A tradução portuguesa do livro da autoria de Victor Sebestyen, um jornalista inglês de origem húngara, sobre a queda em dominó dos regimes comunistas europeus (*), constitui não só o resultado de uma aturada investigação sobre as essências das desagregações de cada uma das peças do dominó, pelo acesso e estudo dos arquivos disponíveis, como a mais completa e profunda análise do fenómeno da implosão do comunismo disponível nas livrarias portuguesas. Estas são razões suficientes para que, pela raridade e profundidade, seja já uma obra de referência para os estudiosos do comunismo. A que acresce, como valor de fascínio, o estilo de grande reportagem, possível porque vindo de um jornalista veterano e rigoroso, o que nos conserva o prazer de leitura da primeira á última página.
Sebestyen percorre os vários ambientes políticos, sociais e partidários na URSS e nos países europeus parceiros no Pacto de Varsóvia na fase pré-terminal da falência dos regimes, detectando em cada um as suas características peculiares (o que permanecia assim por baixo da uniformização do modelo) e as suas taras degenerescentes, as comuns e as particulares. Depois, o autor, acentuando os pontos críticos e vulneráveis da decadência da forma comunista de governar (particularmente sensíveis na Polónia, na RDA e na Hungria), percorre os factores de contaminação que vão alargando as incapacidades de os regimes enfrentarem os seus povos saturados e cada vez mais impacientes, em que os ditadores e as cliques partidárias, degenerados pelo poder absoluto prolongado, ficam sem soluções defensivas e ou cristalizam no pânico e na paralisia ou simplesmente tentam sobreviver através dos golpes palacianos ou da transferência para a “contra-revolução”. Fica também a tese de que Gorbatchov, a perestroika e o processo interno da URSS e do PCUS, em vez de terem sido elementos activos e catalizadores do desmoronar do comunismo leste-europeu, versão que é corrente nas “teorias da conspiração” aplicadas ao fim do comunismo, impulsionaram-no sim e apenas ao manterem uma neutralidade militar e repressiva de tipo expectante, recusando-se a repetir Budapeste de 56 e Praga de 68, o suficiente para paralisar a capacidade de resistência das cliques partidárias perante a “contra-revolução” e incentivaram as acções libertadoras dos povos oprimidos pelo comunismo implantado na Europa como resultado do final da II Guerra Mundial. E se, na Polónia, pelas acções do “Solidariedade” e da Igreja Católica, se detectaram as primeiras brechas, estas contaminam rapidamente os alemães de leste que formaram uma enorme massa humana em movimento contínuo de fuga da RDA e, perante o Muro em Berlim, inundaram os “países irmãos” (Hungria – pela fronteira húngaro-austríaca e Checoslováquia – embaixada da RFA) num êxodo para Ocidente, procurando meios e fronteiras por onde pudessem escapar-se até que, perante a impossibilidade de todos fugirem, se viraram contra a clique partidária já impotente. A insolvência económica e financeira dos sistemas de funcionamento das sociedades e a força dos exemplos de polacos e alemães de leste, acabaram por levar os dirigentes húngaros a tomarem a iniciativa de “renegarem” a hegemonia comunista. Depois, foi a contaminação rápida e fulgurante, até atingir os povos mais amedrontados e pessimistas, com uma velocidade de decomposição dos regimes que espantou todo o mundo porque ninguém previa que os alicerces dos regimes, todos transformados em estados policiais, irreformáveis, desde logo os seus partidos isolados nos seus rituais, estivessem tão cancerosos e tão de costas voltadas para os seus povos e problemas. E, no final, como se confirma, todos cairam vítimas da doença senil do marxismo-leninismo.
(*) – “Revolução 1989 – a queda do império soviético”, Victor Sebestyen, Editorial Presença.