Este apelo/exigência de Louçã é uma insanidade e uma tentativa de afronta misericordiosa. Julgo que ninguém que respeite Saramago deseja Cavaco, ou um seu "representante", presente no seu funeral, no mínimo por respeito às identidades na dialéctica, viva na vida e ainda mais imperativa perante a morte. E quem respeita Cavaco deve admitir-lhe o direito à coerência do mundo cultural e político que quis ser inquisidor de obras literárias, apesar da democracia. Acompanhar um morto só deve merecê-la quem o respeitou quando vivo. Cavaco nunca foi capaz, ou simplesmente não o quis, retratar-se perante Saramago, o povo português e a cultura portuguesa da afronta vil e mesquinha que cometeu, cobrindo os actos de “santo ofício” de Santana Lopes e Sousa Lara, perante um escritor que, na altura, ainda não tinha ganho o Nobel (tivesse-o já ganho e seria, provavelmente, “chapa em caixa”). E as distâncias cavaram-se, sobretudo depois: Saramago tornou-se património da cultura do mundo; Cavaco nunca saiu intelectualmente de Boliqueime e só acrescentou as dicas domésticas da sua Maria. Ora, o diferente deve valer na vida e na morte.
O evangelismo de Louçã é a sua grande pecha demagógica. Confirma-se. Sobretudo ao querer ofender a dignidade de um morto com a afrontosa exigência da incoerência de um vivo.
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