
Depois de ter escrito isto, transcrevo da revista “Visão” publicada hoje um excerto de uma entrevista com Manuel Alegre:
P – Reparou nas críticas que lhe fizeram por estar, implicitamente, a censurar a opção pela deserção que muitos tomaram, nos anos sessenta, ao publicar a sua folha militar?
R – Não! A deserção era perfeitamente legítima. Não pretendi condenar. Simplesmente, eu não desertei. É uma situação de facto. A deserção era uma das formas de luta contra o regime. Só que eu não a utilizei.
P – na altura, pensou em desertar?
R – Não. Discuti esse problema, mas por razões pessoais nunca pensei desertar. Mas anda aí uma campanha, numa grande impunidade, porque a internet permite a calúnia e a maldade, já que não sou eu o visado, é a resistência antifascista. Querem ilegitimar a resistência, a voz da liberdade. Era o que faltava!
De António Cardoso a 20 de Maio de 2010
Pratos limpos, para quem é de bom comer. não condeno quem foi fazer a tropa para as colónias, conheço excelentes pessoas que fizeram essa opção.
Tal não me impede de achar que essa opção foi errada, representou uma ajuda ao colonialismo e um completo desprezo pelos deveres de solidariedade para com os povos das colónias em luta pela sua independência.
Em 1970, Nova Lisboa (hoje Huambo) privei com alguns militantes do MPLA. Em 1971, Luanda, fiquei instalado num apartamento em casa de um reputado jornalista antifascista, tendo a oportunidade de (também aí) manter longas discussões com jovens ligados ao MPLA. Nenhum me lançou na cara o erro da minha opção. Nenhum me disse o que eu leio aqui, agora.
De Jorge Conceição a 21 de Maio de 2010
Se não tivesse existido esta opção (não-)errada, provavelmente não teria existido 25 de Abril, sobretudo do modo como foi feito. A descolonização teria sido bem mais amarga. O relacionamento de hoje com as antigas colónias seria bem diferente e para pior, a célebre "Operação Nó Górdio" do Kaúlza de Arriaga teria sido um êxito militar e, se calhar, teria desaparecido a FRELIMO. Inúmeras outras pequenas operações militares teriam tido êxito, não teriam existido os incontáveis bloqueios e sabotagens em pleno teatro de guerra, que tornaram impossível a Portugal uma vitória final sobre a guerrilha. Isto foi colaborar com o colonialismo? Santa ignorância...
De António Cardoso a 21 de Maio de 2010
São de louvar todos os actos de resistência que foram praticados, em condições dificilimas, por militares portugueses ao longo da guerra colonial.
O que me pergunto é se esses actos nos bastam para legitimar, sem mais, o acerto da opção de partir para a guerra, que a partir de determinada altura foi adoptada como orientação pelo PCP para os seus militantes em idade militar.
Pergunto-me se esses militares, por melhores que fossem as suas intenções, que eram, não foram forçados a participar directa ou indirectamente na guerra e, em última análise, a combater.
Pergunto-me também se essa orientação não terá sido útil ao regime e ao seu esforço de guerra, na medida em que não debilitava os seus efectivos militares. Pois se os jovens mais conscientes e avançados partiam para a guerra, como é que os outros não os haviam de seguir. Assim se tornou “natural” uma coisa que não o fora quando começou a guerra.
Não dá que pensar o facto de que, depois de uma resistência inicial, o PCP tivesse subalternizado totalmente a luta anti-colonial, ao ponto de jamais ter convocado uma manifestação contra a guerra.
Não será demasiado apressado atribuir aos milicianos que estavam na guerra a consciencialização política dos oficiais do quadro que fizeram o 25 de Abril ? Eles eram estúpidos e não chegavam lá por eles?
De Jorge Conceição a 21 de Maio de 2010
Muitas dessas interrogações são legítimas, podem e devem ser colocadas, assim como o foram na altura. E generalizações de avaliação para uma ou outra das opções são, não apenas um risco de erro, mas totalmente erradas, porque tiveram vários cambiantes que resultaram (em vários, mas não todos, os casos) de longas e profundas reflexões, individuais e em grupo. E não apenas no âmbito do PCP, mas na área da esquerda. E é verdade que estas questões tiveram abordagens diferente durante o longo período em que a Guerra durou, o que é natural, pois não só houve um acumular de experiências que permitiu uma maturação das ideias, como a hemorragia de militantes e activistas de esquerda para fora do País levou a que muitos dirigentes tivessem assumido uma posição de melhor avaliação, caso a caso, que resultou em restringir (não eliminar) as deserções, por necessidade de manter dentro do território a militância necessária.
Quanto a interessar ao regime que oposicionistas da Guerra nela participassem, concordo que tal poderia ser assim no seu início. No entanto mais tarde (pelo menos a julgar por alguns comentários ouvidos de alguns pides e também a alguns militares do quadro permanente) tenho a impressão que eles viam com bons olhos a saída de Portugal daqueles que pudessem pôr em causa as acções em teatro de Guerra.
Outro sinal visível (pelo menos em Moçambique) de reconhecimento de que a PIDE e as hierarquias militares começaram a não gostar mesmo nada dos boicotes que os milicianos estavam a levar a efeito, conscientemente ou por desinteresse e falta de convicções (estes também resultantes das pressões dos primeiros), foi que a partir de 1972 tornaram obrigatória a sinalização com bandeirolas das posições das forças terrestres de modo a poderem ser visíveis pelos voos de reconhecimento, o que é uma verdadeira fiscalização directa sobre as Forças Armadas nas quais eles já não confiavam...
Agradeço ao Rogério e ao Jorge os seus contributos. Que evitaram, com mais valia, ter de responder ao maximalista da linha justa e interpelante despropositado de um post que se limitou a transcrever a posição de MA sobre o seu passado militar e outras opções perante a guerra colonial. É que eu para este género de interpelantes tenho mecha de cordel curto, pois peço-lhes apenas para dizerem, antes de saltarem para a tribuna e decretarem a linha justa, o que fizeram na vida. Não para julgar, apenas para comparar os tamanhos dos pavios.
Mas assim é melhor. Obrigado pois, Rogério e Jorge, pela vossa paciência. Só própria dos sábios.
De António Cardoso a 24 de Maio de 2010
Obrigado também ao Jorge Conceição e ao Rogério Pereira pelo modo sereno e aberto com que responderam às minhas interrogações, alertando-me para uma parte menos conhecida da história da guerra colonial: a dos que opondo-se à guerra, aceitaram partir para as colónias, pelas mais variadas razões.
Uma situação sem dúvida difícil e dramática, de que nos dá conta o livro de Armando Sousa Teixeira “Guerra Colonial. A memória maior que o pensamento”, edições Avante, 2009, um dos poucos testemunhos publicados de aplicação da orientação de seguir para as colónias por parte de um militante do PCP. Porém, por maior respeito que nos merecem os sacrifícios do autor, não vislumbramos que utilidade tiveram para a consciencialização da “juventude combatente”. Outros terão encontrado melhores condições, outros tempos, outros contextos e puderam de alguma forma combater a guerra na guerra.
A pergunta que faço é de natureza política geral que é a de saber se, sobretudo no auge da guerra, longe ainda do enfraquecimento final, foi ao não correcto o PCP e outras forças aconselharem os seus militantes e simpatizantes a embarcarem para as colónias. Tenho dúvidas que as vantagens de uma dificílima acção política no teatro de guerra tivessem compensado a generalização entre a juventude portuguesa da ideia de que era natural ir para a guerra.
Nada pois contra os jovens anti-colonialistas que aceitaram partir para a guerra, com o intuito de, no seu interior, tentarem fazer alguma coisa contra ela, mesmo que alguns pouco tenham podido fazer, dada a enorme vigilância e repressão a que estavam sujeitos.
Só que com estes não se podem confundir os que, à pala do seu estatuto de anti-colonialistas, que não contesto, se sentem, ao mesmo tempo, muito honrados por terem sido “combatentes” do exército colonial.
Senão, vejamos a seguinte entrevista de Manuel Alegre ao DN, de 22-3-2009: «Eu estive na guerra; estive em Mafra; estive nos Açores e estive em Angola. Sou até, dos candidatos às presidenciais, o único que entrou em combate (…)Mas eu não desertei e não quis desertar, quis viver a experiência da guerra e vivi em situação de combate no pior momento da guerra em Angola, que foi 1962/63, com as minas a rebentar em Nambuangongo e Quipedro, que era a capital da guerra. E não me arrependo dessa experiência, que é intensíssima, apesar de considerar que aquela guerra não tinha sentido político. Já tinha uma consciência anticolonial, mas estava lá. Há a fraternidade que se cria entre a gente do mesmo pelotão, da mesma companhia e que vive os mesmos riscos. E depois há essas situações que são situações-limite, em que como eu disse num poema o tempo cabe todo num minuto. A fronteira entre a vida e a morte é muito frágil.
Sem comentários.
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