Sexta-feira, 27 de Novembro de 2009

Dez anos de falta do sonhador pragmático

Passam dez anos desde a morte de Melo Antunes, o militar mais político do MFA e o político mais militar, embora não o parecesse, da transição da ditadura para a democracia, um discreto mas influente homem do leme que teimava seguir uma rota socialista sem as perversões totalitárias do caldo de estalinistas e utópicos de matrizes contraditórias e sem dar comida para os dentes dos tubarões da direita revanchista, uns acantonados na casa das máquinas do PREC e outros na espera ansiosa de recuperarem o poder perdido com a queda de Marcello e Tomás.   
 
A historiadora Maria Manuela Cruzeiro, autora de um livro incontornável em que recolheu uma sua longa conversa com Melo Antunes (*), fez aqui uma evocação desta figura político-militar da revolução portuguesa. E, pendurada no post, continuou a conversa sobre Melo Antunes com os seus comentadores. É desta MMC, a cidadã a despir-se das vestes da solenidade da escrita académica que tão bem domina e melhor lhe fica, a MMC que prefiro sem deixar de admirar a historiadora emérita que ela é, que transcrevo esta síntese exemplar sobre Melo Antunes:
 
Obrigada a todos, pela forma calorosa com que se associaram a esta evocação de Melo Antunes, figura tão mal conhecida e primariamente avaliada quer por amigos quer por inimigos. Na verdade a sua dimensão humana, intelectual e cívica continua a incomodar num país que pensa e age tão rasteiramente que não pode perceber não só a sua capacidade de reflexão e visão política, como a sua invulgar (para mais num militar) cultura literária, histórica, filosófica, e até musical.
Homem de esquerda consequente e fundamentada, muito antes do 25 de Abril sonhou para este país um regime que não fosse a capitulação face ao modelo capitalista ocidental nem caísse no colectivismo dos países de leste. Para esta democracia avançada, socialista (sem socialismos na gaveta), capaz de operar uma transformação estrutural da sociedade portuguesa inspirava-se em Gramsci (um dos seus autores) e no conceito de bloco histórico. A esquerda (leia-se PS e PCP) não foi sensível ao apelo, o atraso cultural social e político deste país eram herança demasiado pesada, as pressões externas de uma Europa e Estados Unidos em pânico com a pura hipótese de uma unidade Comunistas/Socialistas apertava ainda mais o cerco. O sonho foi-se esfumando num esforço desesperado para salvar o que era salvável. Pragmaticamente, mas com a amargura e o desencanto de uma oportunidade perdida. Um homem destes, um outsider, sem partidos por detrás, estava escrito, que seria carne para canhão da marabunta política. Que dele se serviu para depois o pôr de lado. Eis como uma vida a vários títulos exemplar é também exemplificativa das grandezas e misérias deste país que aceita sem um sobressalto que a grande notícias do último 25 de Abril seja a promoção a general de Jaime Neves, e a deste 25 de Novembro, a decisão de lhe fazer um busto. Não tão grande porém, como a estátua do Cónego Melo que, segundo consta, é de proporções gigantescas.
 

(*) “Melo Antunes, o Sonhador Pragmático”, Maria Manuela Cruzeiro, Editorial Notícias.

 

Publicado por João Tunes às 15:24
Link do post | Comentar

j.tunes@sapo.pt


. 4 seguidores

Pesquisar neste blog

Maio 2015

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Posts recentes

Nas cavernas da arqueolog...

O eterno Rossellini.

Um esforço desamparado

Pelas entranhas pútridas ...

O hino

Sartre & Beauvoir, Beauvo...

Os últimos anos de Sartre...

Muito talento em obra pós...

Feminismo e livros

Viajando pela agonia do c...

Arquivos

Maio 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Junho 2013

Março 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Junho 2012

Maio 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

Fevereiro 2004

Links:

blogs SAPO