Quarta-feira, 3 de Novembro de 2004

Que se alegrem os anti-americanos. Bush ganhou.
Terça-feira, 2 de Novembro de 2004

Caminhar solitário numa estrada solitária, é dupla solidão. E se a solidão pode ser dupla, ela não tem duplo que nos substitua nas cenas que magoam. Sobretudo nas cenas em que magoa a ausência de cena por não se ver o fim da estrada.
Tramada a solidão quando solitária é a estrada.
Um gajo só devia sentir solidão quando estivesse parado no meio do trânsito de pessoas com pressa e na hora de ponta!

Eu não sou americano. Nem anti-americano.
Mesmo que fosse anti-americano, continuava a não ser americano.
Como não sou americano (nem anti-americano), deixo os americanos decidirem pelos seus votos.
Eu faço votos para que Bush perca. Mas estes votos não valem um voto. Porque, mesmo acreditando no voto, eu não sou americano. Simplesmente, não voto. Porque não posso votar. Repito, não sou americano.
O mesmo com tantos outros que fazem votos para que Bush ganhe. E com outros que os fazem para que Bush perca. Quer dizer que os votos assim feitos assentam na convicção sobre o poder dos votos. No caso, os votos dos americanos.
Mas, não sei porquê, vejo aí gente demais que só acredita no voto se ele for contra Bush. Separam os votos e dão-lhes pontuação diferente. Se os americanos votarem Kerry, eles serão pró-americanos (na festa da derrota de Bush, depois volta a vaca fria). Se a escolha for Bush, voltam (continuam) a ser anti-americanos. Porque aquilo em que acreditam mesmo é que o americano bom, tirando o americano morto, é o que vota contra Bush. E até alguns dos que suspiram pelos votos contra Bush, acham que o voto não é necessário noutros sítios, desde que aí se seja contra Bush.
Gostava que Bush perdesse. Mas não sou americano. Nem anti-americano. Acredito no voto. Um homem, um voto. Cada voto, valendo um voto. E que deve ser o voto a decidir. Aceitando a vontade do voto. Na América porque do mesmo em qualquer parte, em todas as partes.
![capt.jrl10711021240.mideast_israel_palestinians_jrl107[1].jpg](http://agualisa.blogs.sapo.pt/arquivo/capt.jrl10711021240.mideast_israel_palestinians_jrl107[1].jpg)
Na Palestina.
![capt.jrl11111021432.mideast_israel_palestinians_jrl111[1].jpg](http://agualisa.blogs.sapo.pt/arquivo/capt.jrl11111021432.mideast_israel_palestinians_jrl111[1].jpg)
Em Israel.

O
Fumaças disponibilizou uma excelente visita virtual e abreviada ao Museu do Cairo. Vale a pena lá ir espreitar. De lá roubei esta imagem da sua entrada. E já agora informo que o lago que se vê na frente da fachada está repleto com as duas plantas que simbolizam o Antigo Egipto- a flor de lótus e o papiro (uma símbolo do Alto Egipto/Sul e a outra do Baixo Egipto/Norte).
Um bom aperitivo para quem tencione lá ir, um assassínio de saudade para quem já lá esteve.
Segunda-feira, 1 de Novembro de 2004

Álvaro Cunhal deu-lhes, nos anos oitenta, um nome cheio de imagem e ressonância -
folhas secas. Referia o então Secretário-Geral aqueles que se rebelavam contra o bolor do centralismo democrático, nomeadamente a adopção sacrílega da eleição por voto secreto e contra a fidelidade seguidista perante a antiga União Soviética e os seus clones políticos. Desta forma, tentou-se desvalorizar o peso e significado das sucessivas dissidências dentro do PCP, aquietando os que iam ficando para que olhassem com desprezo os rebeldes (
intelectuais, ainda para mais) que assim não eram mais que parte do ciclo botânico dos que envelhecem e caem na marcha das estações por falta de capacidade para a fotossíntese dos caminhos dos amanhãs que, queiram ou não, cantarão.
A cada camada de folhas secas, seguiram-se e seguem-se novos Outonos, e, então, mais umas tantas folhas caem (por desistência, por ostracismo ou por expulsão). Vai restando o viço dos cada vez menos, cada vez melhores, os fiéis, os puros e os duros. Acompanhando outros Outonos o do definhamento eleitoral e da penetração social, a incapacidade de atrair as gerações mais novas, a indigência teórica de repensar as novas realidades e ajustar o programa, os métodos e os objectivos às profundas alterações económicas e sociais em Portugal e no Mundo, a supremacia do aparelho e da burocracia. E mais Outonos virão porque as pessoas, cada pessoa, tem a sua hora e vez de cansar no esgotamento de quimeras.
(Lembro-me de, num desses tempos de queda de folhas, estar em bate-papo de grupo com o historiador António Hespanha, académico de mérito, meu companheiro da dissidente Terceira Via e homem de fino e aguçado sentido de humor. Dizia ele, farto da fraca altura dos debates em que se consumiam as nossas energias: eh pá, já estou farto de andar a discutir o braço no ar, isto é ridículo, não se passa daqui, esgoto-me intelectualmente a levantar e a baixar o braço.)Pelos vistos, a árvore está em forma e recomenda-se. Vai fazer congresso. Com menos folhas. Mas com folhas verdes que, revoltadas pela infâmia da imposição da Lei, vão escolher um novo Comité Central por voto secreto. O mesmo voto secreto da malvadez outonal. Há alguma coisa que se aproxime, em beleza de celebração, ao mar de cartolinas vermelhas dirigidas ao céu, impelindo às ondas da unanimidade e da aclamação? E virá o novo Jardineiro que saberá tratar das folhas, escolhendo entre as perenes e as caducas.
Aqui fica, para vergonha das memórias das folhas secas, das ímpias e passadas exigências dessa vergonha chamada voto secreto e outros desvarios, os nomes de algumas delas, as mais conhecidas, entre muitas mais, já caídas e já varridas:
Alfredo Cardoso,
Álvaro Veiga de Oliveira,
Ana Merelo,
António Graça,
António Hespanha,
António Mendonça,
António Teodoro,
Baptista Bastos,
Carlos Brito,
Carlos Cidade,
Carlos Luís Figueira,
Cipriano Justo,
Clara Boléo,
Delgado Martins,
Domingos Lopes,
Dulce Martins,
Edgar Correia,
Elvira Nereu,
Fernando de Castro,
Fernando Sousa Marques,
Francisco Rocha,
Francisco Simões,
Helena Medina,
Helena Neves,
Henrique de Sousa,
João Abel de Freitas,
João Amaral,
João Galacho,
João Labescat,
João Rodrigues,
João Semedo,
João Tunes,
Joaquim Carreira,
Joaquim Gomes Canotilho,
Jorge Gouveia Monteiro,
Jorge Lemos,
José Barros Moura,
José Ernesto Oliveira,
José Garret,
José Luís Judas,
José Magalhães,
Luís Sá,
Manuel Correia,
Mário de Carvalho,
Mário Lino,
Mário Vieira de Carvalho,
Olga Areosa,
Osvaldo de Castro,
Paulo Fidalgo,
Pina Moura,
Raimundo Narciso,
Rogério Moreira,
Ronaldo da Fonseca,
Silva Graça,
Vasco Paiva,
Victor Louro,
Victor Neto,
Vidal Pinto,
Viriato Jordão,
Vital Moreira,
Zita Seabra.
fonte: Memórias do presente (Raimundo Narciso)

Distraído como sou, ia-me escapando o
primeiro aniversário do meu blogue preferido entre os preferidos o
Jumento, o que seria uma indesculpável falta de gentileza. Atrasadas embora, aqui vão as devidas felicitações. Muito e bons, caro anónimo, que tanto labor incansável dedica a esse completíssimo baixo relevo de todos os dias, sempre de teclado arguto e afiado. Mas se desconhecido é o autor, bem se reconhece a forma limpa, equilibrada e afiada como distribui os nobres coices, cujos destinatários bem os merecem. E isso é mais que uma identidade, é um selo de autoria. Mas claro que os parabéns vão acompanhados dos também devidos agradecimentos pelo estímulo e pela consideração com que nos tem honrado. Com um abraço pendurado no ar a que só o destinatário saberá dar a devida direcção para o recolher (privilégio de quem não escarrapacha nome, catadura e morada).

Sobre o voto secreto no PCP, vale a pena ler
aqui. Ajuda a entender aquilo que pode parecer um mistério visto de fora - a resistência encarniçada à adopção de um procedimento que devia ser indiscutível num processo de escolha em qualquer organização mas que ali é uma heresia e uma afronta. Por outro lado, Raimundo Narciso faz uma resenha histórica das dissidências, das desistências e das purgas ocorridas no PCP depois do 25 de Abril (de Vital Moreira a Carlos Brito), em que a questão do voto secreto foi um dos mais importantes pontos de fractura. Pelo testemunho (Raimundo Narciso foi membro do Comité Central do PCP durante vários anos), o post tem o valor de um testemunho histórico.