrário se trajar a modernidade a que também tem direito. E remata com este grito que me encheu o peito de desespero solidário:
Mesmo que aborte, fracasse, que vá à vida, não tenho a mínima dúvida que a Sulitânia Casa de comes-e-bebes é um marco no modernismo alentejano. Valha-nos isso!!!Pois a
Sulitânia está a passar um mau bocado. Apesar de entendidos
assim escreverem. É isso.
A estima tem deveres. Espero bem que a
Sulitânia arrebite e dê um sorriso tranquilo nas bochechas do
Compadre Isidoro. Que bem o merece. Pela minha parte, tarda nada, lá estarei a bater-lhe à porta para dois dedos de conversa e saborear gastronomia feita cultura de saber alentejano. Quem me faz companhia (claro que não precisa de ser na mesma altura!)?
O regime de propriedade das farmácias inscreve-se num dos mais feudais dos privilégios estabelecidos. Um baú de bons patacos repartido entre alguns.
É um escândalo medievo que o proprietário de uma farmácia tenha de ser um farmacêutico. A que acresce a limitação na abertura de novas farmácias. Uma contradição flagrante com a livre concorrência e a economia de mercado. Uma coutada, apenas. Com prejuízos mais que óbvios para os consumidores (que são todos os cidadãos). Garantido que seja que a direcção técnica seja exercida por um farmacêutico, o que acrescenta que a propriedade pertença a um técnico? Nada, está bem de ver. O curso de licenciatura em Farmácia habilita técnicos ou comerciantes?
Aqui está, no meu entendimento, uma prioridade entre as prioridades na política da saúde e do medicamento. Antes mesmo da também indiscutível venda livre (embora condicionada aos requisitos do controlo técnico) dos medicamentos isentos da necessidade de receita médica.
Transmontano vadio e evadido, estou em condições de me sentir como filho adoptivo onde me tratem bem. Afinal, serei um sem-terra de todas as terras. No próximo fim-de-semana estarei na Pampilhosa da Serra (distrito de Coimbra) para participar no seu Congresso. Um Congresso que pretende lançar e atrair projectos para tirar o Concelho e as suas gentes do isolamento e da desertificação, usando como trunfos polares os seus potenciais recursos a água, a floresta e o turismo.
Pampilhosa da Serra ostenta lugares tristes em vários rankings na desertificação, no nível etário, na taxa de analfabetismo, no aproveitamento escolar, nos factores de conforto cidadão. Ao mesmo tempo que tem recursos, recursos não explorados. Trata-se pois de dar um pontapé na inércia que alimenta o deixa estar. Gritando que existe.
Não irei acrescentar grande coisa. Apenas cumprir manias solidárias. Onde me sinto bem é longe dos templos farisaicos dos mandantes e dos nababos, bem junto aos do fim da escala. Porque um abraço também é um recurso. Até será matéria-prima da mais fina.
Num post intitulado
A colónia do Vaticano,
Vital Moreira diz:
Em Timor a Igreja Católica, com os bispos à frente, lançou uma ofensiva de rua contra o Governo, exigindo a manutenção do ensino obrigatório da religião católica nas escolas públicas e a cargo do Estado. Apesar de a Constituição estabelecer a separação entre as igrejas e o Estado e não reconhecer nenhum privilégio à Igreja católica, esta não abdica de parasitar o Estado e de colocá-lo ao seu serviço. Onde pode, a Igreja Católica instrumentaliza o poder público.Concordo com
VM e acrescento: não era nada que não se esperasse (a explosão do fundamentalismo católico em terras timorenses).
Por regra, a Igreja quando se encosta a uma causa, obtendo disso prestígio, irá, mais tarde ou mais cedo, procurar privilégios de totalitarismo de Fé. As sotainas raramente evangelizam à borla. Sobretudo se houver martírio ou alucinações de pastorinhos pelo meio. E medos, os tremendos medos humanos, a rentabilizar. Não julgo que seja por mal, mas apenas pela genética totalitária que lhe está na massa da história. Talvez, por esta mesmíssima marca, é que o Vaticano tão bem soube entender e derrotar um totalitarismo rival (e tanto contemporizou, ou pecou por omissão, com os totalitarismos amigos o nazismo e as modalidades de fascismo).
O martírio de Santa Cruz, a nobelização de Ximenes, o fervor católico como refúgio de esperança dos timorenses deserdados da dignidade (que Portugal oportunisticamente aproveitou com o uso do sempre oportuno Melícias), o branco vestido e estendido pelos remorsos carpideiros da antiga potência colonial quando encontrou um outro demónio a quem se transferissem culpas, foram ases que entraram nas cartas clericais desse jovem e pobre Estado. Para se jogarem mais tarde, com a batota óbvia mas escondida de quem tem mais ases que naipes.
Enfim libertos das opressões portuguesa e indonésia, os timorenses têm precariedade de meios para se libertarem de outras cangas mais. De olho vivo e terço afiado, lá está o fundamentalismo católico a cobrar a identificação construída de Timor com
uma Fé a pretensamente Única. Resta-me acreditar mais - mera esperança voluntarista - no poder de libertação de um povo que no poder de domínio dos exclusivistas. Mas, confesso, acredito por acreditar, iludindo-me no esquecimento da força da razão da força.
A notícia andou por aí sem oportunidade, no momento, de a ecoar faleceu Edgar Correia.
Fomos companheiros diários de lutas estudantis (e outras, nomeadamente nas actividades culturais, sobretudo no Cine Clube do Porto), em 1967 e 1968, no Porto. Lutámos, conspirámos, fizemos juntos, e outros mais, aquilo que, na altura havia a fazer resistir, resistir. Fomos camaradas sem sermos amigos. Porque, pessoalmente, não nos gostámos.
Voltámos a encontrarmo-nos algumas vezes depois. Noutras lutas, agora avançar, avançar. Continuámos camaradas sem sermos amigos.
Eu saí da organização em que fomos camaradas, ele ficou. Depois, chegou-lhe a hora de querer renovar, foi expulso. Nunca tendo sido amigos, deixámos de ser camaradas.
Um dia, alguns dos que o expulsaram vão querer renovar o que renovação não tem. E vão sair ou serem expulsos.
Edgar Correia foi um lutador. Um homem de elevada craveira intelectual, um poço de energia cívica, um passado de dedicação profunda à luta pelas suas convicções. Foi meu camarada. Nunca foi meu amigo. Lamento, com toda a sinceridade e respeito, a sua perda.
Há momentos menos felizes. Um post que coloquei intitulado
Sobre um Pastor Alemão recebeu críticas. Uma delas, a do
Carlos Gil, foi particularmente contundente na sua frontalidade. Reflecti e reconheci que as críticas têm fundamento. Erros cometem-se. Persistir no erro reconhecido é teimosia. Decidi retirar o post. Agradeço a exigência dos visitantes atentos.
Quarta-feira, 20 de Abril de 2005
Dão que pensar os resultados regionais no País Basco. Numas eleições, em que o PNV exerceu várias pressões sobre o governo Zapatero e que incluiu um braço de ferro com ambições anti-constitucionais.
O PNV, partido das grandes famílias bascas, herdeiro de uma longa tradição de nacionalismo burguês, sempre jogou no tabuleiro perigoso da exploração dos sentimentos identitários dos bascos, se necessário com condescendência para com a ala violenta e terrorista dos nacionalistas pistoleiros, em simultâneo com a sua respeitabilidade de aristocracia empresarial capaz de fazer compromissos com o governo central. Aproveitando, também, o facto significativo de os católicos bascos serem os únicos (por via de um clero com cultura nacionalista), em Espanha, que se podem gabar de possuírem uma igreja regional. E, neste jogo, recheado de ambiguidades e duplicidades, conseguir do Orçamento espanhol o máximo de benefícios para as terras bascas.
Na fase pré-eleitoral, além das pressões para um novo estatuto pró-rotura, o PNV jogou forte. Inclusive, pela piscadela de olho aos radicais e violentos, protestando contra o afastamento do Batasuna/ETA da candidatura eleitoral, numa caça ao voto sem escrúpulos.
Afinal, enquanto o PNV perdeu deputados, o ramo basco do PSOE subiu e chegou-se a um empate no equilíbrio de alianças das forças regionais (o PP também desceu no número de deputados). Até porque os 100.000 eleitores do Batasuna/ETA obedeceram às ordens para votarem, em protesto, num grupúsculo desconhecido.
O eleitorado basco parece ter-se apercebido que o PNV estava a ir longe demais e procurou equilibrar forças em vez de atirar gasolina para o lume. Desta forma, o PNV vai ter de se moderar e acalmar-se, adaptando-se a novos compromissos, negociando em vez de pressionar. Resumindo, uma grande vitória para Zapatero e para o PSOE que, sem abrir brechas no seu prestígio junto dos bascos, demonstraram que a firmeza compensa quando do outro lado se procura seguir o caminho da chantagem.
Terça-feira, 19 de Abril de 2005
Mas que mania a do Vaticano em imitar os rituais e reflexos de defesa do velho e ido Kremlin. Retribuição à imitação inversa em que as missas estalinistas imitaram (e imitam, onde se mantêm) os rituais da Igreja? Com toda a franqueza, a escolha do Politburo do Vaticano por Ratzinger lembra, por semelhanças largas, a escolha de Tchernenko. Quem se lembra que compare.
ADENDA: Mas, é claro, parabéns ao Lutz !
O
WR declara-se, por motu próprio, agnóstico. A fórmula serve-lhe para o exercício da indiferença face aos acontecimentos
papabilis. Tudo bem, embora não concorde que represente uma verdade redonda que a escolha do Papa é matéria que compete à Igreja Católica e só a ela diz respeito.
O
WR sabe, oh se sabe, que o papel do Papa, do Vaticano, das Igrejas, pela forma como se cruzam, influenciam, interferem, condicionam os assuntos do mundo, as opções de cidadania, os destinos de todos, as culturas dominantes, as libertações e constrangimentos dos usos e costumes, as hipóteses de libertação dos oprimidos e o desvario dos exploradores, até os assuntos de guerra e paz, é grande e, demasiadas vezes ou insuficientes vezes, de influência maior.
O raciocínio expresso pelo
WR invoca uma Igreja abstracta. E inexistente, sobretudo quando ela (a Igreja) invoca, precisamente agora, uma ainda maior intervenção no mundo, nos nossos mundos. Como se a Igreja fosse um mundo de espiritualidade condómina e privada, um exercício de religiosidade íntima e entre compadres, na relação dos homens e das mulheres com deus. E esta ilusão é propagada no exacto momento em que se forjaram unanimidades a considerar o falecido João Paulo II como o mentor da destruição de um bloco político-ideológico, o continuador da condenação do aborto, da contracepção e da relação sexual fora da intenção procriadora, mais o exercício puro e duro da subalternização da mulher. E se dá como adquirido que o novo Papa será escolhido em função das posições desejadas para com estes mesmos projectos de política, dos usos e costumes, de opções de cidadania, da vida de todos católicos e não católicos. É que, desengane-se se enganado está o
WR, o Conclave está a optar pouco, muito pouco, segundo razões teológicas ou de filosofia perante o mistério do divino e dos medos humanos, e mais, muito mais, como vai influenciar o nosso mundo. Este projecto de universalização da acção da Igreja não implica o direito ao contra-efeito de todos os universos, no pensar e valorizar, lhe responderem na mesma medida a do universal, com direito de lugares à oração, ao aplauso ou à reprovação?
Eu nunca soube bem o que era isso de se ser agnóstico. Parecia-me coisa de
voto em branco ou daqueles que respondem Não sei/Não respondo aos inquéritos de opinião. Uma espécie de adeptos da higiene na opção pela não opção. Nunca soube mas passei a saber. Agora. Porque, segundo o
WR, um agnóstico confesso, o ateísmo militante é, tão só, a outra face da moeda do fundamentalismo religioso. Ou seja, agnóstico é, fazendo-lhe fé e permitindo-lhe doutrina, ser
indiferente perante a Igreja e denunciar equivalências simétricas dos ateus à facção mais dura e crispada da prática religiosa. Ou seja, distraído com Cristo mas implacável com os Anti-Cristo. Com o enorme alívio da isenção do purgatório da terra de ninguém da imparcialidade e do direito à coexistência das várias formas de pensar e interpretar o religioso, como filosofia e como prática.
Adenda 1:Estava eu ás voltas com este post e, castigo merecido, sai o Ratzinger como Bento XVI. Pois dou toda a razão ao
WR, dá mau resultado ateu meter-se em assuntos papais. Ateísmo é coisa que enerva Cardeais, sobretudo na hora do voto. Pior, pior mesmo que Ratzinger, só sair Policarpo ou Saraiva na rifa (quem é que ia aturar o chinfrim das sotainas lusitanas?).
Adenda 2:O
WR respondeu a este post. Clarificou o seu posicionamento. Disse das suas condescendências e repulsas. Avivou diferenças de pontos de vista entre os nossos modos de pensar. Melhor, avaliações muito diferenciadas sobre o papel da Igreja Católica no mundo. O que não tem nada de mal. Pelo contrário. Até porque, na parte que me toca, é um prazer ler os seus posts.
Pelos vistos, o juízo do
WR é mais severo para com o
ateísmo militante. Eu sê-lo-ei para com o papel da religião e a prática das Igrejas. Talvez, e afinal, uma questão de palmatórias. Será isso que distingue o agnóstico do ateu?
No entanto, no meio de tanta elegância no seu estilo muito próprio, o
WR foi injusto, creio que por precipitação, a atribuir-me qualquer projecto inibitório de ele se considerar agnóstico e quando verrina
Então não posso eu considerar-me agnóstico, se entendo por agnosticismo uma postura descrente em relação à prática religiosa e à fé divina? Sim, por motu próprio, pois claro. Ou será que são os outros a decidir das minhas crenças ou descrenças?. Claro que o
WR pode declarar-se o que entender declarar-se. Problema exclusivamente seu. O que falei foi da
minha dificuldade de entendimento do significado da categoria de
agnóstico (eu, que me defino nos mesmíssimos termos do
WR - descrente em relação à prática religiosa e à fé divina , considero-me ateu, termo antipático a que não me escuso). E, como o
WR não deixará de concluir - se ler com mais desportivismo o meu texto - o
motu próprio utilizado por mim era (constatação) sobre a sua decisão de se declarar agnóstico e nunca, por nunca, sobre o seu realíssimo direito a decidir sobre o quer que seja crenças, descrenças, mais o que lhe der na real gana.
Quanto às questões de divergência, ou muito me engano ou vamos ter pano para mangas nos próximos tempos. Como o massacre ideológico-religioso-mediático pegou de estaca, os caminhos da Igreja vão continuar na ordem do dia. Descansemos pois que oportunidades não vão faltar para conversarmos e nos desentendermos. Ou, sem darmos por isso, até nos entendermos. Para já, foi um prazer.
Pois é o que temos guardado chuva só lá para o Verão (e se vier).
Vendo de outra forma pode ser a ruína do negócio das gabardinas (porque raio, quando se fala da seca, só se mencionam os prejuízos com a agricultura e os campos de golf?). Sejamos ecléticos, meus caros.