Sábado, 22 de Setembro de 2012

Regresso a Belém

 

 

Ontem, sexta-feira,voltei a plantar-me numa manifestação frente ao Palácio de Belém passados que foram 37 (trinta e sete) anos desde a única vez anterior em que me metera num cometimento igual. Durante a passagem do interregno entre estas duas manifestações naquele local (uma duração bastante maior que a idade de grande parte dos manifestantes de ontem), houve tempo suficiente para uma revolução murchar (em parte por culpa dos jardineiros inaptos nas podas e apodrecendo raízes por excesso de rega) e a assistirmos e a sofrermos a mais medonha ofensiva reaccionária contra os trabalhadores e o povo ganhar embalagem de condução incompetente e em velocidade louca. Resumidamente, isto diz muito ou quase tudo sobre a curva política desgraçada que as últimas décadas nos fez cair em cima. Mas a diferença fica melhor vincada se lembrar que a manifestação de 1975 culminou com uma ida ao varandim do palácio que dá para a praça de todo o Conselho da Revolução e com um discurso do Presidente da República em pessoa (Costa Gomes, então General) resumindo para a multidão (para o povo) o que aquele Conselho tratara e concluíra, enquanto desta vez os conselheiros limitaram-se a sair de Belém em alta velocidade e ocultos em potentes viaturas, enquanto Sua Excelência o presidencial Cavaco devia estar a recolher-se aos aposentos privados para disputa de recato com a sua esposa, ao mesmo tempo que um funcionário de nível hierárquico deslavado lia, aos jornalistas, um comunicado protocolar.  Nada disto surpreende, nem sequer a diferença sublinhada que chega a fazer duvidar, numa leitura apressada, que se trate do mesmo país em que se deram as duas manifestações. Curado assim, por vício de uso e abuso de banhos com baldes de água fria, da capacidade de me surpreender com os trambolhões da vida política e dos seus desatinos, resta-me supor vir a saber, em altura própria, como se vão passar as coisas na próxima vez em que triplicar o meu uso do direito a manifestar-me frente à casa do poder presidencial. A ver vamos. Mas que não demore outro hiato de 37 anos para ainda me apanharem cá como testemunha e manifestante contumaz.

Publicado por João Tunes às 23:31
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8 comentários:
De Hélder Sousa a 23 de Setembro de 2012
Caro João Tunes, deixa lá, não foste o único a quem isso sucedeu. Para mim fez também muito tempo que não me incorporei em manifestações mas desta vez 'teve que ser'. Uma coisa me preocupa: houve um período da vida em que tinha a 'certeza' de que as coisas iriam caminhar no rumo certo mas agora ganhei raiva, desprezo e principalmente ódio a este 'gang'. Ódio de morte e não gosto de me sentir assim.
De João Tunes a 23 de Setembro de 2012
Esclareço: o período que referi do meu interregno "manifestante" de 37 anos refere-se exclusivamente a um mesmo local (Palácio de Belém).
Saudação cordial, caro Helder.
De Jorge Conceição a 23 de Setembro de 2012
Caro João,

A concentração de há 37 anos (21 de Setembro de 1975) foi a dos Deficientes da Forças Armadas que deu origem a um semana inteira de acontecimentos por eles criados (e que recordei ontem no FB). Pergunto, para refrescar a minha memória, trata-se da mesma concentração, ou foi outra?
De João Tunes a 23 de Setembro de 2012
Caro Jorge,

Tratou-se de uma outra. Julgo que teve a ver com a formação do V Governo Provisório.
De Joana Lopes a 6 de Outubro de 2012
Caríssimos, foi nesta que eu estive:
20 de Novembro de 1975 – Manifestação em Belém, durante a tarde e a noite, contra o VI Governo Provisório, exigindo a formação de um governo «verdadeiramente revolucionário», convocada pelo Secretariado Provisório das Comissões de Trabalhadores da Cintura Industrial de Lisboa e apoiada pela Intersindical Nacional, PCP e FUR. Durante a alocução que dirige aos manifestantes, o general Costa Gomes alerta contra os perigos duma guerra civil. O capitão Cabral e Silva lê o “Manifesto de Oficiais Revolucionários”.

De João Tunes a 6 de Outubro de 2012
Exactamente, Joana. Foi nessa mesmo. Obrigado pelo apoio da tua prodigiosa memória.
De Daniel Cabaço a 26 de Setembro de 2012
Caro João Tunes, Por motivos de saúde não compareci a essa manifestação mas estive na outra. Como eu o compreendo e sinto do mesmo modo que o senhor. A revolta que vai dentro de mim quando analiso este advento reaccionário não encontra palavras que o possam expressar. Quando aconteceu o 25 de Abril, entendi que a liberdade jamais seria posta em causa. Enganei-me, lamentavelmente. Devo dizer que, salvaguardando outros aspectos que, peço entenda, quase estamos a deixar de poder dizer e escrever o que nos vai na alma. A atitude que muito bem descreve da saída da "nata da nata" da nossa sociedade do Palácio de Belém, com absoluto desprezo pelo povo que lhes paga, é bem a imagem de um governo sem nível e sem vergonha. Os meus cumprimentos.

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