No domingo passado, rumei ao Barreiro para assistir ao jogo de basquetebol entre o penúltimo classificado e o terceiro, um Barreirense-Porto prometedor porque disputado entre a equipa mais jovem e das mais frágeis a competirem na Liga (média de idades dos jogadores: 20 anos) e uma das grandes potências nacionais do desporto, incluindo o basquetebol. Casa cheia no pavilhão municipal. No recinto, as torres e os veteranos vestidos de riscas azuis e brancas frente à miudagem magricela com outras riscas, a vermelho e branco, tutelada por um calmeirão americano, lento mas persistente, a funcionar como chefe de turma. A assistência era homogénea a torcer pelos putos da casa, mesmo sabendo que o objectivo da vitória era quimérico. E eu em casa me sentia, até porque daquela casa afectiva nunca saí. No meio da onda caseira barulhenta, uma mãe jovem mais o filho de uns cinco anos faziam a dissonância, apoiando o FêCêPê em cada cesto fruto da grande potência dos forasteiros. Na primeira parte, onde os azuis chegaram a estar a ganhar por mais dezassete pontos, a festa entre mãe e filho foi desinibida e permanente. Após o intervalo, o portista infantil foi colocado ao meu lado (para não ter obstáculos à visão do jogo) e, despachado o lanche imposto pela hora e pelo cuidado materno, ali o tive até ao fim como meu vizinho de bancada, olhos sempre fixos nos cestos e no marcador. No que, para mim, foi a experiência primeira de assistir a uma disputa desportiva sentado ao lado de um portista. Lá alternámos os festejos, eu e o catraio vizinho, consoante a sorte e o talento de cada uma das partes em conflito. Por cada ponto marcado pela sua equipa, o meu vizinho virava-se para a fila de trás, onde estava a mãe, e apontava com o dedo bem espetado cada engorda portista confirmada no marcador. Só que os ventos, nesse dia, estavam virados para soprar a supremacia da juventude da equipa barreirense. Para desgosto do meu vizinho que, a partir de certa altura, deixou de espetar o dedo para o marcador e foi-se resumindo a olhares tristes e de revés para a mãe que substituiu partilhas de festejos pelas festas de consolo na cabeça do rebento portista desconsolado. Uma criança triste mexe sempre comigo, assim se me tendo desconsolado a primeira oportunidade que tive na vida de festejar uma derrota portista com um “dragão” sentado ao meu lado. Fico a aguardar pela próxima, a de festejar desfeita junto de adepto rival sem direito a piedade.
De Mário Santos a 27 de Janeiro de 2010
Isso é ter coração. Mas mesmo assim devias ter aproveitado poque oportunidades dessas não surgem todos os dias... Se calhar foi a única que tiveste :)
Espero que não, mas antes confio que a civilização vença sobre a barbárie. E no basquetebol é mais fácil (as razões de cultura desportiva prórpias deste desporto ajudam a isso). No último Benfica-Porto, no pavilhão da Luz, vários adeptos portistas circularam de cachecol azul ao pescoço, ultra minoritários entre os adeptos da casa, torceram pelo seu clube, não foram incomodados. E tenciono ir assistir ao Porto-Benfica na segunda volta da Liga no Caixa-Dragão, confiando regressar inteiro a casa. Diz-se que o problema está nas claques, o que é meia verdade, porque a outra metade está quando os adeptos civilizados, a maioria em qualquer clube, adquirem o comportamento das claques e se confundem com elas.
Mas no caso que partilhei e aqui contei, o leit motiv foi a tentativa de redemonstração da capacidade que tem uma criança para moderar o pior dos adultos, nomeadamente os seus excessos na paixão (o exemplo foi num desporto, mas podia ser noutro caso ou situação). Com pena que este potencial não seja aproveitado mais e melhor na nossa sociedade. E, pior, abundarem os adultos que apagam e abusam das crianças.
PS - Desconfiei e desconfio, embora não o tenha confirmado, que o catraio e a mãe, pelo seu afinco e coragem de exteriorização de afecto clubista, devem ter laços familiares com algum dos jogadores que se esforçavam no recinto. Esta convicção dá-me uma dimensão mais larga da inevitabilidade da ternura que senti e me emocionou, saltando preferências.
De Mário Santos a 27 de Janeiro de 2010
As crianças condensam em si mesmas uma sensação de ordem no caos em que nos vemos mergulhados diariamente e que nos entra casa adentro sob a forma das mais variadas tragédias e crimes.
Depois, desporto tem de ser fair-play, dentro do campo, mas igualmente fora do campo. Se o desporto não estiver imbuído no espírito do fair-play deixa de ser desporto. Passa a ser guerrilha, com bolas, cestos, redes à mistura.
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