
Podemos e devemos entender o júbilo de qualquer um perante um prémio e um premiado e com a mesma dignidade democrática da posição dos que discordam da escolha. Sobretudo se o enaltecido é alguém que veste “a camisola” e a usa bem, realçando-se a raridade no quadro do seu meio, o que não está em dúvida. Mas dois livros publicados de difusão discreta a somar a uma intervenção pública sujeita à polémica e uma obra pastoral que se acredita como justa, podem ser premiáveis mas não justificam o direito à unanimidade. Isso seria como considerar o Prémio Pessoa como uma reedição do Prémio Estaline da Paz, onde os contestatários teriam direito ao purgatório do Gulag ou ao inferno do tiro na nuca em Lubianka. Em democracia, um premiado, em qualquer prémio, será sempre sujeito ao contraditório, nunca à bajulação. Se eu e outros como eu consideram que o Prémio Pessoa 2009 foi atribuído a Manuel Clemente mais como uma ofensiva catolicista que nos prepara um 2010 beato, com papa e circunstância, e que corroa o laicismo constitucional, do que um reconhecimento isento e prestigiante de méritos próprios, isso não diminui nem ofende o premiado, se ele for eucuménico e com uma tolerância tamanha que abranja os incréus, os jacobinos, os blasfemos e até os carbonários do tempo presente, todos cidadãos com direito à vida. Julgo que até Maria Barroso, tendo votado, provável e indirectamente, no premiado, usando supostamente a sua influência conjugal, compreenderá que, com polémica, o prémio quadra melhor, assim, ao senhor bispo.