Ontem, sexta-feira,voltei a plantar-me numa manifestação frente ao Palácio de Belém passados que foram 37 (trinta e sete) anos desde a única vez anterior em que me metera num cometimento igual. Durante a passagem do interregno entre estas duas manifestações naquele local (uma duração bastante maior que a idade de grande parte dos manifestantes de ontem), houve tempo suficiente para uma revolução murchar (em parte por culpa dos jardineiros inaptos nas podas e apodrecendo raízes por excesso de rega) e a assistirmos e a sofrermos a mais medonha ofensiva reaccionária contra os trabalhadores e o povo ganhar embalagem de condução incompetente e em velocidade louca. Resumidamente, isto diz muito ou quase tudo sobre a curva política desgraçada que as últimas décadas nos fez cair em cima. Mas a diferença fica melhor vincada se lembrar que a manifestação de 1975 culminou com uma ida ao varandim do palácio que dá para a praça de todo o Conselho da Revolução e com um discurso do Presidente da República em pessoa (Costa Gomes, então General) resumindo para a multidão (para o povo) o que aquele Conselho tratara e concluíra, enquanto desta vez os conselheiros limitaram-se a sair de Belém em alta velocidade e ocultos em potentes viaturas, enquanto Sua Excelência o presidencial Cavaco devia estar a recolher-se aos aposentos privados para disputa de recato com a sua esposa, ao mesmo tempo que um funcionário de nível hierárquico deslavado lia, aos jornalistas, um comunicado protocolar. Nada disto surpreende, nem sequer a diferença sublinhada que chega a fazer duvidar, numa leitura apressada, que se trate do mesmo país em que se deram as duas manifestações. Curado assim, por vício de uso e abuso de banhos com baldes de água fria, da capacidade de me surpreender com os trambolhões da vida política e dos seus desatinos, resta-me supor vir a saber, em altura própria, como se vão passar as coisas na próxima vez em que triplicar o meu uso do direito a manifestar-me frente à casa do poder presidencial. A ver vamos. Mas que não demore outro hiato de 37 anos para ainda me apanharem cá como testemunha e manifestante contumaz.
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