Se no cinema se chora, e chora-se pois claro, eu hoje choro porque Rohmer nunca mais. E quem chora, procura um ombro para apoiar o soluço de perda. Se a Joana Lopes não se importa, eu uso, como apoio cinéfilo e por breves instantes para não a incomodar demais, o seu ombro como mata-borrão do mar de saudade pelo fim do maior cineasta dos sentimentos e dos seus jogos que permanentemente oscilam entre o infantil retardado e o pérfido, sendo cada homem e mulher uma mistura mutante dos dois, mas dando permanentemente margem a escolher-se a “meia medida” ao nosso gosto. Mas refilo, como é fatalidade do meu feitio. É que as etiquetas são sempre redutoras e a da “nouvelle vague” foi das mais pobres (porque mentirosas) que o marketing da cinefilia inventou. Rohmer, se alguma coisa o aproximou de Trauffaut e de Rivette, conceda-se isso para gozo dos coleccionistas mas com muita condescendência, não teve nada a ver com Godard (felizmente) e muito menos com Chabrol (aqui, felizmente e infelizmente) e sobretudo com Resnais (uma carta completamente fora do baralho, totalmente alinhado com o “nouveau roman” travestido em cinema). O que confirma que o cinema francês, enquanto corrente ou escola, nunca existiu. E talvez por isso não foi a oposição ou alternativa que muitos sonharam face ao cinema americano massificado e massificante, esgotado que foi o filão pujante e exaltante da realização italiana do longo pós-guerra e onde foi sempre nítido, mas a marchar em ordem unida de genialidade, o pentapé plural De Sicca-Rosselini-Antonioni-Fellini-Visconti. A esperança na alternância pela via do cinema francês foi um dos maiores fiascos no caminho da utopia da esperança que Hollywood viesse abaixo. E morreu porque o projecto foi, se foi, sobretudo livresco. Partilhar a tertúlia editorial dos “Cahiers du Cinema” não garantia, não garantiu, que críticos transformados em realizadores fossem tribo e obraa para durarem e muito menos combaterem hegemonias industrializadas (como, ao nível doméstico, confirmámos com Seixas Santos e Pedro Vasconcelos, os quais nunca passaram de “realizadores de café e ginjinha”). E cada um dos “nouvelle vague” tentou contruir desconstruindo os outros parceiros de “escola”. Não só ao nível temático mas em toda a construção fílmica. O que transformou, para o bem e para o mal, a etiqueta num passador. Portanto, um vazio em termos de definição. Mas não só, também um poço de dicotomias caso a caso. E foi isso que meteu o cinema americano a rir-se da ousadia francesa, atrevida mas absolutamente falhada. Qualquer um de nós, os que gostam de cinema, atrevo-me a afirmar tanto, é capaz de partilhar harmonicamente todos os monstros sagrados do cinema italiano (como do cinema americano, diga-se) sem problemas estéticos ou intelectuais pelos milhões de quilómetros que distam de Fellini até Visconti, porque é sempre juntar-se a fome à vontade de comer. Mas, na chamada “nouvelle vague”, quem gosta de Rohmer como pode gostar de Godard ou qualquer dos outros? Eu, decerto já se percebeu, sempre fui um pró-Rohmer. Por isso o choro, hoje. Porque infinitos são os caminhos nesse complexo e ininterrupto jogo de devassa exposta entre a moral e os sentimentos, em que o seu cinema foi mestre a ensinar-nos o prazer das interrogações. O que torna incontornável que se Rohmer morresse, por exemplo, com 120 anos feitos, ele continuava a fazer-nos falta. A mim, que hoje o choro, garanto que sim.
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