Quarta-feira, 27 de Outubro de 2004

Fugiste, não fugiste? Fugiste. E deixaste-nos com o Santana a brincar às governações, não foi? Pois foi. Agora amanha-te. Livra-te de cá pores os pés tão cedo. Alguém que te arranje emprego por aí. Por exemplo, ensinares o
menino do fontanário de Bruxelas que não se deve fazer
xixi numa praça pública.

Pela imagem, dá para especular que António Mexia foi para ministro mas deixou guardado o antigo lugar de gestor de elite. Não vá o diabo tecê-las?
(foto roubada no fumaças)

Faz-me confusão a frequência com que se cristalizam embirrações, fulanizando-se as mesmas, com clímax de síntese, num
bode expiatório, justificativo de males que só podem ser mais vastos que o poder do tal fulano que saiu na rifa.
Há dois anos atrás, entre nós, a Justiça parecia andar de melhoras em melhoras. Era até um das instituições mais resguardadas da crítica pública. Quando muito, condenava-se o arcaísmo dos meios e a míngua com que os Orçamentos de Estado lhe distribuíam verbas. Um caso houve, António Costa, em que o político que ali ministrou foi largamente elogiado pela modernização reformista que lhe imprimiu. A Justiça era a instituição pilar do regime mais resguardada da suspeita e que melhor passava no exame da opinião da cidadania.
Até que apareceu o processo da Casa Pia e meteu poderosos. Então, num ápice, a Justiça passou a ser a mais atacada das instituições. De repente, os juízes deixaram de prestar, vieram as suspeitas de cabalas, o segredo de justiça deu direito a rios de tinta, comentaram-se excessos prisionais e de aplicação da prisão preventiva, o Procurador Geral da República levou (e leva) tratos de polé e até gente de compostas maneiras o passou a tratar de gato constipado, quase nada ficou com direito à dignidade mínima de existir sem suspeita. Da Justiça, salvou-se a advocacia e os comentadores do múnus judicial, olé.
No meio da bernarda e do chinfrim, os poderosos arguidos regressaram à liberdade enquanto aguardam julgamento, escrevem livros, dão entrevistas e retomaram a vida social. Só lá pena o Bibi de baixa condição social. E as coisas acalmaram.
Acalmaram é como quem diz. Ainda haverá julgamento. Tudo leva a crer que sim.
Mas sobrou o Procurador. Que continua a ser zurzido pelo que diz e pelo que não diz. Come por estar calado porque devia falar. Come por falar porque mais devia estar calado. O homem parece não acertar uma. Donde se pode concluir que, a julgar pela forma como o apedrejam, quem o nomeou acertou em cheio num tonto sem o mínimo de capacidade e de senso, um autêntico artolas.
E os abusados? Esquece. Quais abusados? Pedofilia? Nem pensar que seja coisa de gente respeitável e que tão mal tratada foi pelo miserável aparelho policial-judicial que temos. Os arguidos (excepto o Bibi, esse sim, um miserável perverso) passaram a vítimas.
Venha o fim do julgamento para ver se as coisas serenam. Depois, tudo restabelecido na devida ordem, é tempo de termos Procurador que não seja bombo de festa. Voltando a ter boa justiça.
Terça-feira, 26 de Outubro de 2004

Penso que o
João Carvalho Fernandes não me leva a mal, (re)dizer aqui, que ele é a minha grande referência de exemplo vivo sobre como a lealdade, a solidariedade e a boa estima (o tripé de uma amizade digna desse nome) podem existir entre pessoas com pensamentos políticos e ideológicos colocados nas antípodas ou por lá perto.
Eu e o
JCF teremos quase tudo para divergir - na política, nos partidos, na religião, no clube de paixão, na forma de vestir a vida e de a exteriorizar ou interiorizar. Mas temos três aspectos em comum o gosto pelas bandas da Serra do Açor, o sentido da solidariedade perante a injustiça (que nunca tem cor e é praticada, aqui e ali, em nome de todas as cores) e o prazer pela fruição dos
puros (talvez daí, venha a antipatia, também comum, pelo ditador da
ilha dos habanos que já não os fuma nem merece que antes os tenha fumado). Andámos pela mesma empresa e eu fiquei com uma dívida de apoio solidário para com ele que nunca vou poder pagar. Nem tenho de o fazer, porque isto são coisas que não se
pagam. Tudo à volta da liberdade de expressão, coisa sagrada para ambos, e que, ao fim e ao cabo, acabou por ser treino para andarmos aqui pela blogosfera, cada um pelo seu canto. Ou que serviu de pretexto para retomarmos, noutro contexto e âmbito, uma via de expressão que nos foi oprimida.
Ele anda lá pelo partido do Manuel Monteiro (chiça, penico) e eu cá vou indo pelo anarquismo individualista da esquerda inconformada e renitente.
Gosto da forma lúdica, culta e multifacetada como ele constrói e alimenta o seu decano
Fumaças. Não concordo com as cordas com que ele atrelou o seu blogue ao PND do Monteiro. Mas, pela voz livre e independente que ele revela, aprecio e não perco as suas tomadas de posição e que são inspiração para não me dogmatizar nas minhas (des)crenças e (in)certezas.
Vem isto a propósito de quê? Bem, do facto de constatar agora mesmo que ele, tendo colocado há pouco tempo um post que me pareceu
pró-turco (em termos de adesão da Turquia à União Europeia), mas sustentado em argumentos, ter, com toda a naturalidade plural, transcrito uma
reveladora posição dos Repórteres Sem Fronteiras e que atesta bem a quantas milhas a Turquia está ainda (registados os esforços adaptativos, que também existem) das regras mínimas do convívio democrático e do exercício da liberdade de expressão. Esta naturalidade com que ele coloca vários ângulos, é mesmo dele,
JCF. Saúdo-o e por aqui me fico.

O Presidente Zine Al Abidine Ben Ali, da Tunísia, foi reeleito para mais um mandato (o terceiro, depois de uma emenda constitucional para o tornar possível) com 94,48% dos votos. Entretanto, para o parlamento tunisino, o partido de Ben Ali recolheu 87,59% das preferências eleitorais. Tudo sob controlo então - neste país da margem sul do Mediterrâneo. Os turistas podem continuar a desaguar lá. Os preços são acessíveis, um banho na ilha de Jerba é único, as pessoas são simpáticas, há muito para ver. Todas as agências portuguesas de viagem têm programas para este destino. Ah, e os islamistas radicais estão contidos e de que maneira, levam para tabaco quando são apanhados. Quem se opõe a Ben Ali de uma forma consistente, também, é verdade. Mas não há perfeição à face da terra.
No Egipto, mais do mesmo com Mubarak. E tudo está preparado para assim continuar com o filho de Mubarak, seu sucessor indiciado. E sobre o turismo em terras egípcias já me cansei de falar.
Idem com Marrocos, aqui com uma monarquia constitucional. A sucessão já faz parte da coisa mesma. Turismo acessível igualmente, recomendável desde que não se seja convidado pela PT.
Tudo bem no triângulo turístico magrebino. Uma mistura de protecção do Banco Mundial, do FMI, de Bush e da União Europeia, por troca de conterem o fundamentalismo islâmico. Os direitos de democracia a sério, esses ficam pelo caminho. Não se pode querer tudo. Tunisinos, egípcios e marroquinos, cidadãos ou empregados de hotelaria? A escolha não é fácil, isso não.

Num post, o
Altino Torres, assume-se como comunista de voto, identificando-se com o PCP sobre um certo ponto de vista ideológico (que não explicitou). Depois, lamenta que quase ninguém fale sobre a sucessão de liderança no PCP e verbera que em vez de um debate de ideias presentes se insista nas ideias calcinadas por preconceitos datados como a antiga União Soviética e o facto de ser o PCP um partido anti união europeia.
Dissesse o
Altino que era militante do PCP, e eu ficaria caladinho que nem um rato. Porque, então, haveria uma desproporção quanto a espaços próprios de discussão e a blogosfera seria mais um sítio de ruído que de troca de ideias. Como fala na qualidade de eleitor, então o caso muda de figura, uma igualdade está estabelecida (seremos ambos
só eleitores, embora com escolhas diferentes eu voto, por regra mas sem contrato, CDU nas autárquicas e PS nas restantes escolhas) e julgo que algum debate é possível. Quanto a preconceitos, já não terei grande certeza em que eles não venham para cima da mesa (os meus, pelo menos), mas isso logo se vê. Haja elevação e os preconceitos poderão ser mondados durante a ceifa (pouco ortodoxo mas enfim).
Sobre a sucessão de Carlos Carvalhas, já lhe dediquei mais que um post. Até, atrevimento de um eleitor, me pronunciei sobre
quem devia ser o próximo Secretário Geral, naquilo que me parece ser a única e última hipótese de haver uma inversão de marcha na tendência de declínio de penetração política e social do PCP. Portanto, neste peditório, quem estará em falta será o
Altino de que não conheço a sua posição (a menos que a resposta esteja no refúgio de o Congresso é que decide).
Estou de acordo com o
Altino, embora não utilizasse os mesmos termos (mas isso é questão menor), sobre a necessidade de regeneração efectiva de um partido que detém sobre si a responsabilidade de levar a cabo uma postura séria e capaz, eivada de propostas políticas justas e mais próximas de todos aqueles que vivem em condições menos interessantes e, por isso, têm necessidade de não serem apenas lembrados em épocas eleitorais. Porque a resposta a muitos dos anseios das camadas marginalizadas (sobretudo dos pontos de vista social, económico e dos direitos fundamentais) necessita de uma representação que não tem expressão nos restantes partidos à direita do PCP (PS incluído). E a coisa (o vazio de preocupação e de representação) agravou-se com a opção do PS por Sócrates. E, pelo que se vê, para as práticas sindical e autárquica do PS não se vislumbram medidas regeneradoras e revigorantes. Continua pois a haver um largo espaço de representação de anseios à esquerda do PS. E aqui, naturalmente o PCP tem um desafio de saber ou não saber lidar com esta fatia de cidadania e de eleitorado. E a medida em que segura a sua penetração declinante na fuga para o voto útil (PS), para o radicalismo bloquista ou para a abstenção (e, qualquer dia, para o populismo de direita).
O busílis está no desejo do
Altino em que o
debate, falando-se do PCP, nãos se
calcine na antiga União Soviética e nas questões europeias. Mas essa
agenda não é imposta de fora. É intocável vinda de dentro, na defesa de uma intra-caracterização. Para estas questões saírem da conversa, é necessário que, primeiro, o PCP as resolva e nos diga como as resolveu. Se alguns pressupostos de identificação são pedras de toque (o marxismo
-leninismo, o centralismo democrático, a sacralização do Sector Empresarial do Estado, a amizade com Cuba e a Coreia do Norte, etc), como passar-lhes ao lado? Será possível? E como? (pergunto agora eu)

Mexi na coluna de links. Um a menos (mas, na hora da saída, com direito a estatueta) e entrada de outros mais que descobri e me parecem bem interessantes. Também alterei a sua ordenação que tem a ver sómente com uma forma muito minha de organizar as leituras e não com qualquer critério valorativo e que, por isso mesmo, continuará a mudar consoante os (meus) humores de leitura.

Engalinho com idas ao dentista. Não por falta de resistência à dor que a tenho em suficiente medida. Mas é o aparato. Sentar-me, abrir a boca e assim ficar desguarnecido e indefeso. Olhar a mesa repleta de objectos de tortura. Ter uma luz forte nos olhos como se me arrancassem uma confissão que nunca poderá sair porque a boca está bloqueada por um tubo que cospe ar e líquido e que borbulha na língua, deixando-a sem poiso. È sempre o mesmo: sento-me e apetece-me logo fugir.
Já paguei caro a minha resistência a ir ao dentista. Da última vez, fui lá com uma moínha e para atalhar umas primeiras dores. Antes que fosse tarde demais. Entrei, indiquei o dente dorido, esperando uma brocadela e uma chumbada, sai com dois dentes a menos. Paguei os atrasos com juros. Mais juros ainda vou ter de pagar.
E dizendo isto, também digo que nada tenho contra os dentistas. Pelo contrário. Tenho até um que me preza com a amizade, desde que, em tempos me assistiu no seu consultório de bairro. Enturmámos no mesmo gosto de conversa, ele passou a deixar-me sempre para último cliente, eu de boca aberta, ele com os vagares de fim de serviço, tudo feito sem pressas, terminada a função, ali ficávamos mais meia hora divagando por temas vários. Ele tinha vivido em Angola e no Brasil, por essas terras e gentes nos perdíamos em memórias cruzadas, dávamos uma volta pela política, depois acabávamos em facetas da condição humana, nos pequenos dramas e alegrias que fazem as vidas. Acabou por ir ocupando cada vez mais tempo das conversas pós-serviço, falando-me da sua maior mágoa e maior ternura um filho deficiente mental e motor profundo. E, de cada vez, o final era sempre ver acender-lhe um brilho especial nos olhos e ele confidenciar-me o último avanço e novidade uma reacção positiva a um estímulo, um soletrar, uma esperteza nova, uma traquinice que ele contava e pontuava com uma gargalhada de imensa felicidade e orgulho. Na altura, não conhecia o rapaz de vista, mas imaginava-o através do contar daquele pai babado.
A partir de certa altura, vim a conhecer o Luciano, o filho do meu dentista que andará, agora, pelos treze anos. E vou-o vendo com regularidade. A carrinha da escola de deficientes trá-lo para o consultório do pai e só daí, mais tarde, segue para casa. Confirmei a realidade das suas deficiências profundas mas em que a superação progride a olhos vistos. Há muito pouco tempo, só se movia com amparo, não conseguia controlar os movimentos, nada falava que se entendesse. A partir de uma certa altura, passou a ir ao café lanchar na companhia da recepcionista do consultório. Ela tratando-o com uma ternura disciplinadora para não lhe dar azo a refugiar-se e explorar a sua diminuição. Um dia, o Luciano recusou-se a completar o lanche e insistiu categórico, autoritário mesmo, na aquisição imediata de um chupa-chupa. A empregada negou. Ele refugiou-se numa expressão profunda de amuo e desgosto, recusando mover-se. Como protesto, meteu-se em greve de reacções e o olhar deixou de sequer adivinhar-se. A empregada cedeu e mandou vir o chupa. Num ápice, o olhar do Luciano rasgou-se num riso aberto de gostar o mundo escancarado. Um espectáculo de mudança do comportamento humano.
Ultimamente, o Luciano, está cada vez mais solto e mais guloso, já vai sozinho ao café, sempre a rir-se, deixa cair as moedas no balcão, profere a palavra chupa e aponta com o dedo a sua preferência. A gulodice funciona-lhe como estímulo para vencer barreiras.
Vai lá, o Luciano. Mais depressa que eu entrar no consultório paterno e abrir a boca à tortura.
Segunda-feira, 25 de Outubro de 2004

Uma autêntica malvadez sádica esta que encontrei
aqui sob a forma de soneto.
El tropiezoA los pies de la estatua del bandido
que el centro de la isla nos mancilla
tropezó el dictador y la rodilla
y el codo en el percance se ha partido.
El gozo y el temor por un instante
dejaron sin resuello al personal:
más de uno pensó que era el final
al ver despatarrado al Coma Andante.
El Granma explica hoy, en plúmbeo texto,
que se quebró la chueca, pero el resto
del anciano rufián no sufre mengua
El pueblo combatiente, consternado,
lamenta que no se haya fracturado
además de la rótula, la lengua.
Michel Ventas

Tenho mesmo de agradecer ao
João Abel os esclarecimentos que ele presta
aqui e
aqui.
O Orçamento de Estado é matéria fundamental das nossas vidas e por onde passa o essencial das opções políticas. Passar-lhe ao lado, é desviar do essencial. Só que, para um leigo como eu, não é nada fácil ler-lhe as linhas e as entrelinhas. Quem sabe da poda pode acender as luzinhas para nos orientar. Foi o caso. Louvável.

Onde pára o líder do maior partido da oposição?
O que é feito dele? Apagou-se? Anda embrenhado em mapas à procura de
novas fronteiras, com dificuldade em conseguir entender que a Turquia é um país europeu, nunca foi otomano e não existem por lá curdos nem arménios? Não entende porque raio há cipriotas gregos e cipriotas turcos? Está a aprender com Zapatero como se passa a mão pelo ombro do Comandante em Chefe Fidel? Anda a convencer Guterres a fazer o sumo e pontifício sacrifício de ser candidato presidencial?
A oposição a Santana Lopes acaba em Marcelo, Pacheco Pereira, Miguel Sousa Tavares e Pulido Valente? Aparece, Sócrates, fazes cá falta para animar a malta. Isto está a ficar demasiado monocolor na polifonia de uma banda só. Alguém, seu próximo, lhe passa o recado (um bilhetinho que seja)?

Do ponto de vista humano, percebo o
besugo naquilo que conta da mentira que anda a pregar ao César. Percebi e emocionou-me. Compreendi o homem que existe vestido na bata de médico. Tanto percebi o
besugo que, de caras, afirmo que, com a maior das probabilidades, faria exactamente o mesmo. Não seria capaz de cortar a alguém, de uma rajada, o sonho do projecto de viver.
Mas, eu não posso comparar aquilo que não é comparável.
Eu não sou médico. Eu tenho
uma liberdade (para o caso, de mentir aquela mentira) que o
besugo não tem. Ou um
direito, se se preferir o
direito de compaixão.
Acredito que o
besugo seja um excelente profissional. Até porque a sua dimensão humana deve ajudar isso em 99% dos casos. E quando soube que ele exerce numa região onde por lá andarão montes de primos meus de que perdi o rasto do contacto, senti-me mais confortável para o caso de algum deles lhe amparar o gabinete da SA onde labuta. Mas, se caso me calhasse uma situação parecida à de César, direi que preferia encontrar outro médico. Alguém que, não abusando do acesso profissional ao meu diagnóstico de horizonte de vida, me dissesse a verdade, em vez de uma mentira piedosa. Porque se, um dia, necessitar de uma
mentira piedosa, irei ter com um padre ou com um amigo. Tê-la num hospital é recorrer à ciência para se ser tratado por um médico e sair um capelão na rifa. Um engano, pois. E abuso de poder.
Parágrafo adicional por julgado oportuno: Obviamente que a
gravidade da mentira do
besugo se esbate quase totalmente por ser conhecida através de uma confissão voluntária e só explicável por uma necessidade de auto-justificação, o que indicia que há um
drama de conflito na sua sombra. Pior, muito pior, são os mentirosos não confessos, cobardes portanto. E desses está o mundo cheio. A
mentira médica do
besugo, por exemplo e quanto a gravidade, não é comparável com a
mentira de se escarrapachar que há
frango por um guarda-redes não ter defendido um
livre indirecto em que a bola entrou
directamente na baliza. Esta última mentira, isso sim, é inapelável e a merecer confissão a capelão ou, mais qualificadamente, talvez ao Frei Melícias que é prior na mesma paróquia. Ai estes catedráticos da bola!
Adenda: Não, caro
besugo, não se explicou bem. Pelo menos, para a minha vagarosa e tortuosa capacidade de compreensão. Assim, com o segundo post, está mais claro. E a volta que deu ao
frango, essa foi divinal (uma enguia, em boa forma, não conseguiria melhor). De qualquer modo, tudo nos conformes. Agora. Mas não gostei mesmo nada, zangado estou, sobre uma hipotética contenção, vá lá de lhe decretar maldição e ameaça de cadeia. Porque, no mínimo, suja-lhe a bata (se fosse batina, talvez não se notasse, mas não é). Adiante. Limpe-se, se quiser. Sobre a sua inveja a ambos por saberem tão bem aquilo que quereriam saber, se a vez deles chegasse, aqui merece dois comentários: a) não tive pacto de sociedade na reacção, portanto pode e deve retirar o ambos e a pluralística resposta; b) não tenho (alguém tem?) certezas sobre nenhuma das minhas fragilidades futuras e por isso mesmo é que treino, hoje, a coragem para amanhã.
Domingo, 24 de Outubro de 2004
![898281[1].jpg](http://agualisa.blogs.sapo.pt/arquivo/898281[1].jpg)
O seu último romance (*) será a obra de maior e mais madura hispanidade de Jorge Semprún. Tanto que (apesar da excelente tradução) não consegui segui-lo a pensar em português. As palavras iam-me passando pelos olhos, mentalmente ia-as traduzindo para castelhano, só depois conseguindo apanhar-lhes os sentidos, os sabores, os tons e os requebros.
Ao mesmo tempo que estão aqui os grandes mitos e obsessões do
estar hispânico, Semprún faz a grande reconciliação histórica com o passado de divisão entre os espanhóis. Não pelo
esquecimento, essa estupidez política da transição democrática que só adiou e interiorizou. Mas pelas pontes, pela relativização dos lados do mal e do bem, do papel absurdo das circunstâncias que tantas vezes viram o mal onde estava o bem e vice-versa, e isso em ambos os bandos e nas trincheiras das duas grandes fixações dogmáticas que levaram os espanhóis a resolverem os grandes diferendos através da morte.
A morte é a grande paixão espanhola, já se sabia. Antes e depois do amor. E mais que a morte e o amor, só mesmo o excesso motiva e faz ferver o sangue aos nossos vizinhos. Bem os quiseram domar, canalizar-lhes a energia letal, metendo-os nos curros da inquisição, da expansão imperial, servindo os extremos das ideologias internacionais, domá-los com padres, freiras e cardeais, generais e legionários, reis e rainhas, missas, muitas missas, nada feito. Só os
toros os desviam, os acalmam e os esgotam. E sabe quem alguma coisa sabe se acabarem com as
corridas, deitarem abaixo as praças de toiros, os espanhóis vão, outra vez, matarem-se uns aos outros. Porque, sem
toros, cada espanhol tem a forte probabilidade de se transformar, ele mesmo, num
toro. Tudo muda, sabe-se. Talvez essa trilogia da grande anestesia em marcha União Europeia, Aznar e Zapatero consiga o que não conseguiram os padres, as freiras, os generais e os agentes do Komintern: tornar os espanhóis em gente como as outras gentes. Talvez. Mas convém confirmar primeiro, antes de se arriscarem a fazer a vontade aos
queques ambientalistas e proibirem os
toros, exterminando estes animais que, sem
fiesta, estão condenados a desaparecer (acabando-lhes com o sofrimento e com a existência).
E assim, num romance hispânico, Semprún que mete como personagens a morte, o amor, o ódio e a paz da memória da guerra civil, o incesto, o pecado e a virtude, o grande personagem discreto (mas o mais forte, assim o captei) é um dos
Dominguín (para quem não sabe uma família do melhor toureio de Espanha). E a pintura, pois, a pintura porque Espanha é muito mais que toureio. E ainda, e sobretudo, a memória de Semprún, do homem que foi prisioneiro em Buchenwald, dirigente clandestino contra Franco, trânsfuga do PCE, ministro da cultura no primeiro governo do PSOE. E é entendendo-me com ele, bem, muito bem, que eu me entendo com os seus livros. E com Espanha.
(*) Vinte anos e um dia, Jorge Semprún, Edições ASA

A última quinta-feira foi o
Dia 1 de Santana Lopes atirar a
carta Mexia, o seu ás de trunfo, para cima da mesa. Foi de promoção festiva, iniciado com larga reportagem e entrevista na
Visão até acabar em
grande entrevista com Judite Sousa na RTP. Depois, tivemos o
Dia 2, com o protagonismo no encerramento do Túnel do Rossio. Vamos ter, é claro, uma continuação de fartote da mesma carta a sair vezes sem conta de dentro da manga.
A
Central de Formatação já mexe. Depois do desnorte incontrolável com a colocação dos professores e o início das aulas, mais a cascata de evidências sobre o plano de controlo da comunicação social e expressão de ideias rebeldes, depois dos desaires nas regionais das ilhas, o recurso ao
ministro gestor vem no jeito mais favorável de
esquece, passa à frente e muda o disco. António Mexia, mestre em camuflar a sua superficialidade em auditórios controlados e obedientes, usando o jargão modernista de frases feitas da linguagem de tecnocrata resoluto, aparece com o charme conveniente para dar uma imagem de competência, poder de resolução e modernismo liberal. Antigamente, a isto chamava-se impressionar o burguês (em francês, como era do bom tom da época), hoje, em linguagem mais comezinha, chamar-se-á atirar poeira para os olhos. Dito de uma ou outra forma, temos o
populismo na sua evidência camuflada o circunstancial e o fáctico na boca de cena, enquanto a essência, ela mesmo, vai passando devagarinho em mistura com o charme discreto dos interesses instalados.
Mas se a peça durar tempo suficiente para ter vários actos, ainda nos arriscamos a ter a parte macaca, quando Mexia, cuja ambição há-de perturbar o jogo prolongado de ser
braço direito, disser para Santana saí daí que quero o teu lugar, eu tenho maior cotação no mercado dos capitais políticos. Caso Santana não saiba isto, ele que tenha uma conversinha confidente com Pina Moura - o
autor da criatura, aquele que deu o primeiro calor para chocar o
ovo da serpente.

Segundo leio no
Expresso, uma delegação da fracção dirigente do PCP foi (ou vai) visitar Cunhal para ouvir a sua opinião sobre o processo de sucessão na Secretaria Geral. Tudo o que segue, é escrito no pressuposto de que houve boa informação no tratamento da notícia. E que descansem eventuais pressurosos em adivinhar profanação do respeito devido aos idosos, porque não há risco de repetição de tecla.
Nada a apontar no acto de consulta ou conselho. Apesar da idade avançada do conselheiro e este estar a padecer de muita doença (que, inclusive, o impediu de exercer o direito de voto nas últimas eleições, o que, não fosse o caso de a sua saúde estar fortemente abalada, de certeza não aconteceria). Admito que Cunhal ainda tenha capacidades e informações para dar a sua opinião. E que, assim, ela deva ser recolhida.
Mas, conhecidos que são os rituais da escola e da prática da facção dirigente (alimentada e instalada pelo próprio Cunhal), não é escandaloso supor que a
visita a Cunhal seja um expediente de legitimação e utilização apologética da solução que já terá sido cozinhada no seio da
fracção bolchevique. Ou seja, obter-lhe uma
ratificação, nada difícil nas condições de isolamento em que é forçado a viver, para a usar como elemento de influência para dentro do partido. Porque, enquanto Cunhal estiver vivo, por muito debilitado que esteja, o trunfo
esta é a opinião do camarada Álvaro pesará sempre num partido em que o subtil (mas super-eficaz) culto da personalidade está entranhado até à medula. E, nesta fase, uma opinião apresentada como vinda daquele antigo dirigente, tem ainda a carga suplementar de ser um
testamento político que, culturalmente, tem um enorme peso indutor de
respeito. A ser assim, a propalada
decisão do colectivo valeria pó perante o peso de uma
visita, fazendo lembrar o que ocorreu no período soviético entre 1922 e 1924, com Lenine doente e muito diminuído, em que se sucediam as
visitas a este dirigente para que uma ou outra fracção tentasse ganhar pontos no processo sucessório.
Pode parecer um cenário demasiado maquiavélico. Mas não seria a primeira vez que tais processos são utilizados na casa. E toda a técnica do
centralismo democrático permite a apetência e a eficácia destes recursos. O
centro tem sempre um catálogo de sofismas para boa escolha. E uma atracção irresistível por copiar processos, métodos e rituais da história das práticas de referência.