Passada a primeira fase, subsequente à reinstauração da democracia, a da “transição”, que tentou depositar pedras bem pesadas sobre a memória histórica e política espanhola, muito por força de uma nova geração de historiadores, a que se juntou a pressão das famílias das vítimas da guerra civil e do franquismo, a memória espanhola conseguiu romper silêncios e cobardias cúmplices instaladas no “politicamente estabelecido”. Assim, nos últimos anos tem florescido em Espanha os estudos, as investigações, as monografias, as edições e os debates sobre o período da guerra civil e a ditadura de Franco. Devido a estas pressões conjugadas, o século XX deixou de ser um tabu para os espanhóis. E é cada vez menos um depositário de preconceitos e estereótipos marcados ideologicamente. Pelo menos, de uma forma irreversível. No entanto, dificilmente se atinge um ponto de equilíbrio entre a observação e a interpretação, e assim se houve um reordenamento entre os culpados e as vítimas nos actos da guerra e da repressão, numa espécie de desforra relativa, os protagonistas nos acontecimentos nem sempre, ou quase nunca, readquirem o real papel desempenhado nos acontecimentos e nos processos dentro da dinâmica da reclassificação dos “santos” e dos “pecadores”. Se o franquismo e os seus aliados e sustentadores já tiveram direito ao justo odioso que merecem pelas ilegalidades, atrocidades e crimes que cometeram, difícil é o estabelecimento de uma equidade de apreciação e valoração aplicadas aos protagonistas da parte (partes) dos que se opuseram e combateram o fascismo em Espanha. E algumas destas componentes, por não terem hoje uma opinião com poder e eco suficiente, são desvalorizadas e reduzidas a um estereótipo menorizante. Nestas, o caso mais gritante é o do anarquismo (anarquismos) de que se retiveram os dados dos excessos (normalmente associados a actos violentos) e se transformou numa caricatura memorialista. Para se ter uma ideia desta marginalização e seus contornos e consequências, particularmente graves em termos de parcialidade e segmentação historiográfica, leia-se a entrevista dada por Julián Casanova, historiador e professor catedrático de História Contemporânea, grande especialista do estudo do anarquismo espanhol, aos cibernautas que o interpelaram quando passam cem anos da fundação da CNT, que foi a poderosa central do anarco-sindicalismo espanhol.
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