O Abominável César das Neves, no seu pior:
Antes de mais é bom perguntar: para quê criticar o sistema? Este é o mundo que temos e ninguém nos vai dar outro. Já era mau quando cá chegámos e continuará a sê-lo depois de partirmos. Não seria mais sensato entretanto contentar-nos com o que temos?
É verdade que o conformismo é um dos vícios mais abominados neste tempo, e todos pensam que estes protestos nos desinstalam, contribuindo para melhorar a situação. Mas será mesmo assim? É indispensável que cada um tente deixar o mundo o melhor possível. Mas isso é uma actividade humilde e atenta, ao nosso nível local, amando e ajudando o próximo. Nada tem que ver com bramar contra males remotos e genéricos, nos quais a nossa influência é nula. Tal lisonjeia o nosso ego, mas não passa de vacuidade ociosa. Quando não é mesmo prejudicial, como as próximas greves, nada resolvendo, pois não há mesmo dinheiro, apenas servem para diminuir o pouco que ainda existe.
Suponhamos, no entanto, que as nossas queixas eram ouvidas. Iriam mesmo melhorar alguma coisa? A verdade é que os problemas globais são muito complexos, e as soluções têm inesperadas consequências nocivas. Basta lembrar como a ingénua confiança dos nossos avós nas virtudes do progresso industrial criou os actuais pesadelos ambientais, ou como o desenvolvimento das regiões pobres, tão ansiosamente desejado, começa a suscitar perigosos desequilíbrios globais que irão assombrar o futuro.
Por outro lado, será a situação assim tão má? Não há dúvida de que, persistindo muitos e graves problemas, o mundo progrediu nos últimos tempos muito mais do que seria de esperar há uma ou duas gerações. A percentagem de pessoas a viver no planeta com menos de dois dólares por dia é ainda de quase 50%. Mas era de 63% em 2002 e de 75% em 1980. Mesmo a actual crise e desemprego, se significam graves sofrimentos para muitos, não têm comparação com a miséria que se vivia por cá há 20 ou 30 anos, em crises menos profundas que esta.
O aspecto mais grave deste clima de descontentamento e queixume é, no entanto, a ingratidão. Tudo aquilo que somos e temos devemo-lo ao sistema que nos sustenta. É este mundo que tanto desprezamos que nos alimenta todos os dias, nos veste, abriga, educa e orienta. Podemos protestar, mas é graças a ele que todos sobrevivemos. Aliás, os críticos só conseguem atacar com tanta eficácia o regime usando os largos meios que o mesmo lhes fornece.
Esta é hoje a suprema posição incorrecta, mas quero dizer uma palavra a favor deste nosso horroroso sistema. Não porque é bom, justo ou agradável, mas porque é nosso. Tem muitos defeitos, mas a grande vantagem de existir.
(publicado também aqui)
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