Ainda não foi este ano que a Igreja Católica me surpreendeu. E quando falo de surpresas penso sempre em prendas, porque é para isso que existe o Pai Natal a ir, em trenó puxado a camelos, ajeitar as palhinhas do Menino. Nada disso. Esta Igreja, a que vertebra a Europa de matriz cristã, conseguiu o mais difícil que foi piorar de Papa. Depois, não deu um passo em frente em qualquer das suas vetustas abencerragens: não largou mão das suas mordomias de casamento com o poder de César (cá na pátria, continuamos com os contribuintes, católicos ou não, a pagarem os soldos generosos dos 50 oficiais capelães militares); nega às mulheres a dignidade de igualdade perante o culto e no culto; castra os seus sacerdotes, como se estes fossem feitos em pau santo e portanto transportarem na braguilha um santo pau, empurrando-os para a masturbação ou para as taras sexuais de compensação da descarga da líbido; funga o nariz à contracepção; diviniza o feto como vida excelsa e mitificada enquanto espeta o dedo carcereiro às mulheres doridas pelo drama de abortarem.
Mas o acto simbólico maior de crueldade espiritual da Igreja Católica, neste ano a ir-se, foi a negação de enterro católico pedido pelo sofredor italiano que apelara apenas, como dádiva última, que lhe desligassem a máquina que artificialmente lhe prolongava a vida e espiritualmente lhe dava o sofrer maior de saber que vivia sem viver, máxima negação do direito à harmonia entre a vida e a morte, ou seja, o acto mais ímpio de uma mesma Igreja que nos pede tolerância pelo passado papal no seu desvario juvenil de ter sido um imberbe combatente pelo nazismo, uma fábrica da morte imposta. Esta radicalidade que casa o culto maximalista pelo feto, uma candidatura à vida, negando o direito à morte, que não é mais que a simetria da vida, a quem reconhece a vida pelo conteúdo de viver, foi o sinal maior de que o ópio do Vaticano continua e recomenda-se.
Mantenho a ideia-esperança que quando a Igreja Católica for capaz de integrar o prazer nas virtudes (*), demonizando antes a mitomania da castração, sobretudo perdendo esse terror adolescente que teima em conservar no ódio-temor perante a Santa Vagina, então teremos religião na vida e para a vida. Se Ela regrediu em 2006, desejo-Lhe, desejando-nos, venturas para 2007. Que posso fazer mais, dada a distância que me cansa os passos até os altares?
(*) Nem pensar em pedir tanto quanto a imagem possa sugerir… (cujo valor caricatural só funciona no actual quadro de facto)
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