Segunda-feira, 2 de Agosto de 2004
Segundo o
Evaristo (Mestre de outro blogue da minha preferência), um soldado do Exército Popular da China, demonstrando falta de espírito de classe, claudicando perante o inimigo interno, mas sobretudo o externo, acometido de miserável míngua de força nas canetas, não se aguentou na demonstração de vitalidade da aliança operária-camponesa ocorrida em Hong-Kong e baqueou na presença vil da imprensa burguesa, imperialista e social-imperialista presente naquele solene evento de demonstração do poderio proletário-militar.
Decididamente, a China, a
China Vermelha, já não é o que era. Sobram espingardas, faltam canetas.
Passei por apertos e não sou dos que se gabam de nunca terem tido medo.
Aprendi cedo, por péssimas razões, a lidar com o medo e forjar essa lide com a vontade de não abdicar do pensamento expresso, atirado ao vento ou às fuças do enxame de opressores de pacotilha. O que não era um caminho rectilíneo, antes cheio de subidas e de descidas, consoante o corpo e o ânimo iam suportando.
Não, não era uma questão de
superioridade moral o truque para dar a volta às situações. Era antes um profundo desprezo, arrogância se quiserem, para com aqueles que faziam a vida de meter medo, pondo outros a rastejarem. Perante um
pide ou outro
tiranete, daqueles que por uma vontade ou por um capricho, embirração pequena que fosse, fixavam a presa até a terem domesticada ou destruída. Eu nunca entendi o
abuso do poder. Nunca aceitei esse gosto nefando de vergar outro, sugando-lhe o sangue da liberdade e do gosto. Ou tentar marcá-lo a ferro em brasa, perseguindo-lhe as canelas, vigiando-o, indo cuspindo nos seus passos, andanças e erranças, contabilizando deslizes para vergar ou vingar. A luxúria do domínio, afinal.
Lembro-me dos
bufos que fui encontrando pela vida fora, raça que tarda a desaparecer. Aqueles que faziam da denúncia e do indício espalhado, a compensação da sua pequenez. Porque o
bufo, por natureza, não se revela, não diz quem é e ao que vem. Não mostra a cara e apenas mostra um dedo. Esconde-se debaixo de um pseudónimo ou nem sequer isso. Alfineta no escuro. Porque é gente que vive no escuro. Infelizmente, entre nós, o
bufo era valorizado pelo antigo regime. Era até peça importante do sistema de controlo e vigilância contra as dissonâncias estabelecidas. Impressiona-me ainda hoje como era possível que houvessem no nosso país, frequentando-nos, tantos milhares de
bufos encartados, e a receberem, por isso, uns dinheiros para gastos. A democracia ainda não lhe acabou com o género ou sequer com o gosto. Eles continuam por aí. Espiam e
bufam. Mas já não são um perigo, haja deus. Podemos desprezá-los, pois.
Uma prova de verdade a lidar com o medo, passei-a durante um dos tempos em que vivi e estudei no Porto. Impante dos meus pouco mais de vinte anos, sentia o mundo todo ao alcance da mão. Cheio de verdura, pensava que o que estava mal devia ser mudado. O que, naquele tempo, era, até na lei, um
atentado contra a segurança do Estado. Recolhia das minhas noitadas de estudante à casa onde morava na Fernão de Magalhães (então bem mais pacata do que é hoje). Umas vezes vinha dos copos convivas ali para as tascas dos Congregados. Outras vinha exausto de tertúlias no
Ceuta ou no
Diu, prolongando debates iniciados no
Cine Clube do Porto ou para digerir a peça em cena no
Teatro Experimental. Também acontecia regressar de namoros prometidos. Ou, as mais das vezes, de conspirar coisas ridículas, nos critérios de hoje, para mudar a ordem das coisas que faziam a nossa tristeza e alimentavam a nossa revolta.
Não sei porquê, os homens da
Rua do Heroísmo, achavam que eu estava em
estado subversivo e seguiam-me os passos, atentos à minha
perigosidade. E então, noites a fio, quando metia chave à porta de casa, havia um VW preto (da família dos carochas) estacionado a poucos metros que, quando dava a volta à fechadura, acendiam os máximos, iluminando-me a cara. Eu não lhes via os rostos, mas sentia bem quem eram e o que queriam. Era a velha técnica da intimidação: avisarem-me que sabiam de mim o suficiente para eu ter de mudar. Trancada a porta por dentro, no silêncio nocturno, eu esperava e geria-me. Nunca me deu para equacionar mudar de vida e de regras. Achava aqueles
pides uns desgraçados encarregados de reforçar a minha vontade de lutar. Mas o pior estava para vir, ou seja, a capacidade para habitar o sono. Até porque sabia que era norma o telefone tocar e ouvir uma voz masculina e alarve, do outro lado, gargalhar um filho da puta e desligar-se. Com o passar do tempo, fui gerindo o ritual e conseguir espaçar o período, encurtando-o, até pregar no sono profundo que era o que as noitadas me pediam. Quanto ao telefone, o remédio foi simples: à chegada metia-o fora do descanso.
Os
pides da
Rua do Heroísmo acabaram por me largar (devem ter concluído que maiores perigos habitavam noutras bandas). Ou, então, também os
pides e os
bufos se cansam. Como o medo, porque o medo também cansa e depois não há pachorra para o aturar. E retive para mim que o melhor remédio para o medo é cansá-lo.
Sem ele, também não seríamos como somos hoje. No melhor que ainda somos.
Se estivesse ainda connosco, Zeca Afonso faria hoje 75 anos de idade. Talvez cantasse ou talvez não. Mas teríamos, pelo menos, o seu olhar de permanente interrogação silenciosa a perguntar-nos para dentro se andávamos mesmo a fazer um mundo melhor. E a resposta que eu daria, talvez mais alguns, é que, sem a sua voz e sem o exemplo libertário, nos tínhamos distraído, envelhecido e pantufado, cansados de lamentar o neo-liberalismo que substituiu a utopia utópica. Mas que, quanto a sons de alma, ele que estivesse descansado:
com Zeca sempre, até sempre. E tentaríamos que ele não soubesse pelos jornais que agora, só agora, o município de Aveiro entendeu que ele merecia o seu nome numa placa numa praça da sua cidade natal. Porque ele se iria irritar, não pela demora, mas pelo significado do mau gosto do atraso.
Para consultar a cronologia da vida que habitou esta voz única, pode ir
aqui.
O acidente ocorrido com o terminal petrolífero em Leixões, merece a maior atenção, o devido apuramento de responsabilidades e a tomada de medidas para prevenir repetições.
Mas dá que pensar as movimentações
oficiais à volta deste acidente.
Primeiro, o
Narciso da Lota não podia faltar ou não fosse ele o homem que fez da tentativa de encerrar a Refinaria da Petrogal em Leça, a sua grande
causa autárquica. Exactamente o autarca que levou a especulação imobiliária até aos portões da Refinaria (prolongando Leça até ao Cabo do Mundo) para depois argumentar que, por segurança, não devia haver uma Refinaria às portas de um meio populacional. E aqueles terrenos dão tanto jeito para estender a imobiliária ali à beira-mar
Narciso Miranda sempre deu mostras de preferir as fortunas imobiliárias a uma unidade estratégica de produção e centenas de postos de trabalho.
Não faltaram também o novel Ministro do Ambiente, o Secretário do Mar e mais uns tantos pajens, paquetes e xerifes.
Não sei se Mexia, o das Obras Públicas, meterá ali prego e estopa. Mas era bom que assumisse responsabilidades pelo tempo recente em que sendo
Presidente Executivo da
Galp, descurou (depauperando em meios) a segurança nas Refinarias, desinvestindo nelas com o pretexto de que a
refinação devia ser mandada às urtigas.
Veremos se não estamos perante mais um exemplo de caso de
fazer o mal e a caramunha.
Adenda 1:De um amigo que trabalhou quase uma vida na Refinaria da Petrogal em Leça, recebi, por mail, este grito de revolta a propósito do acidente tratado neste post:
O pior já passou; mas a verdade é que nas Refinarias se trabalha sobre um barril de pólvora. Pólvora essa cujo poder detonador se vai refinando, à medida que se vai poupando (como um director de manutenção gostava de chamar ao não fazer) em manutenção preventiva e se reduzem os gastos em segurança (o accionista exige cada vez mais lucros).
Ouvi do sr. Narciso Ciranda duas asserções: primeira, se dependesse dele resolvia o problema da Refinaria em 24 horas (fechava-a, entenda-se); segunda, a Refinaria pode continuar a laborar em Matosinhos desde que cumpra "as balizas da legislação portuguesa". O que terá feito mudar, em poucas horas, esta cabeça iluminada?
Sabemos que o sr. Narciso Ciranda anda há cerca de dez anos a reclamar a desactivação da Refinaria do Porto (entretanto foi chupando quanto podia em favor do seu município). No entanto, se puxarmos pela memória, o sr. Narciso Ciranda já ocupa o cargo há mais de vinte anos. Pergunto: porque só há dez reclama o fecho da Refinaria?
Eu dou uma ajuda. Quando entrei para a Refinaria do Porto em Janeiro de 1972 toda aquela área desde os tanques de petróleo bruto até cerca de uns 200 metros a norte do ponto onde se verificou este incêndio, era MATO; era uma zona de caça, cheguei a ver raposas bem próximo da entrada da Refinaria. As únicas construções existentes eram da Marinha e a envolvente era zona classificada. Com a desclassificação daquelas instalações militares iniciou-se o forrobodó imobiliário na marginal de Leça e na estrada Oeste/Leste que parte do farol, cuja construção foi paga pela Petrogal. Aí as casas não distam 100 metros dos tanques de petróleo bruto. Daqui se infere que foi Leça que se aproximou da Refinaria que estava bem sossegada a mais de 1 Km. E quem permitiu isto? A Câmara de Matosinhos e o seu presidente!
Adenda 2:
Transcrevemos opinião entendida de um visitante-comentador:
"O acidente verificado na Refinaria constitui um acidente gravíssimo e custou-me bastante assistir ao espetáculo dado pelo nóvel ministro do Ambiente a justificá-lo como um acidente de obra (seja lá o que isso fôr), duranta a minha vida profissional (sou oficial da marinha mercante) trabalhei inúmeras vezes com refinarias, já que estive embarcado bastante tempo em navios químicos e como tal sei que tudo o que estiver a acontecer na refinaria, condutas, interface navio/cais etc. tem a vêr com a segurança das operações, portanto não é o facto de decorrerem obras em condutas que iliba a refinaria das suas responsabilidades de Gestão da Segurança e Proteção Ambiental, até porque essas obras eram da responsabilidade da refinaria. Já agora penso que o Inquérito ao que se passou deveria estar a cargo de uma entidade independente da refinaria e da tutela, por exemplo uma sociedade classificadora que não seja a mesma que tenha certificado a refinaria, não nos podemos esquecer do grave e trágico acidente ocorrido na Bélgica um ou dois dias antes.
(comentário feito por Embarcadiço)
Andar por aqui na blogosfera serve para tantas coisas que até serve para o engano. O que, mais ou menos, é uma confirmação da asserção:
quem vê blogues, não vê pessoas.
Um dos blogues que há muito estimo é o
Cidadão do Mundo. Porquê? Não sei. Melhor, não faço a mínima ideia sobre o motivo da simpatia e do gosto em o ler. Gosto, simplesmente gosto da prosa e do olhar, o que não é nada pouco. Quanto a posições, muitas têm sido as vezes em que temos andado de candeias às avessas, o que é apenas uma forma de dizer que discordamos mais do que aquilo em que afinamos no modo de abordar os lusos acontecimentos. O que, para mim, funciona como
elan acrescentado no estimulo em o ler. Pela parte que lhe toca, este companheiro (??) não se tem coibido de aqui me fazer companhia e largar os seus comentários, assumindo a clareza das suas discordâncias. O que é motivo de vaidade pelo privilégio da visita e do papo.
Quer se queira ou não, quando vamos tecendo laços com um(a) ou outro(a) ciber-desconhecido(a), somos forçados a imaginar o(a) sujeito(a) lá a teclar do outro lado. Pois eu, com as andanças, imaginava o autor deste blogue como um respeitável cidadão, alto/médio funcionário público, apreciador de bom vinho, dado ás letras e às artes, socialista reformista, trintão, bom pai de família e extremoso temente a deus mas mantendo vivas umas quantas costelas anarquistas irreverentes que lhe tivessem sobrevivido de uma adolescência feliz mas impetuosa, enfim um burguês libertário e bom conversador.
Retrato feito e à espera da prova real da confirmação ou do disparate, já me habituara até a tratá-lo pelo nome com que ele se dava à nomeação:
Fernando. E andámos nisto um ror de tempo oh João para cá, oh Fernando para lá.
Eis senão quando o(a) pseudo-Fernando se meteu em discussões com outro companheiro, a propósito de injecções ou de adrenalina em ampolas (já não me recordo ao certo), e o(a)
falso(a) Fernando se confessa, contando
aqui que afinal a autoria do blogue é propriedade legítima de uma tal
Irina, quarentona, ucraniana, arquitecta de formação e manicura de imigração com
salão de festas montada na mui nobre Ermesinde.
Até pelas saudades que tenho do tempo que passei por Kiev, belíssima cidade, a revelação não beliscou um milímetro na consideração adquirida. Nem pensar. Mas confesso que fico assim a modos que sem jeito apropriado para lidar, com as conveniências devidas, com uma arquitecta-manicura. Talvez o acanhamento passe. Mas vai ser preciso dar algum tempo ao tempo.