Tenho a esclarecer, para não ser acusado de plágio e depois ter de me meter nos trabalhos e custas de encarregar o meu advogado de processar judicialmente os mal intencionados que ponham em causa o meu bom nome e conveniente reputação, que o meu post anterior foi escrito e editado sem ainda ter conhecimento do artigo de opinião de Luciano Amaral no DN de hoje. Mais declaro que se o DN fosse o meu jornal da manhã, teria poupado no post o que gastaria na transcrição deste texto:
De certa maneira, é surpreendente a pouca atenção que recebeu em Portugal o caso do bispo Stanislav Wielgus, sobretudo num país onde há sempre tanta gente pronta a denunciar as mais diversas malfeitorias da Igreja Católica. Certamente por causa da boa imprensa das tiranias de esquerda, parece que ninguém se chocou muito com a denúncia. Uma pequena sabatina histórica vem a propósito. A violência do comunismo na Polónia, com dezenas de milhares de indivíduos assassinados, centenas de milhares encarcerados em "campos de reeducação" (o eufemismo comunista para campos de concentração), a perseguição aos camponeses, a perseguição à Igreja, as purgas anti-semitas, etc., faz do nosso salazarismo, por comparação, uma brincadeira de crianças. Qualquer "colaboração" com um regime deste tipo não pode, portanto, deixar de ser chocante.
No entanto, todo o processo da condenação pública do bispo, juntamente com o passado histórico do país, torna o episódio lamentável. A Polónia conheceu, a partir de 1989, uma espécie de transição pacífica (à espanhola, embora do outro lado ideológico) que deveu muito à negociação entre o poder comunista e a Igreja. A ideia era evitar a caça às bruxas. Mas parece que a direita dos gémeos Kaczynski, no Partido Direito e Justiça, decidiu que a hora era de purificar a Polónia dessas manchas (propositadamente deixadas cinzentas) do passado do país. Os gémeos misturam o neonacionalismo com um programa de costumes de inspiração religiosa e socorrem-se (para obterem autoridade moral) da lenda da resistência da Igreja ao comunismo. Uns quantos bodes expiatórios seriam suficientes para fortalecer essa autoridade moral, limpando ao mesmo tempo a Igreja de um passado obscuro. Acontece que a "colaboração" da Igreja com o comunismo passou muito além de uns simples traidores. Se é verdade que foi perseguida, também é verdade que, sobretudo a partir dos anos 50, conviveu, numa relação por vezes tensa, por vezes amistosa, com o regime. Num país onde 90% da população é católica, o comunismo ali instalado rapidamente percebeu como seria suicidário um embate frontal com a Igreja. Por isso propôs entendimentos, que foram recebendo resposta positiva do outro lado. Um bom símbolo dessa ligação ambígua está no episódio da tomada de posse de Bierut (o estalinista local) em 1947, em que o Partido Comunista pediu que fossem realizadas missas especiais e os sinos repicassem. A Igreja, de forma ambivalente, aceitou realizar as missas, mas recusou o toque dos sinos.
Acontece com os regimes comunistas o mesmo que acontece com os regimes fascistas ou aparentados: os adversários de um autoritarismo concreto não são eles próprios necessariamente antiautoritários
Os ajustes de contas históricos agora em voga têm o condão de nunca deixarem ninguém bem na fotografia. Nem direita, nem esquerda, nem sequer as religiões. Quem se mete neles está a entrar num campo minado de onde com dificuldade sairá também inteiro. E a lição serve para lá como para cá.
Amen.
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