A vida habitua-nos sem nos habituar a estas notícias, sobretudo quando a velhice nos disputa o viço não perdendo oportunidade de nos corroer as bengalas com que nos apoiamos mais no chão falso da memória que na esperança do projectar, fazer e transformar. A razia de companhias, afectos e admirações já me tocou funda na família (com os adeus dolorosos dos meus pais e de dois irmãos), no meu escritor de culto (José Cardoso Pires), no meu cantor de toda a vida (José Afonso), no amigo que continua na palma da minha mão (o Zé), no único militar profissional de quem fui amigo e tombou em combate de uma forma vil (o major Passos Ramos), no líder político que mais admirei e mais detestei, no meu contraditor político mais estimado e com quem trocava vivas picardias blogosféricas sem o saber ferido por doença implacável (o Jorge Ferreira). Sei que esta lista, nas suas várias qualidades, vai aumentar nos dias que me restarem. Até que uns poucos me digam adeus em saudade rápida porque mais não mereço e assim ficarei aliviado de chorar mais perdas de companhias e referências.
Foi-se o Saldanha Sanches. Não tenho competência para avaliar a dimensão da perda do professor e do fiscalista. E há muito que, politicamente, ele não me impressionava. Respeitava-lhe e admirava a sua frontalidade truculenta e era tudo, o que, nos tempos que correm e segundo as minhas medidas, não era pouco. Mas a perda de Saldanha Sanches acrescenta um novo capítulo no meu índice de baixas. Curtido nas perdas de familiares, amigos, pessoas de culto, faltava-me o género desta perda, o de um companheiro de cela em Caxias. Numa vaga repressiva sobre a contestação estudantil em 1965, um leque seleccionado pela PIDE entre os estudantes contestatários foi encaminhado para a Prisão de Caxias. Eu e a maior parte éramos novatos mas, na minha cela, Saldanha Sanches auto-emergiu como o mais experimentado (já tinha sido preso e baleado) e assumiu-se logo ali como responsável pela cela prisional, distribuindo tarefas e organizando uma lista de reivindicações. Foi breve essa passagem pelos calabouços da PIDE, tanto que nem consta do largo currículo prisional de Saldanha Sanches. Enquanto Saldanha Sanches me “chefiava” em Caxias pela minha insignificância de “preso político de base”, cá fora, no desassossego das famílias dos encarcerados pela PIDE amontoadas às portas da António Maria Cardoso, Esmeralda, a minha irmã mais velha e minha mãe substituta, uma camponesa urbanizada que sempre me reprovava “meter-me em política”, acartando um farnel, impetuava desabridamente, com o seu espírito transmontano, contra os pides de serviço, exigindo a devolução imediata do seu “maninho” e garantindo-lhes que dali não saía enquanto a devolução exigida não se concretizasse. Foram os pais de Saldanha Sanches, já batidos nas anteriores reclusões do filho, usando a sabedoria da experiência, que acalmaram e enquadraram a impaciência dorida da minha irmã. E até eu ver a luz do sol na saída da António Maria Cardoso, os pais de Saldanha Sanches não faltaram um momento no acompanhamento da minha irmã que sofria aquela prisão com a surpresa revoltada de quem nada entendia da necessidade e utilidade de haver quem combatesse a ditadura que ela entendia como uma fatalidade eterna, quase um sortilégio da natureza. Ou seja, enquanto eu em Caxias me subordinava ao “posto por experiência” de Saldanha Sanches, o mesmo género de hierarquia estabelecia-se, cá fora e na cadeia das dores afectivas, entre os nossos familiares. São coisas que a amnésia não corrói.
Até sempre, Saldanha Sanches.
(também publicado aqui)
De Natálio Nunes Paróla a 15 de Maio de 2010
Contactei, no passado, com o Dr. José Luís Saldanha Sanches, corriam os anos setenta.
Ao tempo colaborava com o MRPP: embora a minha intervenção partidária se limitasse a uma ou outra reunião, colagens de propaganda partidária, assistência a comícios, e uma ou outra reunião de bancários simpatizantes do MRPP.
A solicitação do Partido, deixei uns camaradas utilizarem o meu Diane para acções do partido, todavia estes companheiros estragaram-me o carro e, não fora o sentido de responsabilidade de Saldanha Sanches, teria ficado sem carro e com uma sucessão de frases típicas de estruturas monolíticas e irresponsáveis, começadas por "Camarada, desculpa mas...".
O meu muito obrigado pela acção acima referida, e mais ainda, pela participação na vida política nacional, que eu procurei acompanhar e de que beneficiei como cidadão e homem.
Hoje foi um dia de respiração mais opressa: ver desaparecer cidadãos de corpo inteiro, dói.
De
Catulo a 15 de Maio de 2010
Um belíssimo texto em memória de um Homem que os tinha no sítio. A nossa Democracia ficou mais pobre.
De vidal a 15 de Maio de 2010
Temos mais amigos do que aqueles que conhecemos… é a conclusão a que chego, após introspecção breve de que os amigos dos meus amigos meus amigos são.
Não conheci Saldanha Sanches e apenas ouvia falar dele à distância, naqueles conturbados dias de entrega idealista que se seguiram ao 25 de Abril. Depois de uma desaparição de alguns anos eis que ele me entra em casa debitando as suas contundentes críticas ao sistema permissivo a que alguns responsáveis políticos emprestavam à gestão da coisa pública. A sua intervenção, com clareza e urbanidade, revelava o seu interesse pelo bem do país sem que com isso procurasse proveito próprio, o que não é muito comum nos comentadores que por aí pululam. Os meus respeitosos cumprimentos a todos os que com ele privavam.
De José Pires ( Made in Vinhais ) Ericeira a 15 de Maio de 2010
O País perdeu um homem livre !
O País perdeu mais um dos poucos homens com H !
Obrigado por tudo o que destes !
Um abraço de muita força à Dr.ª Mª José !
Quem soube quem foi, jamais o esquecerá !!!
Quem não o conheceu, certamente o irá encontrar na história de Homens pela liberdade !
José Pires
De José Pires a 15 de Maio de 2010
Fui aluno da 1ª edição da Pós-Graduação em Fiscalidade no ISG onde tive o prazer de receber as lições do Prof. Saldanha Sanches. Fiquei rendido aos seus conhecimentos nesta matéria, mas muito mais agradecido pelo que me foi possível aproveitar na minha vida profissional, desde que pude aproveitar as palestras inequivocamente sábias de um homem que passei a respeitar e a ouvir sempre que possível.
Não posso, por isso, deixar de prestar aqui a minha última homenagem a um ser humano digno desta palavra, deixando as minhas condolências à família enlutada.
José Pires - Carcavelos
De Hernani a 15 de Maio de 2010
Que o falecimento do Sr.Saldanha Santos,sirva de liçao e estimulo, sobretudo à juventude que so ela podera mudar o rumo da Historia da Humanidade,a ousar estar em minoria,perseverar nas ideias que considerarem justas,combaterem as desigualdades,a corrupçao avassaladora,a politica desastrosa dos ditos politicos profissionais,que todos os dias mudam de "ideias"(menos uma,a de defenderem o seu tacho).O Sr. Saldanha Santos bateu-se toda a sua vida por um ideal que é inevitavel atinjir-se,o descontentamento dos cidadaos leva-los-a a exigirem a instauraçao duma nova politica,baseada em principios pragmaticos em que nao podemos ignorar ou menosprezar uma ideia sem analisar,a sua justeza e a aplicaçao pratica na sociedade.Normalmente as ideias que vigoram sao as provenientes dos meios politicos que todos nos sabemos onde nos levaram.Saibamos e ousemos nao seguir "o rebanho",creio que é a melhor Homenagem que se pode fazer a este Homem que deu o melhor da sua vida à comunidade sem nunca ter reivindicado privilegios que alguns obtem fazendo a desgraça,a miseria,em muitas das nossas familias,com o encerramento de empresas,e que dias depois aparecem à frente de outra empresa como se nada tivesse passado e para cumulo, com chorudas indemnizaçoes no bolso.Homens como este Sr. nao enverendam por seguir estes caminhos tortuosos e dificeis da vida com o objectivo de obterem o reconhecimento da sociedade,mas para sentirem o grande prazer que é o de expor as ideias que tiveram o privilegio de possuirem,para o bem da maioria dos cidadaos ,mostrando-lhes o caminho a seguir.Quero tambem deixar uma palavra para os eventuais hipocritas que hoje vem chorar lagrimas de crocodilo e tecer elogios,quando nos tempos dificeis foram incansaveis detractores contra a politica que defendia o falecido.Para a mudança da sociedade é necessario sobretudo que os cidadaos se autocritiquem,se responsabilizem,que participem na vida activa nao deixem o vosso destino nas maos de alguns "salvadores",voltem a acreditar na politica que todos nos fazemos por vezes inconscientemente diariamente.Tudas as nossas acçoes sao politicas,as relaçoes sociais sao politica nao tenhamos vergonha de reclamar,ninguem podera fazer melhor por nos, que nos mesmos.A politica que nos quiseram impedir de fazer no tempo do fascismo,os novos monarcas conseguiram,criando uma "classe" de profissionais que gostaria de os ver a administrar os bens pessoais como esbanjam os dinheiros publicos.Ai é que esta a origem da crise e nao nos trabalhadores que toda a vida so ouviram em apertar o cinto,que muitos em breve nao terao dinheiro para o comprarem,e as calças cairao.Saldanha Santos faleceu as ideias que defendeu nao !Saiem sobretudo reforçadas com a sua contribuiçao na construçao do edificio comum que brevemente atinjiremos o cume.Viva Saldanha Santos! P.S.-desculpas pela acentuaçao.
De deolinda a 15 de Maio de 2010
Obrigada João, pelo teu belíssimo texto de homenagem ao professor Saldanha Sanches.
Cada vez mais pergunto? Até onde vai a "aridez" humana deste país? Umas vezes por causas naturais, que vai seifando os nossos grandes valores intelectuais.
Presentemente o que nos resta? O que já sabemos.
Um abraço.
Desconhecia o falecimento desse grande homem que aprendi a admirar ao longo dos anos pela sua frontalidade sem histerismos, pela sua exposição de ideias que sempre me recusei a ver como posições politicas.
Politicos, posições politicas são palavras com uma carga muito negativa daí não as aplicar a um Homem como Saldanha Sanches, que sempre defendeu ideais.
Partes mas deixaste-nos um grande legado com a tua postura na vida e na sociedade, e que nos foi servindo de referencia, referências que no dia de hoje tão dificieis são de encontrar.
Não é um adeus mas sim um até sempre , Homens como tu não morrem, partem mas ficam sempre presentes.
De
mdsol a 15 de Maio de 2010
Um texto muito bonito. Em tudo.
:))
De carolina a 15 de Maio de 2010
À eterna memória do Professor Saldanha Sanches ... Presidiu sem asas à minha prova oral de Direito Fiscal na FDL no dia em que eu fiz 21 anos e no final disse-me «vá embora festejar, a sua nota é de 12 valores!» o único que não me fez esperar de angústia pela nota naqueles corredores frios, escuros e desanimados ...
De m.correia a 15 de Maio de 2010
Há sempre alguém que nos faz falta... que a energia de Saldanha Sanches fortaleça a cidadania de todos os que neste momento partilham com ele a sua dimensão espiritual .
De Anónimo a 15 de Maio de 2010
Por favor - continue a cuidar de nós e a denunciar os podres deste país, Sr. Professor!
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