
Passam dez anos desde a morte de Melo Antunes, o militar mais político do MFA e o político mais militar, embora não o parecesse, da transição da ditadura para a democracia, um discreto mas influente homem do leme que teimava seguir uma rota socialista sem as perversões totalitárias do caldo de estalinistas e utópicos de matrizes contraditórias e sem dar comida para os dentes dos tubarões da direita revanchista, uns acantonados na casa das máquinas do PREC e outros na espera ansiosa de recuperarem o poder perdido com a queda de Marcello e Tomás.
A historiadora Maria Manuela Cruzeiro, autora de um livro incontornável em que recolheu uma sua longa conversa com Melo Antunes (*), fez aqui uma evocação desta figura político-militar da revolução portuguesa. E, pendurada no post, continuou a conversa sobre Melo Antunes com os seus comentadores. É desta MMC, a cidadã a despir-se das vestes da solenidade da escrita académica que tão bem domina e melhor lhe fica, a MMC que prefiro sem deixar de admirar a historiadora emérita que ela é, que transcrevo esta síntese exemplar sobre Melo Antunes:
Obrigada a todos, pela forma calorosa com que se associaram a esta evocação de Melo Antunes, figura tão mal conhecida e primariamente avaliada quer por amigos quer por inimigos. Na verdade a sua dimensão humana, intelectual e cívica continua a incomodar num país que pensa e age tão rasteiramente que não pode perceber não só a sua capacidade de reflexão e visão política, como a sua invulgar (para mais num militar) cultura literária, histórica, filosófica, e até musical.
Homem de esquerda consequente e fundamentada, muito antes do 25 de Abril sonhou para este país um regime que não fosse a capitulação face ao modelo capitalista ocidental nem caísse no colectivismo dos países de leste. Para esta democracia avançada, socialista (sem socialismos na gaveta), capaz de operar uma transformação estrutural da sociedade portuguesa inspirava-se em Gramsci (um dos seus autores) e no conceito de bloco histórico. A esquerda (leia-se PS e PCP) não foi sensível ao apelo, o atraso cultural social e político deste país eram herança demasiado pesada, as pressões externas de uma Europa e Estados Unidos em pânico com a pura hipótese de uma unidade Comunistas/Socialistas apertava ainda mais o cerco. O sonho foi-se esfumando num esforço desesperado para salvar o que era salvável. Pragmaticamente, mas com a amargura e o desencanto de uma oportunidade perdida. Um homem destes, um outsider, sem partidos por detrás, estava escrito, que seria carne para canhão da marabunta política. Que dele se serviu para depois o pôr de lado. Eis como uma vida a vários títulos exemplar é também exemplificativa das grandezas e misérias deste país que aceita sem um sobressalto que a grande notícias do último 25 de Abril seja a promoção a general de Jaime Neves, e a deste 25 de Novembro, a decisão de lhe fazer um busto. Não tão grande porém, como a estátua do Cónego Melo que, segundo consta, é de proporções gigantescas.
(*) “Melo Antunes, o Sonhador Pragmático”, Maria Manuela Cruzeiro, Editorial Notícias.