Terça-feira, 27 de Julho de 2004

Joaquim Chissano, PR de Moçambique desde o assassinato de Samora Machel, vai ser doutorado
honoris causa pela Universidade do Minho.
Entre os motivos indicados pela UM, está a contribuição de Chissano "no processo de paz em Moçambique, na evolução e construção de um regime democrático e na abertura do país ao desenvolvimento."
A distinção será entregue em 17 de Fevereiro de 2005.
Segunda-feira, 26 de Julho de 2004

Demolidores os posts que
VJS colocou sobre José Sócrates -
este e o
anterior. Neles, está quase tudo dito sobre a relevância artificial (auto-atribuída) deste candidato aparelhista ao lugar de
SG do PS. Resta-me confiar que não consiga reunir o número suficiente de socranetes para nos colocar na triste figura de o termos como alternativa aos "santanetes".
Porque raio a oposição há-de imitar o artista do poder?

Li
isto e fiquei com uma dúvida mas muito diferente daquela que aflige o
Bazonga da Kilumba.
Ministro pode cair. É próprio de ministro, ora sobe, ora cai. Porque ninguém é ministro para sempre. Tanto que ninguém nasce ministro. Mais, muito mais, se a arte do artista o levou somente à qualidade de vice e não de titular graduado, efectivo ou preferido. Não tem admiração nem sequer sombra de acto de espantar. Porque apenas é obra da condição.
(Aliás, em Angola, ministro ou vice deve ser dos poucos que sobem e caem. A maioria não sobe nem cai, vive toda a vida ao nível do chão. E que chão.)
A minha dúvida é outra. Mais curial e prosaica:
se o sujeito fosse ministro mesmo, em vez de apenas vice, de que andar cairia?
Emenda: Corrigo, concordando com uma sugestão de um visitante:
Um bem demasiado escasso
Com tanto calor? Valha-te deus!

(Barragem de Santa Luzia - Pampilhosa da Serra)

Estava um calor dos diabos, o corpo teimava em não se mexer para não suar mais, Depois, sobretudo por causa deste depois, não me atraem jogos a feijões, começando com uma equipa e acabando com outra, todos a rasparem a ferrugem em público. Por estas estivais razões é que não estive para me meter na carripana a ferver e rumar ao Estádio da Luz ver o jogo faz-de-conta com o Real Madrid.
Vi o jogo na televisão e foi o costume, talvez menos péssimo que aquilo que previa.
Só lamentei a minha preguiça e resistência, quando Pedro Mantorras entrou em campo. Porque gostava de ter lá estado, nesse breve momento apenas, para partilhar o carinho com que ele foi tratado e tanto merece. Não está em forma, vê-se. E, pior do que isso, há ali vontade a mais de recuperar da lesão que lhe apagou a estrela e alguma vergonha que ele quer resgatar pelo lamentável incidente com o passaporte (e de que ele deve pagar as consequências previstas na lei).
Sei bem que a minha ternura por Mantorras está contaminada pela cor da camisola que ele veste. Que seja porque o será e adianto já a confissão. Mas jogasse Mantorras por outro clube, rival que fosse, o mais assanhado até, e não deixaria de ter em conta as circunstâncias e não me apressaria a transgredir princípios do tratamento de
uma pessoa para alimentar rivalidades tacanhas.
Pelo estatuto, pelos cachets, pelo palco do espectáculo, os artistas do futebol estão sujeitos a passarem pelos crivos dos preconceitos, de todos os preconceitos. São amados, odiados, invejados. Tudo na fornalha do etéreo das paixões. O seu estatuto de heróis, cobra-lhes um preço elevadíssimo. Faz parte do ofício.
A um bem falante, bem parecido, bem posto, lusitano de raça pura, muitas vezes emparceirado com uma modelo de boa figura, admite-se o alto lugar da notoriedade e dos rendimentos. No mínimo, protesta-se pelo muito que ganham mas lá se vai passando à frente porque é um dos nossos. Até porque não nos importaríamos de estar no seu lugar.
As favas são pagas pelos que estão no alto estatuto e podemos contra ele projectar as nossas convencidas superioridades. Esses pagam por eles e por aqueles que não conseguimos rejeitar. Neste campo, os alvos preferenciais são os atletas de origem africana. Ainda me ecoam aos ouvidos a indignidade dos sons macacais com que se mimoseiam (em todos os clubes!) os artistas negros de clubes rivais quando progridem direitos à nossa baliza. Eusébio, mesmo Eusébio, não escapa ainda hoje à pornografia racista (o seu marisco preferido será sempre uma memória revivida da nossa vergonha). Mantorras, com a história do passaporte, estava mesmo na calha para os ditirambos do tiro fácil. E não escapou à graçola pistoleira. Só por brincadeira, é claro. Sem ofensa, por quem sois. Porque o racismo, como todas as pestes, enquanto não é doutrina oficializada e não enche comícios, prefere manifestar-se pelo disfarce da inocência do macaquinho que brincava com a mãe.
Pois, gostava de ter lá estado para ajudar a vingar com um pouco de ternura o artista Mantorras. Fica para a próxima. Desta vez, o melhor que consegui foi apagar um post sobre ele e que trouxe para aqui lixo que o Mantorras não merecia. Por ele e porque o lixo não merece troco nem chão para pousar os pés. E escusam de insistir porque não os deixo aqui ficarem muito tempo.
Mas a minha estima por Mantorras não devia ficar calada. Até porque lhe queria dizer apenas:
marca golos e cala essa gajada.

O país recomeçou a arder. O maior problema, mais ainda do que o património de florestas e bens que todos os anos se transformam em cinzas, está no hábito que se apodera de nós, todos os anos, de encararmos isto como uma espécie de fatalidade. Porque já vai faltando o ânimo para a indignação. E não conseguimos ser profissionais a lidar com este flagelo. Por outro lado, o fenómeno da urbanização das gentes e o abandono da floresta, torna, cada ano que passa, o país num imenso pau de fósforo à espera de uma fagulha.
Verdade que não é só em Portugal que se sofre com esta tormenta. Por exemplo, a imagem acima vem da Córsega, obtida no ano passado, e foi-nos trazida pela
Vida Magenta. Mas podia ter sido tirada hoje na Serra da Arrábida. O mesmo horror, a mesma impotência, a mesma raiva.
Aqui está uma causa, exigindo prevenção, meios de combate e mais profissionalismo, de que não devemos desertar. Este país é tão pequeno que, se arde, ficamos sem sítio para pousar.
Domingo, 25 de Julho de 2004
Está a pegar a moda de os blogues se andarem a roubar uns aos outros. Eu estou farto de o fazer. Estou farto que me façam o mesmo.
Tudo bem como acto de partilha. E quem não tem falhas de inspiração? Pois se nos dá uma intermitência, nada melhor que pedir uma ajudinha aos frescos de cabeça, rapinando-lhe um textozito ou uma imagem bem esgalhada. Desde que se confesse o furto, está bem de ver.
Ainda há dias roubei uma
mesa ao
Isidoro convencido que aquilo tinha sido design seu. Pois logo veio o
Alex dizer que, não senhor, ele é que tinha encontrado a tal mesa e dado à dita a pública exposição. Fiquei na dúvida, porque quando se rouba gosta-se de saber quem é o furtado.
Estava eu no meio desta perturbação, se tinha roubado o Isidoro ou o Alex, se o Isidoro tinha roubado o Alex ou se tinha sido o inverso, vem o
Jumento e, não está com meias medidas rouba a mesma mesa e atribui-me a autoria da obra. E com estas facilidades em meter a mão em blogue alheio, a minha conclusão é que anda meio mundo a roubar o outro meio. E o raio da mesa anda por aí espalhada por tudo quanto é sítio e arrisca-se a estar gasta, com um pé partido ou um rabo esfolado, quando ela, santanete que se preza, for enfeitar o gabinete ao seu apropriado destinatário e usuário.
Em tempos, ouvia-se dizer que ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. A frase passou de moda, porque o seu uso tornou-se inconveniente com tanto gamanço à solta. Falando da vida real, é claro. Mas ainda se pode aplicar à virtualidade da blogosfera, tão condescendente e libertina que ela é em matéria de direitos de autor. Pois vingo-me do
Jumento, roubando-lhe esta preciosidade que ele identifica como retratando a viagem do secretário de estado da Palha Nacional. Dá jeito, em tempo de canícula. Refresca e esconde a (minha) falta de inspiração.
Só faltava mesmo que o
Alex se atrevesse agora a roubar-me a moça e deixar-me apenas com o burro por conta. Danado como ele é para as belas paisagens, não é nada com que não esteja a contar.

Sexta-feira, 23 de Julho de 2004

Eu acho graça aos gastadores. Prefiro-os aos forretas, aqueles unhas de fome que comem dentro de gavetas para as fecharem quando um amigo bate à porta. Quem passa a vida a contar e poupar dinheiro, não gasta o dinheiro mas gasta a vida sem a gastar naquilo que é bom para ser gasto.
O dinheiro existe para ser gasto. Gaste-se. Antes um gastador que mil poupados.
Poderão dizer que há os que gastam o que é seu e aqueles outros que gastam o dinheiro dos outros. E até que, eticamente, os primeiros estão no seu direito enquanto os segundos são uns abusadores. Eu acho que talvez sim, embora dependendo de quem são os outros. Se os outros não fazem o que deviam fazer, que era gastar, então os gastadores cumprem uma função de equilíbrio, gastando por eles e pelos outros. Só não se deve gastar o dinheiro de outro gastador, porque aí o outro cidadão gastador quer gastar e não pode porque o dinheiro que era para gastar já foi gasto por outro. Concluindo, o critério sobre a ética do gastador do dinheiro dos outros depende não dele mas dos outros.
Quando se trata de dinheiros públicos, quem os gasta, gasta daquilo que é nosso. E nós, os portugueses, somos bons gastadores? Não, digo eu. Simplesmente porque não temos dinheiro para gastos. Porque quem nos governa gasta-nos o dinheiro quase todo e o que sobra só dá para as coisas comezinhas, sem grandeza, ou pior, para gastar a crédito e depois este ficar mal parado por falta de dinheiro para gastos. Tirando os ricalhaços (esses não contam, são uma minoria que não sabem o que hão-de fazer a tanto dinheiro), quem tem dinheiro para gastos, dinheiro que se veja, são os presidentes de câmara, os presidentes de clubes de futebol e os ministros. Eles é que têm orçamento granjolas e ainda têm empréstimos para celebrar e há sempre um nicho de património para trespassar ou vender. Estes sim, são os nossos gastadores. E se eles não gastarem, ninguém gasta, a economia anda às recuas e o país envelhece de ferrugem. É pois necessário que quem pode gastar, gaste. Em nosso nome. Para nosso bem.
Já arreei no Santana até demais. Tanto que estou cansado e começo a ter pena do dandy. Eu vejo-lhe as rugas, as costas a curvarem-se, os cabelos brancos a avançarem, o viço do rosto a ceder à pose de Estado. Já dei comigo a pensar: tantas que lhe dão que ele, por este andar, ainda perde o charme que atrai as moças. E como não sou mau de todo, começo a comichar-me se uma daquelas rugas que lhe afloram nas comissuras e nas pálpebras não se deve às traulitadas que aqui lhe tenho democraticamente dado. E estou em vias de parar, dando-lhe a graça de estado já que estado de graça não teve nem terá. Ainda não me decidi mas confesso que estou em pensar em me virar para aí.
Dizem agora que Santana, por onde andou, no Sporting, na Figueira da Foz, em Lisboa, gastou à fartazana e deixou as instituições endividadas acima do pescoço. Mas olhando os orçamentos, nada se compara àquele que agora tem às ordens e guardado pelo Bagão. Porque a verdade é que, por onde andou, Santana não gastou demais, os orçamentos é que eram curtos. Agora sim, tripa forra, pois então. Gaste, homem, gaste. Enquanto há. Nós não gastamos, não temos para gastar, gaste Vossa Excelência. Gaste por nós.

Se ouvi bem, a televisão referiu que a UNITA esteve ontem na sessão de lançamento da candidatura de João Soares a SG do PS. E a apoiá-lo!
Não entendo. O que é que João Soares tem a ver com a UNITA? Porque há-de a UNITA apoiar João Soares? João Soares alguma vez apoiou a UNITA?

Como é possível que alguém inteligente (como é o caso) diga esta frase e a gabe em público:
"Espero que sejas melhor para a Europa do que foste para Portugal.
Parece vinda das catacumbas de uma sessão de flagelação política dos tempos do MRPP. Como estava calma, saiu-lhe assim.
Irrite-se, emocione-se, desatine, proteste, manifeste, mobilize, minha cara senhora. Antes assim.

Tenho, como outros tantos muitos mais, os sons da guitarra de Paredes dentro da alma. Não preciso de lhe ouvir o disco ou escutá-lo na rádio ou na televisão. A música de Paredes, os sons de Paredes, habitam em mim. É em grande medida por causa disso que nunca conseguiria deixar de ser português. Mesmo que o quisesse, porque os sons de Paredes não deixavam.
Durante anos, em Benfica, fui vizinho de bairro do Carlos Paredes. Habituei-me a vê-lo passar, sempre distraído, sempre desconjuntado no andar, sempre afável naquelas mãos enormes que se destacavam no corpo, sempre gentil e modesto de meter raiva. Cumprimentava-o em voz baixa e rápida, eu não queria incomodar os sons que eu imaginava estarem em jogo de combinação dentro daquela cabeça de homem bom e com talento transbordante. Ele respondia com um sorriso de menino, chamava-me de amigo, tentando não tropeçar com os pés num qualquer obstáculo porque toda a concentração e vida subia-lhe para a cabeça e para as mãos.
A notícia da sua perda física não me impressionou nem chocou, apenas me deixou uma nota especial de ternura para com este homem que deu som à qualidade de se ser português. Mais ainda que o fascismo, mais ainda que o desprezo que remeteu este homem, anos a mais, a desperdiçar-se a ganhar a vida a arquivar radiografias num hospital, enquanto ele não devia fazer mais nada que tocar, tocar, a vida foi cruel, demasiado cruel, para com este génio. Remetendo-o para a doença e para a inanidade, durante tantos anos, tirando movimento às suas mãos, a vida foi filha da puta para com Carlos Paredes. Não sei mesmo de que é que ela se quis vingar com o tanto mal sádico que lhe fez. Ele não merecia. A vida não mereceu Carlos Paredes. Finalmente, deixou-o em paz. E eu fiquei numa paz triste.
A vida não nos tira os sons de Paredes. Valha-nos isso. Assim, mesmo sem Paredes, com os sons de Paredes, podemos continua a viver.

Eu não sei se foi essa a ideia do
Isidoro porque ele nada explicou, limitando-se a dizer que a tinha
rabiscado, mas aqui está um modelo de mesa de reuniões que deve cair no goto do nosso Primeiro. Parece-me, não sei.
(Feministas, barafustem!)

Cada etapa da história tem o seu tempo e só pode ser analisada em função desse tempo.
Mas existem fases bárbaras, tão bárbaras, que mesmo atendendo à circunstância, aos usos e costumes, à cultura, às relações de domínio e de sobrevivência, nos custam incorporar na marcha da história e na evolução da civilização.
Mesmo usando a moderação da distância, a
Inquisição e a
Escravatura, por exemplo, custam a engolir. Como as barbáries nazis e bolchevique (tão quase gémeas entre si), estas mais próximas de nós e que ainda estendem tentáculos até aos nossos dias na influência ideológica, nos paradigmas de suporte e até em poderes sobreviventes (periféricos mas reais).
A
Escravatura, pela duração e pela brutalidade do negacionismo absoluto do ser humano, sempre me impressionou. E estremece-me saber que,
durante seis séculos!, nós, os portugueses, fomos esclavagistas e especialistas na matéria.
Em visitas a África, especialmente em Cabo Verde (na Cidade Velha perto da cidade da Praia) e em Angola (a sul de Luanda frente a Mussulo), visitei, sempre com um misto de espanto e de vergonha, sinais sobreviventes dos mercados de escravos construídos e geridos pelos portugueses. Olhando aqueles sinais vivos de memória, eu tentava entender
aquilo mas não conseguia fazê-lo em paz. Fiz essas visitas na companhia de amigos africanos. Olhando as pedras, as grades, os armazéns e os outros sinais, eu não conseguia evitar baixar os olhos para não encarar de frente os olhares dos meus amigos, sentindo-me como que culpado por aquilo que ali se tinha passado entre os meus antepassados e os daqueles africanos de hoje que me acompanhavam nas viagens. No entanto, eu
não conseguia ver, nos rostos dos meus amigos africanos, rancor ou acusação.
Numa das vezes, resolvi interrogar directamente o meu companheiro, atrapalhando as palavras. A resposta veio-me calma e quase soletrada:
não, isto não foi só culpa vossa, fomos nós, os africanos, que começámos e vos ensinámos. Fiquei a matutar. E ele tinha meia razão (uma parte era condescendência por amizade, é claro). De facto, a escravatura era prática habitual e culturalizada na maior parte das tribos africanas antes da nossa chegada. Se havia as chamadas razias em que os escravos eram arrebanhados, metidos em cativeiro e arrastados para os centros negreiros, muito do comércio de escravos era feito em negócio directo com os chefes das tribos que os vendiam aos portugueses (e a outros) como mercadoria de sua posse. O que nós fizemos foi globalizar e intensificar esse mercado, exponenciando os seus lucros, sobretudo após as ocupações nas Américas. Aliás, quando a escravatura foi oficialmente abolida (embora até ao início do século XX ela se mantivesse em franjas de mercado paralelo) pelos portugueses, em atraso muitos anos do abolicionismo inglês e sob pressão deste, foi uma carga de trabalhos (provocando várias expedições com essa finalidade) convencer muitos dos chefes tribais africanos do fim daquele negócio em que assentava muito do seu poderio. Até porque as novas formas de exploração colonial que sucederam à escravatura (trabalho forçado, trabalho contratado) não se distanciavam assim tanto da brutalidade exploradora mas retiravam fonte importante de receitas aos chefes tribais.
Apesar de alguma relativização, ainda agora não deixa de me impressionar quando leio documentos históricos sobre a natureza, a prática e as finalidades do esclavagismo. Com mais ou menos responsáveis, aquilo foi uma mancha negra e enorme na construção das civilizações modernas e na sobrevivência de muita da geopolítica que nos achega até hoje. E percebe-se, pois então, o embaraço, pelas culpas repartidas, que o tema ainda hoje causa quando discutido e aprofundado quer por europeus ou por africanos (seja ao nível político, seja ao nível académico).