Quarta-feira, 25 de Agosto de 2004
O
João Abel Freitas, depois de uma viagem a Luanda colocou no seu blogue interessantíssimos posts de reflexão sobre a situação vivida em Angola e reflectindo sobre a forma de aquele país ultrapassar os seus problemas e seguir na senda do progresso e da democracia. Com o título
Relativizando as Ideias, o JAF já vai no sétimo texto de reflexão.
Como o tema me motiva, coloquei aqui um post de discordância inicial (intitulado
Optimismo vindo de Angola) e tenho semeado no
Puxa Palavra os meus comentários de alimentação de polémica. Como os argumentos são de substância (e o JAF pretende, e eu louvo, dar alguma profundidade à reflexão) tenho por lá estendido o guardanapo e já mereci o justo reparo de outro comentador que andava para ali a colocar posts e não comentários.
No seu sétimo post, o JAF responde às minhas observações e discordâncias. Para lhe responder a preceito, já não me atrevi a ir lá aos comentários do
Puxa Palavra. Prefiro alargar-me por aqui, onde tenho privilégios de propriedade de espaço para comentar os seus últimos argumentos. Cá vai.
Caríssimo João Abel,
Agradeço a tua disponibilidade para prolongar este diálogo sobre um tema que julgo do maior interesse. Isto porque, queira-se ou não, estamos e estaremos ligados a África de língua oficial portuguesa. Pelos interesses, pela economia, pela língua
oficial (luta difícil esta de preservar este laço que é bem volátil), pelo sentimento, pelo que resultou de cruzamento de culturas, pelas vagas migratórias, enfim, tanta e tanta coisa.
O desporto é sempre um bom aferidor de como as coisas se passam ao nível dos sentimentos mais profundos da cultura disseminada e entranhada. Viu-se como os africanos, nesses países, viveram a carreira portuguesa no Euro 2004 e como tomam partido nas disputas clubistas cá da casa (uma vez, na Praia, calhou chegar uma hora antes de começar um Benfica-Sporting e fiquei atónito com o monumental engarrafamento das muitas dezenas de milhares de cabo-verdianos que, vindos da periferia - onde não há televisão -, equipados a rigor com as indumentárias dos dois clubes, se dirigiam em massa para os cafés da cidade onde havia televisão, vibrando com um fanatismo clubista capaz de fazer passar por anjo o mais fanático cá da terra). Infelizmente, o contrário não tem a mesma dimensão (e isso dirá alguma coisa ou, se calhar, muita coisa). Aqui não se acompanham as façanhas da Mutola ou da selecção de basket de Angola (e estou a falar de dois casos de afirmação no top do desporto mundial), por exemplo, com a mesma vibração com que os africanos acompanham as nossas venturas e desventuras. Mas acredito que alguma frieza notória que por aí se nota em
adoptar o Obikwelo como
nosso se deve também (mas não só) ao facto da distância perante a sua origem nigeriana. Fosse ele naturalizado mas nascido em Angola, Moçambique ou Guiné e não tenho dúvida que a
adopção seria mais intensa e menos valorizado (ou mesmo esquecido) o factor do local de nascimento. E é sintomático que, perante Mutola (uma das maiores atletas de todos os tempos), há alguma distância porque ela representa Moçambique. E aqui, ama-se quem de lá vem para aqui vestir (e servir) a farda verde-rubra ou a de um dos nossos clubes domésticos. Porque, o busílis é que, no conceito de pátria dos portugueses, pátria mesmo, a sério, é Portugal. Angola, Moçambique e por aí fora, ainda são vistas como fugas falhadas para fora da sombra da bandeira. Pátrias faz-de-conta, melhor dizendo.
Vem este desvio pelo desporto (tenho que me defender para evitar entrar na economia pela desproporção abissal entre os nossos saberes) a propósito do que muito justamente referes sobre os preconceitos que subsistem no olhar da maioria dos portugueses sobre África. E, sobre isso, assino por baixo dos primeiros parágrafos do teu sétimo post sobre Angola. E concordo em absoluto que, quem se conseguir libertar das ataduras do eurocentrismo (seja do fel ou do mel), tem obrigação de se chegar à frente.
No meu entender, esses jovens países têm problemas (gravíssimos) mas nós também os temos e não são pequenos (no olhar para eles e no saber entendê-los). E sabemos de onde tudo vem e em que quase tudo é alimentado. Tem a ver, julgo que seja claro, da demagogia (que não para de crescer, sobretudo desde a entrada do PP na coligação governamental) do fantasma dos crimes da descolonização. E que constitui uma poderosa cortina de fumo (que se suporta numa estratégia revisionista, cujo principal pilar é a recuperação da heroicidade, grandeza e justeza da guerra no ultramar) para incapacitar o entendimento do que foi a colonização, a impossibilidade histórica e política de a prolongar e a forma brutal e teimosa como fechámos todas as portas a uma outra transição que não a da via militar. Julgo que este trauma, ainda por cima com uma não despiciente base social de apoio (oficiais de carreira, ex-combatentes e colonos expelidos pela descolonização e pela resistência à descolonização), está com as feridas a abrirem-se e com gente a deitar-lhes sal para as avivar. E o principal problema será o encolher de ombros (que julgo detectar) e o calar dos que pensam diferente. Pela parte que me toca, direi que era o que faltava ter sido militante anti-colonial durante o fascismo para me calar agora que vivemos em democracia. Exactamente por assim pensar, é que, no meu blogue e desde que o lancei faz agora um ano, não desisto de defender o meu ponto de vista sobre a descolonização entendida como resultante de uma colonização real e que bloqueou, fechando-se sobre si própria. Tentando dar o meu testemunho, que é, afinal, a única forma que tenho de rentabilizar os dois anos da minha vida em que me mandaram servir o colonialismo na guerra colonial.
Entretanto, não vejo forma de se ter o mínimo de autoridade para se falar na colonização e na descolonização sem que não se deixe cair ao chão uma sequer de todas as muitas e duras críticas que se têm de fazer ao modo como o MPLA, a Frelimo e o PAIGC, consolidaram o poder, o usaram e o usam, a forma como desgovernam o seu povo (governando-se), os abusos de poder, a resistência à democratização e a forma como se desenvolve a acumulação de capital das burguesias nascentes. E, também neste aspecto, a minhas mãos ainda não se cansaram do teclado. Porque também acho que tenho autoridade para verberar aos actuais dirigentes daquelas cleptocracias a traição aos ideais, aos princípios e às inspirações com que esses Movimentos foram criados e pelos quais, muitos, em muitos lados, deram a vida e construíram causas hoje apunhaladas.
E, neste aspecto, a opinião pública e a comunidade internacional tem que ser exigente para com esses governos. Não se trata de interferir nas suas soberanias, mas sim de lhes exigir, se não querem ser párias da comunidade internacional democrática, provas de que respeitam os princípios democráticos, respeitam os direitos humanos, permitem as liberdades essenciais e a separação de poderes, não reprimem a existência de uma imprensa livre e a formação de uma opinião pública cada vez mais exigente. E, penso que sobretudo esses governos têm de provar que, em vez de alimentarem a corrupção, vão tomar medidas para a combater e permitir que ela seja combatida ao nível do aparelho policial e judicial. Por exemplo, é inadmissível (por lesivo do Estado e por decência) que, quando precisei de cambiar dinheiro em Luanda e teimando fazê-lo oficialmente num banco estatal angolano (junto ao Hotel Presidente), tenha atravessado a porta pejada de candongueiras de moeda, sentadas na soleira da porta e protegidas pela segurança do próprio banco, sendo recebido com enorme má vontade e olhar furioso pelo empregado bancário que me atendeu e que, a contra gosto, lá me fez o câmbio com péssimos modos a roçar a hostilidade (porque ao recusar o mercado informal eu estava a violar uma forma de ali se viver, tendo eu cometido uma espécie de agressão cultural e eventualmente ofendido interesses partilhados entre as candongueiras, os seguranças e os empregados do banco, gamando o Estado como é óbvio). Porque, convicção minha, enquanto a corrupção for um modo normal e vulgar de se viver nesses países, nunca neles a democracia vingará de forma sólida e haverá sempre a tendência de se voltarem às guerras civis e a novos ciclos de desgraças para os seus povos e para as nossas consciências. E também aqui concordo absolutamente contigo que têm de ser consolidados os passos de compromissos internacionais, através da ONU, da UA e da EU, para que se criem plataformas evolutivas mas controladas no cumprimento dos compromissos.
Dizes que sentes
dificuldades em separar, neste processo, a evolução africana, Angola, Moçambique, São Tomé, etc., a evolução da América Latina, etc., de todo um sistema que se esboroou a partir das transformações no Leste europeu, originando situações em termos de direitos humanos muito piores do que as que vigoram na dita sociedade ocidental, apontada como a sociedade a substituir. E aqui não entendi onde queres chegar. Sendo um facto aquilo que dizes, o que é que isso explica ou justifica? A opção de campo geo-político e geo-estratégico foi tomado pelos Movimentos/Partidos no poder. Não foi qualquer maldição que lhes caiu na rifa (embora o colonialismo português tudo tenha feito para os empurrar para o Leste). As direcções dos Partidos no poder até foram flexíveis e lestos a mudarem de campo quando ao socialista lhe deu o fanico. Mudaram rapidamente da cartilha
m-l para a integração acelerada na nova burguesia da
economia de mercado. As grandes vítimas (os povos) é que foram e são sempre os mesmos, antes com o socialismo científico, depois com o capitalismo selvagem, com devastadoras guerras civis pelo meio. Disse que não entendi mas acrescento que gostava de entender. Tu explicarás se a paciência ainda te sobrar depois de aturares este arrazoado.
Aquele abraço.
Terça-feira, 24 de Agosto de 2004
UMA MULHER OU UM EMBRULHO?
Estou de acordo com alguns textos por aí aparecidos sobre as façanhas desportivas de Francis Obikwelu. Gostei particularmente dos que foram estampados
aqui,
aqui e também
aqui
Ainda há pouco tempo, julgo que foi o
Alex, chamava-se a atenção para o facto de os estudantes timorenses terem falta de livros de estudo em português e fazia-se um apelo a que os mesmos fossem enviados em gesto de solidariedade.
Revoltante é haver estudantes que querem estudar e não terem por onde. O que significa que ainda falta muito para que o
Saber seja
globalizado.
Lembro-me de, no meu tempo de adolescente (claro, com muitas excepções à mistura), enquanto para alguns meninos a aquisição dos livros representava um enorme rombo no orçamento familiar (e muitas vezes, o que valia era os livros passarem dos irmãos mais velhos para os mais novos) havia outros que os tinham em barda, não para estudar mas sim para os passear.
Pois lembrei-me de Timor quando li hoje que os estudantes britânicos gastam o triplo da despesa em livros com bebidas alcoólicas consumidas em bares (qualquer coisa, por ano, como 700 milhões de euros!).
Norte/Sul, Oeste/Este. Globalização dos
mercados. E do
Saber?
Segunda-feira, 23 de Agosto de 2004
Chavez e Lula têm a mesma legitimidade democrática de governarem e concretizarem os seus planos de reformas que todos os governos de direita eleitos pelo voto. Desde, é claro, que se sujeitem ao processo de aferição da vontade popular e assegurem a alternância. No caso de Lula, tudo indica nesse sentido. No caso de Chavez, talvez sim.
Não são admissíveis os rancores ou os murmúrios que se ouvem sempre que, por meios democráticos, um populista de esquerda chega ao poder. Isso é transformar o jogo democrático de escolha num jogo viciado com um único trunfo. E pertencem à família dos que apoiaram Pinochet contra Allende. Não muito longe, é verdade, dos que querem Castro e rejeitam Bush.
Mas quer Lula quer Chavez (e grande parte dos apoiantes de ambos) têm um problema que é igualmente um problema de status democrático. É que, governando estes por virtude da escolha democrática, desvalorizam-na ao aliarem-se a quem não pratica nem permite a democracia na sua terra. Falamos da ditadura castrista em Cuba, é claro.
Fidel Castro não merece a legitimidade indirecta que recebe através de resultados eleitorais obtidos em democracias. Ele que permita em Cuba a vida política e as eleições livres que permitiram que Chavez seja Presidente da Venezuela e idem com Lula no Brasil. Depois, se ganhar, então aliem-se e sejam muito felizes.
E, para despedida, até o maranho se riu para nós em aberto convite. A Serra tem uma santa alma.
Para mais, há festa na aldeia.
E a Barragem de Santa Luzia esperando com a sua generosidade feita frescura.
Caminhando, chega-se lá.
Ao longe, a guarida no Pinhal. Está próxima a cura da alma.
Quarta-feira, 18 de Agosto de 2004
Eu nunca encontrei um pampilho. Melhor dizendo, devo ter passado por milhares deles mas nunca parei e disse:
olha cá está um pampilho!. Mas sei o que é um pampilho. E gosto de pampilhos. Sem os ter encontrado. Porque o nome me agrada e mais ainda a sua ressonância. Sabendo que é flor brava que nasce nos montes sem ser semeado, basta-me para o manipular como aliado no meu jogo de ilusões. Inclusive, no meu ego desmedido, quando este incha até mais não poder, sinto que fui e sou uma semente de pampilho que nunca caiu na terra. Vejam lá o que um homem se lembra para se sentir grande ao pé da natureza. E eu sempre gostei mais de me medir com a tribo da natureza que com as tribos das pessoas.
Tudo a propósito e como intróito para comunicar aos meus estimados visitantes que, por uns poucos dias,
vou apanhar pampilhos para a Serra do Açor. Amanhã, mala curta no porta-bagagens, ala para a Pampilhosa da Serra. Sei que, quase certo, vou voltar sem sequer os ver. Mas
ir apanhar pampilhos continua a ser, para mim, a melhor forma de telurizar os abraços que vou trocar, o refrescar a vista, as narinas e a alma na belíssima e única Serra do Açor (o Marão que me está à mão), parando no centro do Portugal parado, e - é claro! - o ajuste de contas de compensação com as carências em maranho e chanfana, sempre com o gosto do sarpão (os urbanos chamam-lhe tomilho, mas estes não são para aqui chamados).
Não demoro. Até breve!
O
eurocentrismo pode manifestar-se na rejeição dos Outros ou pela condescendência paternalista. Ou seja, ver os Outros como inferiores ou como adolescentes do mundo. Em qualquer das formas, para se sentir pai ou protector, necessária é a noção de olhar para fora da Europa como se se estivesse encavalitado num púlpito de pregador da recusa ou em cima de um estrado de Prof condescendente e cúmplice para com os discípulos.
Na maior parte dos casos, os olhares dos portugueses para com a África pós-colonial oscilam entre as duas posições. Muitas vezes influenciados pelo ressentimento do domínio perdido ou pelo complexo de culpa perante o domínio exercido.
É uma tragédia do nosso tempo histórico que nenhuma das
sociedades (regimes) saídas da tutela colonial portuguesa na década de setenta do século passado, seja, hoje, motivo de orgulho com herança preservada
(1). Ficaram com a independência e a liberdade de serem independentes, mas falta-lhes quase tudo o resto, sobrando-lhes o domínio cleptocrático e a praga da corrupção, mais o gosto por resolver as contendas com armas na mão. E até parece que nos cansámos de todo quando parimos o Brasil.
Já sabemos como se alimenta o olhar de
rejeição para com este triste panorama. Quiseram que nos viéssemos embora, lixaram-se. Bem feita!
Mas também cresce o olhar da
condescendência. Em África há bem pior (olhem para o Sudão, para o Ruanda, para o Congo, para
). E nós somos perfeitos? Devagar se vai ao longe. E porque raio haviam eles de seguir os nossos modelos de democracia e de representação? Querem impor uma cultura (a europeia) por cima de outras culturas (as africanas)? Esses enxertos não são, afinal, as fontes de todos os males?
No primeiro caso, ajustam-se contas de cobardia perante a luta de rapina. No segundo, transige-se, cafrealizando os conceitos de democracia, de civilização e de decência que preservamos como privilégio nosso. Ao fim e ao cabo, condescende-se para se poder viver
com eles (sem aceitar
viver como eles). Ou se lhes mete fel ou mel, duas medidas de como os olhamos como
Outros. Como se a tirania fosse africana, por azar ou por sorte dos africanos. E a nós nos coubesse o destino de lidarmos com eles com chicote ou com festas na cabeça, eximindo-os da responsabilidade de não matarem, não roubarem, não tiranizarem os seus, traindo todos os ideais e toda a luta que os levou à liberdade de serem independentes.
A pobreza e todas as carências do mundo, não justificam nem um miligrama de tirania à mistura com o roubo. Aqui e em qualquer lugar. Julgo eu que este valor de civilização não tem centro nem periferia.
(1) Com a honrosa excepção de Cabo Verde que conseguiu passar do regime de partido único para a democracia e para a alternância.
Ganhou está ganho. Aguentem-se ao voto.
O que não impede que considere o chavismo uma triste paródia de um populismo de opereta. Boçal na exploração dos desejos e nas necessidades de emancipação de uma sociedade profundamente dividida e estratificada pela riqueza do petróleo. Primário no discurso, estilo caserna rasca, maniqueísta na geopolítica, alternando votos e pistoladas. E Chavez é aquele género de sujeito que me faria mudar de restaurante se, ao entrar, o visse já lá sentado. Mas foi a corrupção da burguesia venezuelana que criou Chavez. Aguentem-se agora.
E os comerciantes, agora emigrantes desconsolados, que se adaptem à dança. Foram para lá quando dava, fiquem ou venham quando deixar de dar. São os riscos dos mercados.
Mesmo com aquela pergunta espantosamente hilariante que foi referendada, Chavez confirmou-se pelo voto. Aguentem-se ao voto.
Ao contrário das notícias que chegam de Moçambique, as coisas em Angola parece que estão
a correr bem. O
João Abel Freitas veio de Luanda e fornece estes indicadores optimistas:
- há confiança de que a situação está a melhorar
- nas ruas de Luanda (
) há vida, movimento, muito comércio informal, até parece que os indicadores das Organizações Internacionais de tão negros não colam com a vida que pulsa e se sente nessas mesmas ruas
Um optimista, por regra, não é exigente. Não tem que ser. Nem deve ser. Ser optimista, chega-lhe e sobra-lhe.
Mas, mesmo para um optimista, devia haver equilíbrio de rigor nas palavras. Porque estas palavras revelam uma tremenda falta de exigência para com os angolanos e o seu direito a viverem fora daquela insanidade cleptocrata, daquela desproporção, daquela metrópole afogada nos extremos, onde muitas crianças brincam com lixo e vivem em cima de cartões, onde a prostituição infantil e juvenil é o meio de muitas (mais que muitas) meninas assegurarem a sobrevivência de famílias, enquanto os generais e outros tais se espaventam na baixa luandense e nas Ilhas (de Luanda e do Mussulo), conferindo os extractos bancários das contas no estrangeiro.
De um regime que tem Falcone como diplomata na Unesco, onde ministros se atiram (ou são atirados) das janelas de hotéis, onde a segurança presidencial assassina jovens cantores de protesto, onde a periferia de Luanda (onde viverão quatro quintos da população de Luanda que por sua vez concentra uma parte significativa de toda a população angolana) é
bem diferente do zona de betão, as palavras do João Abel Freitas são um hino de justificação conservadora do
status quo. E ele teve que ver isso, mesmo não saindo de Luanda (ou da baixa de Luanda e da Ilha) porque não se vai do Aeroporto de Luanda até ao Hotel sem passar por isso.
A vida do
centro de Luanda é
outro país. Não é a Angola dos angolanos (da grande maioria dos angolanos). É onde circulam e se transaccionam os dólares do petróleo, dos diamantes e da ajuda internacional. Onde se estrutura a neo-burguesia selvagem, onde vive a burocracia e os quadros que vivem do regime. Onde estão os negociantes internacionais, os importadores de equipamentos e outros bens importados, onde está a boa vida e
a boa má vida. Aí, o comércio informal é controlado mas chega às portas dos bancos onde se sentam as candongueiras do câmbio, abanando os maços de notas para apetite dos passantes e sob protecção dos seguranças dos próprios bancos (sócios, só pode ser). Tudo no meio da desgraça política que é escolher-se entre MPLA e UNITA.
Optimismo desse é que não
cola, caro João Abel. Muito menos quando se quer apresentar a factura dos
óculos cor de rosa aos malvados dos indicadores das Organizações Internacionais. Para mais, tratando-se de um brilhante economista como se trata, o que seria de esperar eram factos e números para rebater os indicadores marados e não pinturas condescendentes sobre a vida que pulsa e se sente "nas ruas".
Frase terrível esta:
os políticos moçambicanos estão «cansados» da paz dita por Jaime Gonçalves, Arcebispo da Beira (segunda figura na hierarquia católica de Moçambique). E acrescenta: Temos líderes políticos cansados de 12 anos de paz, de dialogar para resolver os problemas que possam surgir e que estão a surgir, estão cansados de organizar eleições, cansados de eleições justas e transparentes; Há líderes moçambicanos que estão arrependidos de terem assinado o Acordo Geral de Paz (em 1992, que pôs termos a 16 anos de guerra civil), já programaram a violência, manifestada em Cabo Delgado e em Sofala; Por causa disso, estamos a voltar para trás, já está derramado o sangue na província de Sofala, já conseguiram esse intento e temos medo que o plano continue por causa das eleições.
(fonte: TSF)Será possível? Sim, porque a paz podre da corrupção de Moçambique é mais propícia ao desejo da guerra de rapina do que à paz pelas eleições. Pior quando das eleições de Dezembro próximo sairá um Presidente da República a escolher entre o ex-Carcereiro Mor dos Campos de Reeducação (Guebuza) e o ex-Bandido Mor (Dhlakama).
Oxalá tudo se recomponha e o grito católico não tenha sido em vão. Talvez os políticos moçambicanos se envergonhem. Talvez o Arcebispo tenha exagerado. Talvez. Oxalá.