Quase garanto que só a sedutora Brígida me obrigava a responder ao seu “inquérito” sobre as “minhas cinco manias”. Mas como a uma mulher de escrita tão bonita nada se recusa, aqui vai:
Mania 1: Sou feio (e cada vez mais). O espelho sempre foi o objecto que mais detesto. Desde que a minha memória tem capacidade de registo com fluxo, odeio as orelhas enormes e espetadas que se me penduram nos lados da cara, esta estatura menos que meã, as sardas e os seus vestígios esborratados, os olhos baços e encovados, os fios de rugas a abrirem sulcos na testa, as veias demasiado salientes nas costas das mãos, os cabelos que foram rebeldes ao pente e agora tanto faltam e dão ao cocuruto – por défice - um aspecto de senhor cura de antigamente, as sobrancelhas farfalhas armadas em bigodes deslocados do sítio certo, o nariz a querer terminar em forma de bola de Berlim, os adornos sob a forma de armações oculares que acrescentam dois vidros a uma cara mal amada pela natureza. Por este mal de natureza paguei o preço injusto de sempre ter tido muito menos namoradas que as desejadas. E, com a idade pois claro, os sinais decadentes, em somatório sem retorno, avisam da senilidade galopante e inelutável que me dão sina evidente de não passar de um palerma feio à espera de aliviar o palco. A amostra mais recente escancarada na imagem deste post que sirva como prova da minha fealdade transportada. Olhando-a, como ao espelho, só consigo sentir-me grato às mulheres que se dispuseram a comigo partilharem namoros e casamentos. Sem lhes gabar o gosto nas inclinações estéticas da escolha.
Mania 2: Só me faço entender escrevendo. Sempre escrevi muito. Para mim e para os outros. Porque, a falar, sou um chato insociável. Repito mil vezes as mesmas coisas, não digo uma graça de jeito, atropelo os temas das conversas, a voz rouca agrava tudo o que da boca me sai, não domino bem as tonalidades e o volume de voz pelo que ou falo demasiado baixo ou desato aos gritos sem disso me dar conta, não consigo ter a paciência de um interlocutor que lhe ultrapasse a tolerância de cinco minutos. Como se tanto não bastasse, sou duro de ouvido e não apanho tudo quanto me dizem. Por isso, escrevo. Escrevendo tanto que quase só interrompo para ler. É a única forma de as pessoas embirrarem menos comigo e me voltarem costas menos vezes.
Mania 3: Sou um radical. Sempre o fui por uma atracção irresistível pelos extremos e pelo exagero. Também pela mania compulsiva associada de que sou capaz de mudar o mundo. Esgotada a crença revolucionária, peditório que me consumiu a juventude e a parte mais gostosa da vida adulta, nas últimas duas décadas tenho andado a testar e tentar o caminho da síntese impossível que me converta num consequente reformista radical. Por puro masoquismo, gosto deste projecto utópico em que o estímulo vem do infinito da empresa irrealizável.
Mania 4: Sofro de disfunção estético-erótica. Usando a vista, sou um felliniano em estado bruto – adoro apreciar bundas e mamas abundantes a prometer generosidades. Mas, no calor da intimidade, exasperam-me os largos perímetros, preferindo derivar para as delícias concentradas no gosto de um seio aninhado na cova da mão e uma bunda redonda mas curta que não dê perda de tempo na viagem até ao paraíso púbico. Isto e o gostar de apreciar loiras bonitas mas ter sempre reservado companhia de cama para morenas, as sempre fascinantes, imprevistas e exigentes morenas.
Mania 5: Sou um teso valente. A que melhor se explica e me explica – desde pequenino que adoro andar à porrada. Sempre andei e continuo a gostar. Não sendo violento, antes um pacifista melancólico-sentimental, sem corpo para apanhar com mais de dois tabefes bem puxados, deve tratar-se de tara de quixotismo sublimado e desperdiçado.
[Declaração de interesses: não sou um neurótico-depressivo candidato ao suicídio porque as minhas cinco maiores qualidades aliadas aos meus cinco maiores talentos, que não foram interrogados no "inquérito" e por isso ficam aqui omitidos, sobrelevam à fartazana as manias expostas no grau de sinceridade máxima.]
Pelo “regulamento do inquérito”, devia passar a bola a mais cinco bloggers. Pelo tema, só o faria escolhendo entre os tantos que detesto (e que são uma dúzia bem medida). Mas como a esses não cedo a dignidade de um link, fico, assim, com o inocente gozo do incumprimento na continuação da “cadeia”. Oxalá não me dê azar.
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