Pelo Leopoldo Amado soube do desaparecimento de Rafael Barbosa, uma das referências mais marcantes do nacionalismo guineense e da história atribulada do PAIGC.
Rafael Barbosa foi, a par de Amílcar Cabral, a figura mais carismática da luta da Guiné-Bissau pela obtenção da dignidade de poder ser um país livre e independente. Com um enorme carisma e politicamente muito sagaz, foi uma referência fortíssima para grande parte dos guineenses que participaram na luta e guerra de libertação, tendo sido igualmente uma personagem controversa e problemática. Organizador principal, a par de Amílcar Cabral e uns tantos mais, da criação e sustentação do PAIGC, foi precocemente preso e muito maltratado pela PIDE que o manteve encarcerado longos anos em cativeiro, tendo-se transformado num dos primeiros e mais célebres mártires do PAIGC. Durante grande parte da luta de libertação na Guiné-Bissau, o martírio de Rafael Barbosa transformou-o numa bandeira mítica agitada contra a selvajaria do colonialismo português, tendo sido elevado à figura honorífica de Presidente do PAIGC.
A PIDE e Spínola tiveram as artes policiais apropriadas, pelo uso da degradação humana conseguida pela prisão prolongada e degradante, que permitiram a abdicação de Rafael Barbosa e o levaram até a traição dos seus ideais e ao colaboracionismo com o projecto spinolista da “Guiné Melhor”, prestando-se a funcionar como contraponto a Amílcar Cabral na propaganda colonial. A independência da Guiné-Bissau encontrou Rafael Barbosa já não como herói guineense mas na situação do grande traidor dos seus. Aprisionado e condenado à morte, obteve a libertação com o golpe anti-caboverdiano de Nino Vieira, em que se prestou a funcionar como bandeira de incentivo e propaganda da nova ordem. Por pouco tempo. A sua irrequietude levou-o rapidamente à rota de colisão com Nino Vieira e ao ostracismo e à prisão domiciliária. Sempre controverso, sempre carismático, sempre com uma profunda capacidade de influenciar e aglutinar seguidores.
Morreu no princípio deste ano uma das figuras mais marcantes e controversas do nacionalismo guineense. Neste caso, seguindo o caminho único e obrigatório, aquele em que não há hipótese de combate, fuga ou traição, já antes percorrido por Amílcar Cabral, Spínola, Benjamim Pinto Bull e Vasco Cabral. Tinha 81 anos de vida muito vivida.
Imagem: Rafael Barbosa, fotografado por Leopoldo Amado em 1989
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