Julgo que foi na terça feira passada que, com um pequeno intervalo pelo meio, ouvi e vi duas entrevistas a mulheres espanholas e jornalistas. Primeiro, ao fim da tarde, na TSF, Carlos Vaz Marque entrevistou Rosa Montero (também escritora) e depois, à noite, Ana Sousa Dias, na RTP 2, conversou com Pilar del Rio (também esposa de José Saramago). Cada entrevistador no seu estilo (ele desafiante, ela envolvente, os dois sempre profissionalmente preparados), ambos excelentes a permitir-nos ler o do outro lado da conversa.
As fluências exuberantes com que uma e outra se exprimiram, os seus olhares desinibidos sobre o mundo e a sociedade, as marcas claras da emancipação feminina assumida vertebradamente, o riso de escárnio saudável sobre os tabus, demonstraram, como se tal fosse necessário, quanto vai longe a velha Espanha rançosa e machista e como ali se afirma, agora e irreversivelmente, a alegria extrovertida da modernidade encontrada. E, caindo no estereótipo comparativo, provaram às mulheres portuguesas, já próximas da interiorização de uma modernidade parecida, que só precisam de ganhar a mesma autoconfiança que elas exibem com toda a naturalidade para que a Península demonstre que, aqui, entre Atlântico, Mediterrâneo e Pirinéus, a ordem machista deu o berro.
E, no entanto, demonstrando que não há igualitarismo que floresça, que diferença entre estas duas mulheres! Quanta distância entre a fluência sábia e acutilante de Rosa Montero, envolvendo com uma afectividade de proximidade lúcida e com tolerância pensada, propondo permanentemente a aventura da descoberta, comparativamente à arrogância cabotina de Dona Pilar quando se mete no papel de “esposa de génio” e desenrola a cartilha dos dogmas com que partilha a sua visão do mundo, recheada de apostilhas e eloquência de radicalidade definitiva, valendo-se da fama marital como plataforma afirmativa. O que só prova como são diversos os caminhos de um mundo cada vez mais feminino.
É bom assim. Assistir a um mundo crescer com as mulheres soltas e a voarem com as suas asas. Mas tão diferentes que permitem e convidam às preferências e escolhas. As delas e as dos homens. Pelo menos nisto, o mundo está a ficar melhor. Sem ser necessário sair da Península. Assim, pela minha parte, obrigado às duas.
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