Numa primeira leitura, fica a concordância com a Joana Lopes quando ela escreve:
23 de Janeiro de 2011 só pode ser um estímulo e uma porta escancarada para uma nova fase de luta, agora mais a sério e com carácter de urgência. É hoje – e não amanhã, muito menos daqui a cinco anos – que o descontentamento e a tristeza estão à espera de ser capitalizados. Para sairmos da crise que atravessamos sem servilismos ou espírito de martírio, para que não sejam permitidos silêncios quando há muitas explicações por dar, para impormos que os inquilinos de Belém e de S. Bento nos respeitem. Pura e simplesmente, porque queremos viver num país decente.
Mas relido, este discurso mostra a inconsequência daquilo que é puro voluntarismo. Ou seja, é um estruturado e fundamentado discurso inorgânico mas esquece, entre muito mais, que, nestas eleições, a esquerda perdeu muito e em quase todos os tabuleiros e valências. Prevalecendo as perdas “orgânicas”. O PS e o BE saem feridos gravemente da desastrosa campanha e pior resultado de Alegre assim como do resultado gordo de Nobre (onde desaguaram os socialistas e os bloquistas que não se quiseram juntos com Alegre mas já não se importaram de levar Nobre em andor, como se fosse santo da mesma tribo, porque com esse aí era só para “protestar”), cada partido per si e adiando para as calendas a hipótese de convergência ou unificação da esquerda não estalinista. Para já não falar nos votos de arqui-revolucionários, meio cínicos e outro meio sarcásticos, entregues ao Coelho e inspirados na clarividência dos taxistas, elevando o lumpen ao lugar de classe-guia. Quanto ao PCP, mostrou que este partido se fechou a cadeado para viver em festa de condomínio fechado reservada a funcionários, os de facto (os que foram ou são dirigentes e os que aspiram vir a ser, até o partido se resumir a um “imenso comité central”, todos assinalando a "vitória" expresso num "significativo resultado do PCP") e os simbólicos (os que só votam, mais os que vão aos comícios e manifestações, ainda os que passam por algumas reuniões de célula), derrubando todas as pontes com a sociedade existente para além da tribo. E quanto a alternativa, na esquerda, não sobrou nada que dê nervo e osso à oposição e à luta, muito menos dando coluna vertebral. Pelo contrário. É que Sócrates acabou de contabilizar uma das suas vitórias políticas mais camufladas sobre a esquerda mas sem deixar de ser espampanante: arrumou na depressão os militantes e o eleitorado de esquerda do PS. E acenou a Cavaco, em nome da “estabilidade”, através de um PS depurado de “esquerdismo”, com uma bengala de aliado, quiçá mais garantida que a oferecida por Passos Coelho & Portas. Assim, de uma forma magistralmente maquiavélica, o discurso de derrota feito ontem por Sócrates pode ter sido, antes e além da aparência das palavras, um discurso de vitória ideológica muito mais expressivo que o de Cavaco, auto-encurralado este na revelação do seu lado odioso de revanchismo, de mau ganhar ao saber que tem a imagem irremediavelmente debilitada e um mandato manchado pelo prestígio corroído para cumprir.
Obviamente, como bem diz a Joana, há que dar a volta, ir à luta e tem que ser para já. Mas julgo ser excesso de confiança pensar-se que os novos estragos provocados na esquerda por todos os partidos de esquerda, vão ajudar no quer que seja relativamente à revitalização da insubmissão. Digo assim porque admito que a raiva canalizada para Nobre e Coelho, mais a dos abstencionistas, dos brancos mais os nulos, a raiva dos impacientes, dos desesperados e dos aristocratas snobs da política pura e exigente, se esgotou em cruzinhas no gelado dia de ontem, não dando, agora, para "formar partido" ou "frente", ou sequer empurrar ânimos de trabalhar para mudar. Primeiro, julgo, impõe-se a catarse pela reflexão. Porque de voluntarismos mal estruturados e desenhados por amadores, bastou o alegrismo de segundas núpcias que azedou mais a "sopa da esquerda" que aquela que serviu novas veredas de uma esquerda a unir-se na luta.
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