Não é fácil que uma força dominante instalada proveitosamente em regimes tirânicos, como foi o caso do catolicismo europeu e latino-americano nos fascismos de cariz do nacionalismo clerical, aceite o fim dos privilégios e predomínios. Sempre que pode, e pode muitas e demasiadas vezes, a Igreja Católica, pelo menos em Espanha e em Portugal, gosta de se comportar como se estivesse sentada sobre “povos católicos” com estes a deverem-lhe obediência decorrente de predomínio e tentando adiar ao máximo todos os avanços e traduções da laicidade, mesmo quando esta está consagrada na lei. E, como últimos redutos, confiam no efeito dos movimentos de inércia social e cultural, entranhados nos usos e costumes, que lhes continuam a permitir, como exemplos, o prolongamento das capelanias católicas (nas prisões, nas forças de segurança, nas forças armadas) e o predomínio nos rituais associados aos acontecimentos sociais, como sejam baptizados, casamentos e funerais.
Um bom exemplo da dificuldade que um não crente tem em contornar os rituais catolicizantes que armam os mecanismos de absolutização do predomínio ideológico clerical, é-nos contado num artigo do jornal espanhol “Público” acerca da saga da cidadã Camélia Casas para enterrar a sua avó comunista e ateia Teresa Morán Tudó, no passado mês em Corunha, sem ter crucifixos a acompanhar-lhe a descida à terra como era sua vontade (a defunta só queria como companhias na descida à última morada, a bandeira do seu partido, o PCE, e uma coroa de flores dos seus camaradas de partido). Pode parecer fácil, numa sociedade oficialmente laica, deixar-se testamentado que se quer um funeral ao modo das suas convicções, sem cruzes católicas nem outros símbolos religiosos. Leia-se este artigo e confirme-se como o sistema catolicista de domínio espiritual está de tal maneira montado hereditariamente de uma forma totalitária e com margem de escape difícil e improvável (a que, no caso, nem a notícia necrológica no insuspeito “El País” escapou, encimada que foi da fatal cruzinha católica).
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